Futuros inquietos, práticas contra-hegemónicas a partir da crise e
alguns dos seus fundamentos teóricos
Restless futures, counter hegemonic practices
departing from the crisis and some of their
theoretical foundations
João Carlos
Louçã
Instituto de História Contemporânea,
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade NOVA
de Lisboa,
bolseiro
da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Portugal
Resumen
Trinta anos
depois de Margaret Tatcher ter anunciado “there is no such thing as society”, o
mundo em que vivemos parece querer dar-lhe razão. De crise em crise, a economia
liberal parece ter conquistado a hegemonia absoluta. O capitalismo na sua fase
tardia, parece consolidar-se pelos quatro cantos do
mundo. A acumulação de capital conquista incessantemente mercados, a
desigualdade garante muitas das guerras da actualidade que por sua vez fazem
florescer negócios e respectivos negociantes.
Mas a análise
global, pessimista por circunstância, deixa
inevitavelmente de fora muitos dos aspectos que também caracterizam este tempo.
Um olhar possível é o da Antropologia, sobre vários processos, projetos e
experiências que resistem à economia capitalista e que transportam consigo a força emancipadora das utopias
reinventadas com os instrumentos da actualidade. Neste texto, procuro
caracterizar algumas destas experiências, com base etnográfica em trabalho de
campo realizados na cidade do Porto (norte de Portugal) e nos Altos Pirinéus, na comunidade autónoma de Aragão (norte
do Estado Espanhol).
No compromisso
com uma antropologia do futuro a cultura torna-se contraponto da economia e só
ultrapassando concepções dualistas que reduzem a diversidade das actividades
humanas teremos, nestas práticas de rebeldia e da
imaginação, sinais de esperança para os futuros que ainda se podem construir.
Palabras claves
Utopia; futuro; economia
solidária; comunidades; esperança
Abstract
Thirty years after
Margaret Thatcher stated “there is no such thing as
society”, it seems the world in which we live in wants to prove it right. From
crisis to crisis, the liberal economy appears to have conquered absolute
hegemony. In its late phases, capitalism seems to consolidate throughout the fours corners of the globe. Capital accumulation
incessantly conquers markets while inequality guarantees many of the present
wars, which – on their turn – allow the flourishing of business, and its
respective dealers.
But the global analysis,
pessimistic by circumstance, inevitably excludes many
of the aspects which also characterize this time. A possible Anthropology
glance at several processes, projects and experiences which resist to the
capitalist economy and carry with them the emancipating strength of the utopias reinvented with the present instruments. In
this text, I seek to characterize some of these experiences, with ethnographic
base on fieldwork performed in the city of Oporto (north of Portugal) and in
the High Pyrenees, in Aragon autonomous community
(north of the Spanish State).
In the compromise for an
Anthropology of the future, culture becomes counterpoint of the economy and
only by overcoming dualistic conceptions reductive of the diversity of the
human activities will we have – in these rebel and
imaginative practices - signs of hope for the futures that may still be built.
Keywords
Utopia; future; solidary economy; communities; hope
Crise sem fim
Refletir sobre a ideia de
crise, a partir de Portugal, pode ser um eterno regresso a um passado circular. O país vive há décadas em crise
permanente. Ou pelo menos, com a psicologia da crise instalada na superfície da
vida social. Crise económica, crise, demográfica, crise política, crise
ambiental e de valores, a política é a crise e a economia
é a economia da crise. A crise é um dado de partida, mesmo quando cada momento
dos momentos passados é a excepção nas hipóteses de desenvolvimento que não se
souberam aproveitar, janelas de oportunidade perdidas irremediavelmente em
tempo desperdiçado pela incompetência dos gestores da
crise e seus responsáveis políticos, uma espécie de fado que se repete num
esgar irónico da história.
A sair da revolução de 1974,
o país era dos mais pobres na Europa: com maiores índices de analfabetismo, com
populações sem saneamento básico, de elitização
absoluta do ensino, com uma industrialização apenas iniciada e exclusivamente à
volta dos principais centros urbanos, com uma ruralidade que o remetia para
séculos bastante anteriores. A revolução dos cravos significou
democracia e significou também modernidade em todos os seus aspectos. E muitos
deles contraditórios, claro, alguns deles nada inócuos nas crises que vieram a
seguir. Mas na Europa da depressão económica dos anos 70 do século passado, no
auge da guerra fria e quando Reagan e Thatcher
espreitavam já pelo buraco da fechadura do novo ciclo político que aí vinha,
quando a social-democracia se rendia aos tempos de liberalismo selvagem que
estavam para vir, a revolução portuguesa foi uma espécie de janela aberta para a possibilidade de um futuro diferente. No
território continental europeu mais a ocidente jogavam-se as peças de um
tabuleiro da geo-estratégia mundial fora do tempo. O estado que a revolução
construía, a partir de uma relação de forças muitas
vezes difusa e influenciada pelas massas em euforia revolucionaria, era o mesmo
estado que no norte e centro da Europa se desmantelava, peça por peça, função
por função, medida a medida. Foi assim com o serviço nacional de saúde, com o
ensino público, com a segurança social, com o direito
a férias pagas e à protecção no emprego e com tantas medidas que a partir
desses anos de 74/75 se implementaram em Portugal. Era um país a contra-ciclo,
como bem entenderam os dirigentes norte-americanos que souberam garantir a sua influência no processo e determinar algumas
circunstâncias fundamentais.
A seguir a Portugal,
Espanha, aliviada pela morte do ditador, pôde ensaiar um processo a que ainda
hoje se chama de “transição” e que ficou a dever bastante à vigilância e resistência anónima dos seus povos em territórios
plurinacionais. Realizaram-se eleições e a legalização de todos os partidos,
mesmo daqueles que quem estava ao leme do processo entendia perigosos e
subversivos. Também a Grécia, pela mesma altura, se viu livre de uma ditadura de coronéis completando o estertor das ditaduras
na Europa do Sul. Momentos de retrocesso e perigo, de conflito, quantas vezes
no limite da sua generalização, de golpes e contra-golpes, de instabilidade e
fuga, de influencia externa permanente, foram
constantes destes processos que se viram consolidados através da adesão à
Comunidade Económica Europeia, em meados dos anos 80. Consolidados numa espécie
de regimes herdeiros da esperança revolucionaria desses anos e,
simultaneamente, das rupturas que ficaram por fazer.
Herdeiros ainda dos pactos impostos de cima e garantidos pela pertença à Nato,
pelo regresso ou, no caso espanhol, pela manutenção nos cargos, de tantos
torcionários, responsáveis políticos, cúmplices e beneficiários económicos das ditaduras.
