“Através de Becas Salvar Vidas”: A Obra
Ecumênica de Estudos (ÖSW-Bochum-Alemanha)
“A través de Becas Salvar Vidas”: el Centro de Estudios Ecuménicos
(ÖSW-Bochum-Alemania)
“Through Becas Saves Lives”: The
Ecumenical Study Work (ÖSW-Bochum-Germany)
Maria Cláudia Badan Ribeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas;
Universidade Estadual de
Campinas (Brasil) mariaclaudia.badanribeiro@gmail.com
Resumo
Este trabalho pretende mostrar algumas
relações de solidariedade a perseguidos políticos brasileiros e
latino-americanos que se esboçaram na Alemanha, através de relações com Igreja
Luterana alemã e pela Obra Ecumênica de Estudos (Ökumenischen Studienwerks
–OSW– Bochum) coordenada pelo pastor Heinz Dressel, cujo lema era “através de
becas salvar vidas". O convênio de cooperação firmado no ano de 1972 tinha
como objetivo a formação de professores em nível de pós-graduação e permitiu a
manutenção financeira e o prosseguimento dos estudos de diversos militantes
políticos perseguidos pela ditadura civil-militar brasileira ou de pessoas sem
perspectivas profissionais no Brasil, que puderam não apenas usufruir de
formação e qualificação em universidades alemãs e francesas, mas preservarem
suas vidas.
Palavras-Chave
Ditadura; Exílio Político; Redes
Transnacionais de Solidariedade; Igreja luterana Alemã.
Resumen
Este trabajo pretende mostrar las relaciones de
solidaridad que se establecieron entre políticos brasileños y latinoamericanos
perseguidos que se delinearon en Alemania, a través de relaciones con la
Iglesia Luterana Alemana y el Centro de Estudios Ecumémico (Ökumenischen
Studienwerks –OSW– Bochum) coordinado por el Pastor Heinz Dressel, cuyo lema
era "a través de becas se salvan vidas". El acuerdo de cooperación
firmado en 1972 tenía el objetivo de capacitar a los docentes a nivel de
posgrado y permitía el mantenimiento financiero y la continuación de los
estudios de varios militantes políticos perseguidos por la dictadura
civil-militar brasileña o personas sin perspectivas profesionales en Brasil,
pudieron no solo disfrutar de capacitación y calificación en universidades
alemanas y francesas, sino también preservar sus vidas.
Palabras clave
Dictadura; Exilio político; Redes transnacionales de
solidaridad; Iglesia Luterana Alemana
Abstract
This paper aims
to show some relations of solidarity with persecuted Brazilian and Latin
American militants who sketched themselves in Germany, through relations with
the German Lutheran Church and the Ecumenical Work of Studies coordinated by
Pastor Heinz Dressel, whose motto was “through scholarships, saving lives”. The
cooperation agreement signed in 1972 aimed at postgraduate teacher education and
allowed for financial maintenance and further several political activists
persecuted by the Brazilian civil-military dictatorship or people without
professional perspectives in Brazil who could not only enjoy training and
qualifications at German universities but preserve their lives.
Keywords
Dictatorship;
Political Exile; Transnational Solidarity Networks; German Lutheran Church.
Introdução[1]
O
exílio político pode ser compreendido em várias chaves interpretativas nos
estudos migratórios, no campo da circulação de saberes, no interior das
relações internacionais, ou dentro de grandes conceitos como o das redes
políticas internacionais ou transnacionais (Jensen y Lastra, 2014). No Brasil,
apesar de haver muitos trabalhos relacionados ao exílio, sobretudo de
militantes políticos, deu-se pouca atenção às redes individuais, ligadas ou não
às instituições da sociedade civil, religiosas ou militares que atuaram de
maneira aberta ou nos bastidores durante os anos da ditadura militar e que
dentro das instituições, passaram a fazer delas um instrumento de defesa da
vida.
Não há
no Brasil uma tradição de pesquisas que relacionem religião e exílio, como na
Argentina, Chile, Colômbia, apesar do Brasil ter sido o local da existência do
Grupo Clamor, um grupo que existiu por dez anos, e que não apenas localizou
crianças desaparecidas reconstruindo famílias, como acolheu refugiados e
denunciou os crimes do Plano Condor.
O
primeiro trabalho sobre o Clamor no Brasil foi o trabalho jornalístico de
Samarone Lima publicado no ano de 2003 e seguido quinze anos mais tarde, pelo
livro da jornalista inglesa Jan Rocha, uma das criadoras e integrantes do
Grupo. O trabalho surgiu como parte de uma pesquisa realizada no próprio Fundo
Clamor, depositado no CEDIC (Centro de Documentação da PUC São Paulo) e
coordenado por Heloísa Cruz.
A
literatura clássica sobre o exílio brasileiro, se refere sobretudo à França
terra de adoção da maior parte dos brasileiros. Mas, houve brasileiros em
outros locais, “espalhados pelo mundo”, percorrendo países, estreitando laços,
cuidando das feridas, vivendo a realidade de um “sujeito errante”, longe de sua
terra e mais longe ainda da revolução que pretendiam realizar... Esta pesquisa
é inédita por mostrar, o tipo de recepção que brasileiros tiveram na República
Federal da Alemanha, por que e como eles viveram esse exilio ao se transferirem
para esse país.