Refletindo sobre a crise
mundial que teve início em 2008, Carlo Bordoni confirma que uma das suas
características é a sua duração: “quando termina uma crise, outra que
entretanto se tinha aproximado de nós, passa a ocupar o seu lugar. Ou talvez se trate da mesma imensa crise que se autoalimenta
e se metamorfoseia com o tempo, transformando-se e regenerando-se qual monstro
teratogénico. Devora e muda a sorte de milhões de pessoas, transformando-se na
norma em vez da excepção, até se converter num hábito
quotidiano com que temos de lidar em vez de um pesado incómodo ocasional que
havia que nos livrar o mais cedo possível” [1]
Bauman, que com ele
organizou um conjunto de textos em torno da crise do Estado e da política,
lembra-nos que ideia de final eminente é imortal na história humana, que o Apocalipse foi
anunciado sucessivamente. O desejo de começar de novo, de fazer um reset na
história humana, é tão pueril como recorrente, insiste. Fukuyama, ao anunciar o
fim da história, foi, lembra Bauman, apenas mais um desses adivinhos que
falharam em toda a linha. A crise da modernidade e da posmodernidade, não será
nunca um sinal do fim dos tempos e do fim da
história, esta perdura naquilo que fazemos e em como o fazemos, no que pensamos
e em como pensamos [2]. A democracia em crise reflete a incerteza e a
incompreensão do momento que vivemos: “No interior do mito do progresso em que
estavam, os nossos antepassados olhavam o futuro com
esperança; nós olhamo-lo atemorizados. Se a palavra progresso surge
no nosso pensamento ou em conversa, costuma ser num contexto em que aparece inextrincavelmente ligada à ameaça de ser projetados (ou de cair) de um veículo em andamento que acelera muito depressa e
que não obedece a nenhum horário fixo ou fiável, nem tem nenhum indicador
estável de rota ou destino. De promessa de felicidade a palavra progresso passou
a ser o nome de uma ameaça” [3]
Na crise mundial da segunda década do século XXI, Portugal vivia já em
crise. A pertença à União Europeia garantia o lugar periférico de quem tinha
abdicado de uma parcela substancial de soberania para seguir as políticas de
Bruxelas. País costeiro que destruiu a sua frota de
pesca, de tradições agrícolas em que os anos da adesão europeia foram
essencialmente de subsídio à destruição de culturas através da Política Agrária
Comum, de florestação absurda e de esvaziamento dos territórios do interior, da
deslocalização das indústrias intensivas de mão de
obra barata, para zonas do globo onde a mão de obra é ainda mais barata, de
deficiente estado social erguido no contra-ciclo proporcionado pela revolução
de 1974. País em crise, uma crise que parecia eterna e que se eternizava através dos mecanismos da financeirização da economia
e dos recursos públicos investidos no resgate de instituições financeiras.
Quase sempre, as mesmas que andaram a intoxicar a economia, a vender gato por
lebre, a estimular créditos sem condições de serem
pagos, a jogar a vida de milhões de pessoas na roleta russa da economia de
casino. A crise internacional piorou a situação económica do país mas ao tornar
tão visíveis os seus responsáveis, parecia ter devolvido também alguma reação
social e as respostas que se ensaiaram nesses anos
tiveram os ecos de todas as praças ocupadas. Os 99% da população que era
afectada pela crise e que, ao contrário do 1% que dela beneficiava, foi a
fórmula generalizada de quem reivindicava democracia económica, soberania política, igualdade e justiça.
Foram anos de intensas
mobilizações sociais, quantas vezes minadas pela emigração. O país voltava a
ver as suas fronteiras a serem cruzadas de forma massiva, sem bilhete de
regresso, por gerações que procuraram na imigração forma
de sustento e perspectivas da vida que lhe era negada na terra natal. Ao
contrario dos fluxos migratórios do século passado, os e as emigrantes do
século XXI em Portugal foram essencialmente pessoas com escolaridade, filhas e
netas da revolução de abril de 74, do ensino público
e do esforço de um país para democratizar o ensino (talvez um dos mais
relevantes sucessos da revolução). A emigração desses anos destruiu uma ideia
de futuro, de possibilidade de ultrapassar a crise, levando muitas das pessoas que se envolviam nos movimentos de alternativa e
contestação a abandonarem as suas vidas e também os processos em que
participavam. Nesse tempo, o primeiro ministro chegou a saudar essa decisão,
estimulando os jovens a abandonarem a sua zona de conforto, sem entender nada do profundo trauma do país que dirigia e
que via partir tantos dos seus, remetendo-se para a tristeza incontornável do
fado que a crise voltava a ditar, do abandono e do desespero. A esperança
deixou de fazer sentido ou de ter lugar, a capacidade
de reagir, tantas vezes, sucumbiu ao desespero.
Pensar a utopia, mudar a vida
É neste contexto que um
investigação em antropologia foi decidida e ganhou fôlego tendo como terreno
preferencial a região do Porto, a segunda cidade do país, e onde os níveis de desemprego, desinvestimento público e
depressão económica atingiam recordes, onde a sangria da imigração era o
quotidiano de várias gerações de jovens. 2014 era o terceiro ano da intervenção
externa e de vigência do memorando da Troika [4], o terceiro também de um governo das direitas unidas que
garantia a sua aplicação.
O Porto foi o território
escolhido, para explorar a imaginação social em tempos de crise, a economia das
pessoas que sobrevive à economia das grandes estruturas, a vida social em
contextos de resistência cultural e de carência material, na tentativa de
forjar caminhos emergentes e coletivos, na utopia tornada prática para
responder à situação de crise que se vivia e se vive ainda. Nesse sentido, o
trabalho etnográfico, incompleto ainda, foi o de
identificar as experiências que na cidade contrariavam a própria ideia de crise
na submissão ao individualismo feroz e ao fatalismo da ausência de qualquer
esperança. Movimentos revolucionários com uma agenda de transformação social? Antes pessoas que se encontram e que em conjunto
constroem caminhos, montam projetos capazes de impactos locais e de poderem
contaminar outros, mudando as suas próprias vidas.
Comunidades imaginárias e
comunidades intencionais, são grupos que se cruzam em
permanência, projectos que se alimentam uns aos outros, mesmo quando são
ancorados em histórias e percursos diferentes, gente que se conhece e que
coopera sem outro objetivo que não o de uma vida melhor, fora dos
constrangimentos do Estado, da crise e da economia
formal.
Paula Godinho no seu
trabalho de terreno entre as tradições de luta de trabalhadores rurais do Couço
assinala que no movimento de ocupação de terras e de formação de cooperativas
agrícolas em 1974/5 que deu corpo à Reforma Agrária, a garantia de emprego pesava mais do que o desejo de terra,
individualmente considerado.[5] Nos anos em que durou, a Reforma Agrária garantiu a
estabilidade de trabalho e de salário. Um dos seus entrevistados, Arménio Gil,
reflecte sobre o processo desses anos: “As ocupações
no seu grosso eram uma maneira das pessoas terem trabalho e organizarem-se para
trabalharem a terra, e definirem o seu governo de vida. Uma nova vida, uma vida
diferente, com uma participação activa na produção, como partes mais
interessadas em resolverem os problemas de produção e
do governo de vida”.[6]
Poderemos traçar algum
paralelismo entre as ocupações de terras que deram origem à Reforma Agrária no
sul do país, característica fundamental do processo revolucionário, e o desejo
hoje de terra para actividades que possam garantir o
sustento? Longe de vivermos um processo revolucionário em que as classes
subalternas ganham expressão para alterar os seus quotidianos, com a força
propulsora das necessidades materiais traduzidas na aspiração de estabilidade no emprego, hoje parte significativa das terras
(assim como de espaços urbanos essencialmente resultado de processos de
desindustrialização) estão ao abandono. A sua ocupação poderá ser negociada com
os proprietários ou dar-se o caso do regime de
propriedade encontrar-se disseminado a tal ponto que o interesse económico se
desvanece, num contexto de difícil, por vezes impossível, identificação dos proprietários. O Estado,
garante de uma ordem jurídica que protege a propriedade privada, mesmo quando esta não está a uso, reage às ocupações, quase sempre
usando a força. Mas há qualquer coisa na erosão da sua legitimidade para o
fazer que nos aproxima do Alentejo de 74/75. Há, com evidência, o mesmo desejo
de trabalho, de emprego, de reinventar a vida
a
partir da resolução de situações de
carência económica. No Porto, a ocupação da
Escola da Fontinha, contou com um apoio significativo da
população do bairro e
do conjunto da cidade.[7] Nos Pirinéus, uma parte das ocupações rurais que
desafiaram os regimes de propriedade a partir dos
anos 1980, estão já estabilizadas e com reconhecimento institucional. Outra
parte mantém o desafio ainda vivo, mas apesar das ameaças judiciais, há quase
duas décadas que não há despejos. “A terra a quem a trabalha”, não
será só um eco do passado, mas pode ter traduções
inesperadas que nos remetem para a actualidade e para tantos casos em que a
economia moral, enquanto racionalidade da condição subalterna, ganha força e
expressão legitimadora.
Entretanto o pais mudou de
governo, saiu da vigilância apertada da Troika e dos
procedimentos de castigo pelo déficit considerado extremo, é até olhado
internacionalmente com alguma admiração pelo sucesso do modelo, outra vez num
contra-ciclo, divergente dos comportamentos eleitorais na Europa e para além dela. O turismo explodiu na cidade do
Porto (assim como noutras cidades do país) para o que muito contribuiu o
terrorismo no norte de África e os voos low cost de uma
companhia aérea, a economia apresentou consideráveis melhorias segundo os padrões de desenvolvimento de agências privadas de rating que
também a classificaram (algumas classificam ainda) como “lixo” durante anos a
fio. A crise saiu do léxico imediato, foi recalcada, negada vezes sem conta
pelo otimismo dos dirigentes políticos no poder. O
mercado interno apresentou melhoria significativas, as exportações também, o
desemprego, apesar de largamente camuflado, diminuiu.
Ao contrário da Grécia, que
após ter vivido uma situação de catástrofe social de enormes dimensões, e onde
essa capacidade disseminada e paralela ao Estado,
capaz de o substituir acudindo a situações de enorme emergência se afirmou, o
Porto (e Portugal) não encontraram no intenso laboratório de experiências de
cooperação justificação, mesmo que parcial, para os sucessos aparentes da economia e a melhoria dos níveis de vida. Mas o mesmo
não será dizer que essas experiências não aconteceram ou não acontecem ainda.
Que as respostas à crise incentivaram e viram surgir movimentos cooperativos de
pessoas que construíram relações de confiança entre
si, que montaram esquemas de interajuda, sistemas de apoio mútuo e projetos que
se desenvolveram à margem do Estado. Sem registo na contabilidade oficial do
deve e do haver, dos impostos pagos ou por pagar, das relações constituídas e fundadas nas leis vigentes, trata-se da economia
realmente existente nos quotidianos das pessoas. Circulando de forma paralela,
muitas vezes subterrânea, as relações sociais de proximidade reforçam esta
economia informal, desenvolvem mecanismos de solidariedade
e proporcionam a existência de redes sem controlo do Estado. Permitem, em
muitos casos, combater eficazmente a pobreza extrema, o desânimo e o risco de
exclusão. No Porto, essa dimensão económica consolida aspectos tradicionais de
formas de vida que sobreviveram à urbanização e às deslocações, ganha fôlego nas classes
populares e nova vida em contextos de ameaça económica generalizada. É
provavelmente a apólice de seguro mais eficaz contra novos contextos de crise.
Na crise que permanece à espreita e na crise que
permaneceu suavizada, estas serão as experiências de utilidade e
desenvolvimento da esperança de uma vida melhor. São simultaneamente locais
onde se ensaiam formas de democracia direta e de respostas coletivas não
hierarquizadas. Nada de novo no tempo longo das
comunidades humanas, ou na afirmação do capitalismo a uma escala universal e
das resistências infindáveis que se lhe souberam pôr. Nada de realmente novo
nas dinâmicas da história que construíram sempre caminhos onde só havia carreiros, que socavaram trilhos ignorando as autoestradas e que
fizeram das utopias de um mundo comum uma força permanente para a mudança
social e para as possibilidades de um futuro alternativo ao neoliberalismo e ao
capitalismo tardio em que vivemos.
O terreno de investigação que percorro é feito de orquestras
comunitárias, de experiências de moedas virtuais, de feiras de trocas diretas e
de recolha de produtos alimentares junto de produtores que vendem diretamente
aos consumidores e com eles estabelecem uma relação
de cumplicidade e partilha, de casas comunitárias e abertas à informais, de
hortas em que a propriedade da terra não conta e de restaurantes clandestinos,
de grupos de reflexão e livrarias, de pontos de encontro e de associações de
bairro agora renovadas com práticas e pessoas que
extravasam os limites da localidade. E também de memórias de acontecimentos
passados, momentos fundacionais em que a cidade serviu de terreno fértil a
ideias de igualdade e a práticas transformadoras. Gente comum que se situa no mundo preferencialmente com outros, através de
projetos que consegue sonhar em conjunto e que transformam o presente.
O mundo que Marina Garcês
assume plenamente como projeto ao querer
“recuperar a ideia de um mundo comum. Não é uma forma de escapismo utópico. Pelo contrário. É assumir o compromisso com uma realidade que não pode ser
o projeto particular de ninguém, em
que, quer queiramos ou não, estamos já
sempre implicados”.[8] Adverte para os perigos de práticas de confim:
confinamento, marginalização, neutralização para o que se socorre de Boltanski e Chiapello
no Novo Espirito do Capitalismo e da cidade por projetos que analisam. “Trata-se de produzir interferências no sistema a partir das
suas margens: não só para o combater, mas para abrir as suas paredes de vidro ao
contágio de ideias que não encaixam, com maneiras de fazer que
desfazem inércias e tabús, e com corpos capazes de transmitir o ritmo
difícil de uma vida não submissa”[9].
E nestas vidas não submissas
onde a filósofa catalã deposita a esperança do contágio estará a esperança como
categoria indispensável à antropologia. Nestas vidas está o centro desta
etnografia que se estabeleceu no Porto e que passou ainda brevemente pelos Pirinéus, na comunidade autónoma de Aragão,
exemplo ibérico de desertificação e posterior ocupação de aldeias. Processos
onde se fundaram comunidades em que as utopias movem montanhas numa
literalidade quase absoluta.
Utopia concreta e caminhos
possíveis para a antropologia
É mesmo de esperança que
estamos a falar. Esperança na capacidade de superação do capitalismo e com ele
de muitas situações estruturantes da desigualdade. Esperança que o
neoliberalismo em que vivemos possa ter um fim e dele
nascerem outros mundos possíveis, sem subalternidades coloniais, sem a
irracionalidade da depredação eterna dos recursos, sem a exploração do trabalho
alheio e sem prevalências de género. Um mundo comum para as pessoas comuns,
onde a forma como se produzem bens materiais e se
trocam serviços não constituam uma forma essencial de dominação ou de
acumulação de riquezas. Um sistema onde a propriedade da terra, do ar, da água
ou da energia, não seja benefício de uns poucos mas da sociedade no seu todo.
Ideias utópicas que persistem através da história das
comunidades humanas e que constroem mundos alternativos que vivem paralelos à
hegemonia dos capitais, que dispensam as regras de dominação ou a hierarquia
dos poderosos. Essa utopia, que teve tantos nomes e formas,
que fez e faz sonhar tanta gente, é então um fio condutor para este texto,
resultado de uma investigação em antropologia que poderia ser sintonizada entre
a esperança e a capacidade de sonhar o que está para vir.
No seu livro recente, Paula
Godinho oferece outra interpretação para as
populações que preferiam viver nos intervalos do sistema e que se mantiveram à
margem dos estados, assegurando uma ordem comunitária, em muitos aspectos
horizontal e igualitária.[10] Trata-se de três aldeias, com uma denominação genérica de “Couto Misto”, entre o norte de Portugal e
a Galiza que até 1864, foram uma espécie de república independente. O fenómeno
que Godinho chamou “escapismo” ajuda-nos
a compreender a dificuldade nas aproximações que analisam os fenómenos sociais a partir do pressuposto que a afirmação identitária
(nacional ou outra) são pontos de partida universais das comunidades humanas.
Justamente, o exemplo do Couto Misto, remete-nos para uma cultura de fronteira,
onde o objetivo é precisamente o oposto: na penumbra
da identidade, na confusão das linhas divisórias imaginárias e definidas
burocraticamente por poderes políticos centrais, as vidas vividas nessa
ambiguidade e que dela se servem no seu quotidiano, oferecem maior resistência
e capacidade de adaptação a realidades mutantes.
Garantem, atém disso, uma maior autonomia em contextos frequentemente
coercivos, nos impostos devidos, etc. No repertório de luta dos subalternos,
esse “escapismo" manteve a independência do território de três aldeias, e
com ela a autoridade sobre a gestão do espaço,
resistindo à dominação externa até bastante tarde. Dialogando com a ideia de
“zona de refúgio”, desenvolvida por James C. Scott[11], Paula Godinho interroga-se sobre se a emblematização
recente do Couto Misto e se o retomar de alguns dos
seus aspectos rituais “constituirá um
mecanismo de recurso acrescido em tempos de crise, ou se as políticas de
identidade subsumirão os formatos de comunidade” [12]. Um paradoxo aparente que só o futuro poderá revelar.
Nessa etnografia que procura os futuros possíveis que, com dificuldade se podem
antever nas práticas e nas realidades do presente, a antropologia tem como
função primeira procurar os sinais desses tempos que hão-de vir, da esperança
tornada forma de actuação e condutora de projetos,
dos homens e mulheres que bem podem ser pioneiros de mundos em construção ou
simplesmente, gente que resiste e que com a sua resistência abre caminhos para
“terras de leite e de mel” ou talvez só, para uma vida digna. Como sempre, a
antropologia tem de olhar e escutar, de sentir e
pressentir, de procurar onde parece não haver nada, e mesmo assim procurar
sempre, onde houver pessoas, onde estas se relacionarem e sempre que nessas
relações se criarem laços, culturas que se cruzam e que determinam tudo aquilo que se faz. Como sugere David Graeber no seu
texto/manifesto[13], os
povos indígenas somos muito mais nós (gente da antropologia) do que Colombo ou
Vasco da Gama alguma vez foram. A identificação do antropólogo com o objeto de
estudo não é matéria nova nem tão pouco a sua análise
detalhada o objetivo deste texto. Os caminhos da antropologia, cruzam-se sempre
com a história, a filosofia, com a geografia, com as artes e com a política,
com a economia ou com outras ciências para as quais os seres humanos não serão estranhos e menos a curiosidade sobre as suas
vidas e realizações. As escolhas que fazemos nos terrenos que elegemos não
serão só fruto de acasos ou determinadas pelos temas que temos mais à mão. Elas
resultam de compromissos com o presente e também
daquilo que entendemos fundamental para os futuros que pretendemos influenciar.
Como todas as outras ciências sociais, a antropologia não se pode refugiar numa
falsa neutralidade face ao mundo em que vivemos e às possibilidades que ele
oferece. Nem tão pouco é um arquivo para o registo
das comunidades do passado, para culturas que se tornam rarefeitas na
modernidade globalizada. Ela é um instrumento de comunicação com o mundo e com
realidades nem sempre visíveis, ela pode servir para iluminar experiências alimentadas pela utopia que muitas vezes se encontram ao
nosso lado, discretas e subtis. Na cidade ou fora dela, o apelo às práticas que
devolvam a esperança num futuro melhor faz-se sentir e dá sentido à
antropologia nesta investigação. Dá-lhe objeto e
contexto, fundamento e caminhos para seguir.
Utopia concreta, ou utopias
tornadas concretas, são forma de dizer que a esperança é possível e que no
presente de tanta gente estarão os sinais do que há-de vir, que a cooperação
nunca foi suplantada, afinal, pela competição, que a
vida social é muito ampla e tem muito mais a ensinar do que números numa
análise económica que ignore contextos históricos, culturais ou sociais.[14] Que a cultura pode bem ser um contraponto da economia, o
interlocutor confessadamente silencioso de Appadurai
quando escreveu sobre o futuro ser um facto cultural no mesmo texto que se
insurge com um excesso de dualismo de que a antropologia seria vítima e que
confunde e dificulta a análise das mercadorias nos seus aspectos transculturais
[15]. Na “robusta antropologia de futuro” que
Appadurai procura constituir está a utilidade do presente histórico para
o equilíbrio entre utopia e desespero[16]. Na etnografia que lhe serve para esta reflexão, os
ativistas pelo direito à habitação em Mumbai são uma
componente incontornável pela utilização e recurso ao sonho, à ideia utópica
que força os limites do possível e que transforma quem está à margem do sistema
em protagonista da sua própria vida e do seu destino. Contrariando a
globalização enquanto processo de liberalização
económico que ultrapassou todas as fronteiras culturais ou de Estados, os
ativistas de Mumbai ou os circuitos de trocas de bens e serviços que acompanhei
no Porto, são exemplos de movimentos sociais que emergem dos buracos negros dessa globalização e talvez por causa deles. A exclusão
social, a pobreza e a degradação ambiental não são dados adquiridos e muito
menos aceites passivamente de forma generalizada.
Trabalhando sobre os
processos económicos a partir de baixo e sobre o conceito
antropológico de reciprocidade implicado na sobrevivência de quem tem poucos
recursos, Susana Narotzky mobiliza as noções de economia moral presentes em Polany, Thompson e Scott, a par com a
economia política marxista, no entendimento da evolução do capitalismo nas últimas décadas. Dando corpo ao projeto de
trazer à luz o que fazem as pessoas para sobreviver nas suas realidades
quotidianas, reagindo assim a alguma abstracção destes conceitos, coordena
esforços no sentido de identificar aquilo que se chama
hoje “Terceiro Sector” da economia. Também designado por “economia social”
ou “economia sustentável”, este campo de
estudos implica “a proposta de se centrar no acesso aos meios de vida das
pessoas e explorar a interacção entre desenvolvimento económico, justiça social e mudança ecológica na relação com as
práticas de obter sustento e bem estar”[17]. Economia(s), justiça social e equilíbrio ambiental é a
proposta da antropóloga da Universidade de Barcelona na etnografia urgente que
desenvolve e que, nesta investigação, constitui um
quadro de referência incontornável.
Com uma persistência
surpreendente a utopia, ou pelo menos a noção de que a pluralidade de questões
que o seu conceito evoca, surge em manifestações artísticas ou incontornável no
campo da ciências sociais e da antropologia em
particular[18]. Zygmunt Bauman, em texto postumamente editado, atribui ao
século XX uma “epidemia de exaltação do progresso”[19] e ao século XXI uma epidemia global de nostalgia” naquilo
que caracterizou de “retrotopia”[20]. “Da dupla negação da utopia de
corte moroniano, quer dizer, da sua recusa, primeiro, seguido de uma
ressurreição - surgem actualmente retrotopias, que são mundos ideais ancorados num passado
perdido/roubado/ abandonado que, ainda assim, resistiu a morrer, e não nesse futuro por nascer (e por isso, inexistente) a que
estava ligada a utopia dois graus de negação antes”[21]. Neste seu texto de final de vida, Bauman exorta-nos a
“olhar em frente, para variar,”[22] inspirado
na concepção marxista de que somos nós
(pessoas em geral) quem faz a história, mesmo
quando não determinamos as condições em que a fazemos. Alerta-nos para os
perigos do divórcio entre o poder e a política[23] e para o desafio indispensável de “uma cultura de diálogo
capaz de sanar as feridas do nosso mundo
multicultural, multicêntrico e multiconflitivo”.[24] Com algum humor, o sociólogo da sociedade líquida, cita o Papa Francisco reforçando o seu argumento sobre a
atitude que é hoje fundamental: “Isto requer a busca de novos modelos
económicos mais inclusivos e equitativos, orientados
não para uns poucos, mas para o benefício da pessoas e da sociedade. (…) Temos
que passar de uma economia líquida (…) a uma economia social”.[25] Palavras utópicas, dirão os menos crentes, mas que
encerram um programa de urgência para este mundo de
coisas terrenas, uma força motriz que faz radicar a esperança num futuro
possível, ainda que improvável.
Um “oceano de
possibilidades”
Filósofo
incontornável da esperança, Ernst Bloch, considerava a utopia uma ferramenta
para a crítica do real existente, o contrário de
segurança ou confiança. O desconhecido, mesmo que desejado, comporta assim, em
permanência, a categoria do perigo. Em diálogo com Adorno afirma: “O oceano das possibilidades é maior
que o país do real a que estamos habituados”[26].
A referência parece
encontrar-se com a “política de possibilidades” identificada por Appadurai a
propósito dos ativistas pela habitação de Mumbai. Concreta, a utopia para Bloch
é um princípio de luta, um caminho para a crítica e para a transformação social.
Na sua obra consagrada a dar uma dimensão filosófica à esperança, Bloch[27]
concebe uma função utópica, no “ainda-não”, incluído na
realidade existente e que permite antever as possibilidades de um futuro
melhor. A praxis da utopia concreta anunciada
ao longo dos capítulos da sua obra - uma enciclopédia de esperanças –
ganha sentido em Marx e na transformação socialista do mundo.
Ao contrário do pensamento
utópico do século
XIX, onde a natureza era domesticada em nome de uma perfeição de mecânica
social, as utopias que determinam hoje movimentos sociais e indivíduos, parecem
ter outros pontos de partida. Entre eles, o regresso à natureza (ou a uma ideia mistificada de Natureza), o comunitarismo e o equilíbrio com o meio
ambiente, a reocupação do território, são elementos bastante distantes desse pensamento utópico original. Mas, seguindo Bloch, possuem a mesma
capacidade de fazer viver o futuro no presente. Utopias reais presentes nos sinais de
superação do capitalismo através de práticas económicas e políticas baseadas na cooperação e solidariedade[28]. Ou aquilo que Miguel Cardina, opta por chamar “brechas de otimismo”, referindo-se à obra heterodoxa de Bloch[29]. Seguindo Michael Löwy[30], segundo o qual o romantismo mais do que uma corrente
cultural do século XIX foi uma efetiva visão do mundo, Cardina situa
Bloch no contexto de um romantismo revolucionário, crítico da civilização industrial onde se encontrava com
autores com Walter Benjamin, Lukacs, Kafka ou
Laudaner. Todos à procura
de uma espécie de
“reencantamento do mundo” contra o “desencantamento do mundo" apontado por Weber.
A filosofia de Bloch, lembra
ainda Cardina, assenta na ideia da esperança, deixada antever por experiências
de futuro. A ideia de superação do capitalismo, hoje terá certamente raízes neste romantismo que gritava contra a desumanização
industrial e a alienação através do
trabalho. Nesse fio condutor através do
tempo que são as utopias, estão os momentos que já
passaram, os acontecimentos e todas as experiências da actualidade. Estará também a possibilidade de futuro na reinvenção de formas de vida
que sugerem que outra organização social pode ser possível. Mesmo que só se deixe antever brevemente, essa
possibilidade, surge incontornável nos desejos, nas representações e nas
práticas humanas.
Em "Morning Star"
Löwy cruza a ideia de utopia com surrealismo, marxismo,
anarquismo e situacionismo. Nesta obra,
organizada em torno de textos breves sobre os protagonistas
individuais e coletivos destes movimentos que marcaram a história do pensamento do século XX, o autor resgata a atualidade do Surrealismo como
corrente política e cultural, em sintonia e articulação com o desejo de mudar o
mundo, a radicalidade revolucionária que não se rende ao presente e que soube romper com o
estalinismo mantendo a esperança nos ideais originais da revolução de outubro
na Rússia. Adverte Löwy
sobre os "excessos utópicos",
numa referência clara ao pensamento de Bloch,
que estão presentes no pensamento e práticas do Surrealismo. Mas esta crítica,
vinda de dentro (o autor coloca-se dentro deste movimento e na defesa
intransigente da sua existência
atual), pode constituir-se como contributo original e necessário para um entendimento histórico e para uma função a decorrer ainda, mais necessária que nunca, “do abismo dos sonhos e do encantamento”[31]. Nas experiências
de futuro que aqui se procuram, em primeiro plano encontra-se a contradição
entre a ideia de sustentabilidade da ação humana e de
equilíbrio ambiental (essencial para a sobrevivência coletiva) e a cultura do neoliberalismo em que as
pessoas já não são produtoras de uma comunidade específica mas consumidoras
no mercado planetário. O consumo é construção ideológica
e marca identitária do
segundo fôlego do capitalismo nas sociedades pós industriais[32]. A deslocalização da produção para lugares de mão-de-obra
mais barata acentua a ilusão de um sistema que não dispensa produção e produtores mas que fragmenta classes e a sua consciência. A modernidade no capitalismo global transforma o
exercício da cidadania em resistência
enquanto naturaliza as guerras e atira para o exílio uma parte substancial da
humanidade[33]. No exercício de diferentes formas de cidadania reside a
esperança de modelos de organização social alternativos aos do neoliberalismo. Essas experiências que anunciam as possibilidades em aberto e com elas o
caminho de saída para todas as crises, cruzam-se em realizações coletivas,
momentos-chave de movimentos sociais nos palcos da
contestação política e
transbordam para as opções de indivíduos
sobre a sua vida, os seus caminhos profissionais, as estruturas familiares e
todas as relações que estabelecem.
Lembra ainda Löwy a propósito do
que designou como “o negro romantismo” de Guy Debord, que este nunca escondeu o seu fascínio
pelas formas pré-capitalistas de comunitarismo. Nem Marx e Engels, que
foram influenciados pelos trabalhos do antropólogo americano Lewis Henry Morgan. Este fascínio por
anteriores formas de organização social, que prefere
resistir ao iluminismo do progresso ditado pelas classes dominantes e por elas
utilizado para justificar a construção do mundo e das relações sociais, parece
encontrar-se com a descrição das “utopias de pesadelo” que no início do século XX consolidaram obras fundamentais de previsões de
futuro. Norbert Elias desenvolve esta ideia em torno da obras literárias de H.
G. Wells e de Aldous Huxley [34]. Segundo Elias estes autores apontam para um
desenvolvimento negativo das sociedades ao ilustrarem
o desenvolvimento tecnológico e o conhecimento científico, como fenómenos fora do controlo social e muito além do desenvolvimento das ciências sociais, única hipótese para um futuro de paz (hoje dir-se-ia “sustentável”).
Estas utopias carregadas de negatividade, visões pessimistas de um futuro que se confirmou na barbárie da
Primeira Guerra Mundial, da Segunda e ainda na Guerra Fria, transportam consigo
a possibilidade extrema do desaire absoluto, da loucura e do extermínio
nuclear, da manipulação genética e da hibridização das espécies (da humana em particular) ao serviço do capitalismo
que se torna assim autofágico e que corre para o abismo da sua destruição.[35] Mas o mais provável é que dessa destruição dificilmente nasça uma nova ordem social. O caos
nuclear e a degradação da biodiversidade aproximam-se bem mais de um ponto
final da ocupação humana do planeta (e da viabilidade de qualquer forma de
vida) do que da oportunidade para dos seus escombros surgirem sociedades mais
justas. Nesta análise sociológica das utopias, Elias conclui com a afirmação de que o
valor prático das previsões destas utopias de pesadelo, sendo um prova de que a
capacidade humana se pode estabelecer através das suas utopias literárias ou científicas, depende muito mais das instituições estabelecidas do que da coragem e
engenho dos indivíduos. E estas são geralmente cegas e imbuídas de um
conservadorismo que as impede de aceitar os conhecimentos que ameaçam o seu
poder.
Analisando a obra de Thomas
More no seu contexto histórico, Norbert Elias sugere que vivemos um tempo em que a
ideia do Estado (fundamental para entender a obra de More) é substituída pela ideia de Humanidade. Para Elias a hipótese utópica
que pode contrariar as utopias negativas do século XX, consubstanciadas pelas
tentações hegemónicas
das grandes potências, é um
governo mundial eleito pelos Estados com arbitragem da opinião pública internacional. Nesta reflexão, o sociólogo octogenário parece mais influenciado pelo pavor das utopias
negativas, de controlo e normalização dos indivíduos
do que por aquelas que sugerem a emancipação e a auto-organização fora dos
modelos capitalistas. A regulação da ordem mundial que propõe não difere
substancialmente das formas de predomínio político que se tornaram, nas
últimas décadas, sustentáculos da continuidade e dominação da
burguesia sobre as classes trabalhadoras. Claro que em meados dos anos 80,
altura em que Elias proferiu estas palavras, a ideia de globalização era uma
novidade e a erosão das funções sociais do Estado (na
Europa) era um projeto que dava os primeiros passos, a Guerra Fria e o
equilíbrio do terror ainda eram visíveis, a transnacionalidade do capital e a
sua influência nas políticas dos Estados não era ainda fenómeno de tão evidente dimensão como é hoje. 30 anos depois parece fácil afirmar que a sua hipótese falhou como dimensão utópica que imagina formas de governo que conduzam as
sociedades para tempos de paz e prosperidade. E, paradoxalmente, parece que
Elias acertou nos caminhos da mundialização da
política e da transferência da
capacidade de decisão para lugares e estruturas de poder globais.
Para Gramsci, “utopia” tinha
definitivamente um significado negativo. A geração de comunistas a que
pertenceu formou-se na disputa dura com os fascismo europeus e na depuração dos
socialismo utópicos que a revolução russa de 1917 contribuiu para afastar da tradição marxista. Nos Cadernos do Cárcere, não deixa margem para duvidar desse entendimento: “Rússia
em guerra era realmente o país da Utopia (…) A guerra era a utopia e a Rússia
czarista e patriarcal desintegrou-se ao ficar submetida à altíssima tensão dos esforços que se havia proposto e que o inimigo eficaz
lhe havia imposto”[36]. Confrontando a ideia de liberdade com a de utopia, afirma
que esta é uma aspiração primordial e por isso não pode ser utópica, que “o
socialismo não se instaura numa data fixa, uma vez
que é uma mudança continua, um desenvolvimento infinito em regime de liberdade organizada e
controlada pela maioria dos cidadãos, ou seja, pelo proletariado”[37]. Gramsci faz corresponder utopia à recusa em entender a
história como resultado de processos em aberto e por
isso contrária à sua predeterminação. Para o dirigente comunista e autor do
termo filosofia da praxis com que camuflou (ou caracterizou) o seu pensamento,
utópica era a atitude dos reformistas e das ciências sociais embrenhadas no
positivismo -“esses são os que hipotecam o futuro e
pensam encarcerá-lo nos seus esquemas preestabelecidos, os que não são capazes
de conceber a divina liberdade e gemem continuamente face ao passado porque os
acontecimentos desenrolaram-se mal”[38]. Num outro momentos dos seus Cadernos,
Gramsci refere-se às construções sociais utópicas como um projeto falhado uma
vez que “estas construções não tinham base porque eram demasiado analíticas e
se fundavam numa série de factos em vez de num só princípio moral”[39]. Esta acepção da utopia reage à
concepção de que os avanços tecnológicos seriam a causa suficiente para impor
uma nova ordem e superar o capitalismo. Gramsci, pelo contrário, reafirma que o
projeto socialista se afasta deste pensamento utópico e que só a luta de classes e a conquista do poder de Estado lhe poderá
garantir sucesso e continuidade. O Estado é ele próprio mais uma aspiração que
uma realidade política. Gramsci chega mesmo a dizer que o Estado concebido pelo programa liberal, acima das
classes e das suas dinâmicas de conflito, só existe
como modelo utópico e que é essa natureza que lhe dá força e que o transforma
numa instância conservadora.[40] Ironicamente a concepção de socialismo que o
revolucionário italiano explorou nos seus escritos e na sua prática intelectual é hoje mais facilmente encarada como utopia
do que como ciência política. A dicotomia entre socialismo utópico e socialismo
científico nunca terá feito muito
sentido.[41]
Pensar o impossível, expandir as
experiências do presente
A crise do trabalho, a crise do modelo social do Estado, a crise económica e mesmo a alegada crise das ideologias, terão pelo
menos um terminal nervoso na ideia de que os recursos naturais são finitos e de
que o crescimento constante não pode mais ser regra única para o desenvolvimento. Edgar Morin no princípio da década de 70 do século passado, advertia que o crescimento industrial
desencadeia forças criadoras e destruidoras em simultâneo[42]. Hoje, os seres humanos estão no centro desta desordem, e
já não
se trata só de preservar recursos
naturais, mas de encontrar uma alternativa viável aos caos ambiental e social
do capitalismo.
Na sua obra que reflete
sobre as condições da instauração do capitalismo na Europa, Karl Polany lembra
que o trabalho não é mais do que o outro nome da
atividade económica
que acompanha a vida e que não pode dela ser separado; que a terra não é mais do que o outro nome da natureza; que a moeda é uma criação da banca e da finança dos Estados. Todos os
três elementos, enquanto mercadorias, são construções
inteiramente fictícias[43]. Se assim for, o trabalho, a propriedade da terra e a
moeda podem ser reinventados a partir da experiência social, uma vez que não são dados absolutos e determinantes da espécie humana, mas o resultado de processos históricos determinados, de uma
evolução que não
deixou de ir transformando estas realidades, às vezes com brusquidão, outras de forma paulatina.
Se o capitalismo - primeiro
comercial, depois industrial e agora financeiro - não aconteceu sem enormes
convulsões sociais e sem bolsas de resistência que, por vezes, se prolongaram durante a instauração
generalizada destas modernas formas de produção, acumulação e de dominação,
agora também a sua hegemonia pode ser desafiada por experiências locais e pela sua capacidade
de se constituírem em exemplos globais.[44] Com otimismo, podemos vislumbrar na imaginação dos povos e
das classes subordinadas, a capacidade para encontrar formas de sobreviver à margem das lógicas de mercado, a força capaz de renovar a política do
possível. A antropologia desde sempre nos encorajou a
pensar alternativas e olhar a realidade social capaz de antever hipóteses de futuro, nos discursos e nas práticas sociais
concretas, na cultura enquanto dinâmica de afirmação identitária e de interface para todas as
mudanças e projetos transformadores.
Imaginar “um mundo onde o impossível é não só pensável, como
possível, é consequência do pensamento mítico e componente indissociável do ser
humano. O imaginário dos mitos transforma-se em relações sociais reais entre homens e mulheres, iniciados e não-iniciados”. Quem
assim fala é Maurice Godelier,[45] em obra recente e desta maneira toca o nervo central desta
questão. A imaginação, a capacidade de sonhar melhorar a própria condição, a
esperança que vira de cabeça para baixo as
expectativas, por cumprir, de uma sociedade estática, podem ser consideradas
então “componentes indissociáveis” dos seres humanos, características
constantes e que se podem traduzir em poderosas pulsões de mudança.
“A parte da vida onde o mercado não chega”
Boaventura Sousa Santos, em
texto que reflete as condições da globalização, afirma a necessidade de um novo
paradigma nas ciências sociais com uma racionalidade que combata aquilo que
designa "desperdício da ciência
social".[46].
Para isso, propõe uma ampliação do presente para a qual se socorre ainda de Bloch.
Sousa Santos estabelece a barbárie como continuidade provável da globalização
capitalista atual. Afirma que nas possibilidades do possível, mesmo que
incerto, é que reside a totalidade
inesgotável do mundo, que na ampliação do presente está o horizonte das
possibilidades, que as utopias concretas são a forma de contrariar a caminhada
inexorável para a autodestruição.
Noutro texto, o mesmo autor,
desenha a possibilidade de uma forma de globalização
contra-hegemónica e
capaz de se constituir como alternativa. Segundo esta perspetiva, é através de um
localismo cosmopolita que esta forma de globalização contra-hegemónica se pode concretizar e se constituir em alternativa aos
tempos presentes:
“A resistência
mais eficaz contra a globalização reside na promoção das economias locais e
comunitárias, economias de pequena escala, diversificadas, auto-sustentáveis,
ligadas a forças exteriores, mas não dependentes delas”[47].
Partindo da história mundial desde o final da II Guerra, Nuñez Seixas
afirma que as utopias que ficaram por cumprir, são a ideia de uma União
Europeia, da convivência
multicultural generalizada entre estados ou do bem-estar mediante a unidade
supranacional. Para este autor a ideia de mercado
livre e autoregulador consubstancia uma utopia equivalente à utopia da
igualdade de oportunidades e decrescer pode ser um caminho para o futuro. Na
capa da edição espanhola do seu livro, a fotografia de um soldado português no primeiro de maio de 1974 em
Lisboa: jovem fardado em uniforme de combate, semblante carregado, arma a
tiracolo a descansar, as mãos ocupadas com um cravo vermelho no que é o único
tom de cor da fotografia a preto e branco. Como quem deixa entender aos seus
leitores que a revolução portuguesa de 1974/75 nas
suas consequências e impactos na Europa e sobretudo nos territórios coloniais
que lutavam pela independência, foi um exemplo raro, talvez único no seu tempo,
de uma utopia pendente que teve a capacidade de entreabrir
a porta às possibilidades de um futuro diferente.[48]
Será a hipótese de futuro uma espécie de fragmentação globalizada por oposição à globalização do capitalismo? Serão estas tentativas de o
superar, em que se inventam modelos e ensaiam formas de vida capazes de
responderem a outros anseios que não o de acumulação de capital? Serão capazes
de abrir espaço para caminhos de alternativa à política neoliberal? Terão força suficiente para superarem a dispersão e se
afirmarem como protagonistas sociais que mais do que disputar instâncias de
poder, saibam estabelecer espaços onde novos (ou outros que retomem hábitos
comunitários do passado) poderes se afirmem?
David, homem experiente em
ocupações, em movimento sociais e em procurar oportunidades de ruptura,
sintetiza assim o programa político para estes tempos: “Tens é que ocupar a parte da vida onde o mercado não chega, tens é que ocupar essa parte que está
livre e construir a partir daí.”[49] No Porto, como nos Pirinéus do Alto Aragão, o que se torna
evidente é que essa “parte da vida onde o mercado não chega”, cresce diretamente
relacionada com os efeitos da crise e a ausência do Estado face às necessidades ditadas pelo desemprego ou por uma situação de
carência económica.
Experiências
concretas, naturalmente condicionadas ao seu espaço e ao tempo em que se
desenvolvem, encontram-se ancoradas em redes de acontecimentos que condensam a
esperança coletiva e que são portadoras de revoltas,
propostas de mudança, com capacidade de indicar caminhos fora da lógica neoliberal.
Referencias
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Versión Final: 27/12/2017
[1] Bordoni, in Estado
de crisis, Carlos Bordoni y Zygmunt Bauman.
Barcelona, Paidós, 2016, p. 17, minha tradução.
[2] Bauman,
in Estado de crisis, Op. Cit., minha tradução
[3] Ídem, p. 150-151, minha tradução.
[4] A Troika era a associação das
entidades credoras de Portugal e que em 2011 estabeleceram o Memorando de Entendimento que visava
capitalizar o país perante os valores elevados de dívida externa. São elas a
Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
[5] Godinho, Paula. O
Futuro é para Sempre. Experiência, Expectativa e Práticas Possíveis. Lisboa, Letra Livre, 2017. p. 309
[6] Ídem, p. 310
[7] A ocupação da Escola da Fontinha foi um processo que
começou em maio de 2011 e durou até abril de 2012
altura em que as autoridades municipais usaram da força para garantir o seu
desalojamento. O ano que durou esta experiência foi decisivo para muitos dos
activistas que hoje no Porto circulam por redes de economia solidária e dão
corpo a projectos que reinventam a economia a partir
das realidades do quotidiano.
[8] Garcés, Marina. Un mundo común. Barcelona. Editions Bellaterra,
2013, p. 14., minha tradução
[9] Ídem. p. 97.
[10] Godinho, Paula. O
Futuro é para Sempre… Op. Cit.
[11] Scott, James C., The
Art of Not Being Governed, New Haven/London, Yale University Press, 2009
[12] Godinho Paula. O
Futuro é para sempre… Op.
Cit., p. 127
[13] Graeber, David. Fragmentos
de Antropologia Anarquista. Barcelona. Vírus editorial. 2014
[14] “Segundo a ONU, em metade dos lares finlandeses ou num terço dos japoneses, um dos seus membros
participa em cooperativas. 45% do PIB do Quénia ou 22% do da Nova Zelândia pode
ser atribuído à produção cooperativa. De
cooperativas depende 80% do leite da Noruega e 71% da pesca coreana, 55% do mercado retalhista em Singapura, 40% da agricultura,
brasileira, 24% do sector da saúde na Colômbia,”. Citação de César Rendueles em
Sociofobia, el câmbio político en la era
de la utopia digital, Madrid. Capitán Swing,
2013, p.30, minha tradução.
[15] Appadurai, Arjun. El Futuro como Hecho Cultural – Ensayos
sobre la condición global. Buenos Aires. Fundo de Cultura Económica de
Argentina, 2015. p. 16, 34
[16] Ídem. p. 14
[17] Susana Narottzky, “Economias cotidianas, economias
sociales, economias sostenibles” in Susana Narotky (ed.) Economias cotidianas, economias sociales,
economias sostenibles, Barcelona,
Icaria, 2013, p. 20
[18]Em 2016, a Associação Portuguesa de Antropologia escolheu como mote do seu VII Congresso “Futuros
Disputados”. O XVI Congresso da Federação das Associações de Antropologia do
Estado Espanhol, realizado em Valência em 2017, escolheu a frase “Antroplogias
en Transformación. Compromisos, Sentidos y Utopias”.
O ciclo de programação de 2016/2017 do Teatro Municipal Maria Matos em Lisboa
foi dedicado às utopias e tinha como título genérico “Utopias” e a programação
de cada trimestre estava organizada através de “arquipélagos”: o “Arquipélago
da Resiliência” o das “Diversidades”, o “Comúm”, o
dos “Afetos”, o “Capital” e o “Arquipélago Verde”. São apenas alguns exemplos
entre tantos, de que as utopias e a ideia de futuro se tornaram presentes no
espaço do debate público. Talvez pela perceção da sua capacidade para sintetizar algumas das questões mais candentes da
actualidade.
[19] Bauman, Zygmunt. Retrotopia. Barcelona. Paidós. 2017. p. 13
[20] Ibídem
[21] Ídem. p. 14. Tradução minha.
[22] Ídem. p. 149
[23] Ibidem
[24] Ídem. P. 160
[25] Ídem. P. 161
[26] Bloch, Ernst. Du rêve à l'utopie – entretiens
filosophiques. Paris. Hermann. 2016, p. 33. Tradução
minha.
[27] Bloch, Ernst. Le Príncipe Espérance. Tomo I, II e III. Paris, Éditions Gallimard,
1982
[28] Wrigth, Erik Olin. Envisioning Real Utopias. London and New York, Verso, 2010
[29] Cardina, Miguel. A
Filosofia da esperança de Ernst Bloch in “Pensamento Crítico Contemporâneo”, UNIPOP (org.), Lisboa. Edições 70, 2014
[30] Lowy, Michael, Morning Star. Univerity of Texas Press, 2009
[31] Ídem. p. 27
[32] Bauman, Zygmund. Liquid Times. Living in an Age of
Uncertainty.
Cambridge, Potily Press, 2007; Comaroff, J. e John L. Comaroff, “Millennial Capitalism and the Culture of
Neoliberalism” in The
Anthopology of Development, Org. Marc Edelman e
Angelique Hangerud, Oxford, Blackwell
Publishing, 2005
[33] Comaroff e Comaroff,
Millennial
Capitalism. Op. Cit.
[34] Elias, Norbert. L’utopie. Paris. La Découverte, 2014
[35] Michael Hardt considera igualmente que o capitalismo
contêm em si o germe da sua destruição através do papel crescente da
cooperação e do comum que nesse
processo “fornece as ferramentas para a destruição do capitalismo e
para as bases de uma sociedade e para um modo de produção alternativos, um
comunismo do comum”. Hardt,
Michael. “o comum no comunismo” in Imprópria nº 1, 2012, UNIPOP/Tinta da China, p. 17
[36] Gramsci, Antonio. Escritos.
Antologia. Ed. César Rendueles. Madrid. Alianza
Editorial. 2017. p. 77, minha tradução
[37] Ídem. p. 83, minha tradução
[38] Ídem. p. 79, minha tradução
[39] Ídem, p. 46,47, minha tradução
[40] Ídem. p. 48
[41] Na sua obra dedicada às Utopias, onde crítica
explicitamente a dicotomia entre “socialismo utópico” e “socialismo
científico”, Lewis Mumford defende a ideia de que Marx desdenhava do pensamento
utópico mas que os
seus continuadores sempre o fizeram emergir pela porta dos fundos. Nesta critica, o
pensamento marxista limita-se a uma
visão económica e política
do mundo deixando a sua vastidão em outros campos ignorada. Munford, Lewis. História das Utopias, Antígona, Lisboa, 2007 (1922)
[42] Morin, Edgar, Gianluca
Bocchi, Mauro Ceruti. Os problemas do fim de século. Lisboa, Editorial Notícias, 1991
[43] Polany, Karl. La grand transformation: aux origines politiques et
économiques de notre temps, Paris, Gallimard,
1983,
p. 122,123
[44] Alguns autores consideram mesmo que o desenvolvimento do
capitalismo através da ideia de mercado livre é uma utopia que não vingou. Um
desses autores é César Rendueles: “A utopia do mercado livre fracassou. Este
desastre deu lugar a sucessivas crises especulativas
cada vez mais destrutivas. É um resultado tediosamente previsível quando a
busca do benefício privado se antepõe a qualquer limite político. Um sistema
económico baseado num arrogante desprezo pelas condições materiais e sociais da subsistência humana está condenado a cair num processo
autodestrutivo cuja única finalidade é tratar infrutuosamente, de reproduzir-se
(Rendueles, Sociofobia… op. cit., p. 28 minha tradução).
[45]Godelier, Maurice. L'imaginé, l'imaginaire
& le
symbolique. Paris. CNRS Editions, 2015, minha tradução
[46] Santos, Boaventura de Sousa. “Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências”. In Conhecimento Prudente para uma Vida
Decente. Boaventura de Sousa Santos (Org.),
Porto, Afrontamento, 2003, p. 737
[47] Santos, Boaventura de Sousa. “Os processos da
Globalização” in Globalização: fatalidade ou Utopia? Boaventura de Sousa Santos (Org.), Afrontamento, Porto, 2001, p. 77)
[48] Seixas, Xosé M. Nuñez. Las Utopías Pendientes – Una breve
história del mundo desde 1945, Barcelona. Crítica. 2015. Fotografia de capa da autoria de
Herve Gloaguen - Getty Images
[49] Entrevista gravada no Porto a 1 dezembro 2016