Neste
texto trataremos daquilo que se convencionou chamar de “redes do ativismo
humanitário (Catoggio, 2018), ao mostrar o funcionamento da Obra Ecumênica de
Estudos (ÖSW), coordenada pela Igreja Luterana Alemã e dirigida pelo Pastor
Heinz Dressel.
A ÖSW
conseguiu estender sua ajuda a muitas pessoas perseguidas em diferentes países,
e, sobretudo aos latino-americanos que enfrentavam suas ditaduras. Nos limites
deste artigo, procurei tratar da formação da ÖSW, da atuação de seu principal
diretor, do tipo de ajuda prestada a brasileiros e chilenos inicialmente
(embora a lista de países seja extensa, ultrapassando mesmo continentes e Argentina
seja um caso à parte), das dificuldades e conflitos gerados no interior da
própria Igreja e no interior do Estado alemão.
Para
este artigo, me baseei sobretudo no arquivo pessoal de Heinz Dressel, na maior
parte das informações trazidas por seu livro ― ainda sem tradução para
português e espanhol ― em materiais da imprensa encontrados no Arquivo do Ibero
Amerikanisches Institut Berlin (IAI) não citados aqui pelo seu grande volume,
no arquivo de Brita Lützow, funcionária da Universidade Livre de Berlim, e
representante da Anistia Internacional na Alemanha. Mas, e sobretudo, nas
correspondências que Dressel manteve com as autoridades alemãs e brasileiras.
Utilizei-me igualmente de entrevistas e de alguns documentários raros. Este
artigo é parte de minha pesquisa de Pós-doutorado realizada junto ao Instituto
de Altos Estudos da América Latina –IHEAL/Sorbonne) com o apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Processo n 9593-11, e
junto ao Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas
(IFCH/UNICAMP).
O
Pastor
Heinz
Dressel chegou ao Brasil pela primeira vez no ano de1952. Nascido
em 28 de setembro de 1929 na cidade de Marktredwitz na Baviera
graduou-se aos 23 anos em Teologia no Seminário Luterano de Neuendettelsau,
tendo depois desenvolvido seu trabalho pastoral no Rio Grande do Sul,
Brasil. No dia 14 de outubro deixou a
Alemanha para trabalhar na Igreja Evangélica Luterana. No Brasil era a época de
Getúlio Vargas. Chegou ao país com a perspectiva de permanecer indefinidamente,
mas com a reedificação da Alemanha no pós-guerra, voltou ao seu país natal no
ano 1967.
Dressel
chegou a Pratos em 1953, tendo sido na Comunidade de Colonos de Dois Irmãos,
onde permaneceu por mais tempo, exatos dez anos. Como principiante teve que
aprender tudo do início. Como ele afirmou, os pastores eram muito pobres. Não
havia um jornal para se ler diariamente e os próprios colonos embora soubessem
ler e escrever, eram analfabetos nas questões culturais e políticas do Brasil. Para se informar havia apenas um rádio
portátil vindo da Alemanha, através do qual ele escutava os discursos
inflamados de Leonel Brizola.
Em Dois
Irmãos, ele organizava reuniões anuais com os colonos para melhorias locais. A
maioria deles falava exclusivamente alemão e somente o os mais jovens dominavam
o português.
Heinz
Dressel foi criado no advento do Terceiro Reich e isso naturalmente influenciou
toda a sua juventude. Quando terminou a guerra, ele tinha 15 anos. Foi criado
na casa dos avós paternos onde um irmão de seu avô havia passado pelo Seminário
Teológico Luterano e partido em 1901 para os Estados Unidos. Dressel cresceu
com o mito do “Tio na América”. Como ele afirmou,
“Naquela casa havia uma atmosfera pré-nazista, ao
contrário dos meus pais, que eram ambos membros do Partido. Na casa dos meus
avós, havia um espírito nacionalista, do império alemão que era de um humanismo
clássico, antes de chegar a barbárie. Em retrospectiva, isso me parece
importante para o meu desenvolvimento. Quando toda a Alemanha estava em ruínas
e enquanto se proclamava a Carta Magna dos Direitos Humanos, os jovens de minha
geração pensávamos que começava um novo tempo e assim se iniciou um lento
processo de democratização. Eu me formei como Teólogo e depois fui trabalhar
como Pastor no Brasil. Neste momento havia a Guerra da Coreia, logo depois o
Vietnã e eu cheguei ao Brasil na última fase do ídolo de muitos brasileiros,
Getúlio Vargas. Depois, notei que não apenas no Brasil, mas em todo o
continente havia uma efervescência”. (Dressel, 2013)
Durante
seu período de férias na Alemanha, houve um encontro Mundial em Nova Délhi, a
Conferência Mundial das Missões, e como Dressel disse, “eles declararam, que a
Igreja tinha responsabilidade social. E isso foi com o progresso da sociologia
em toda parte do mundo, e a partir de 1960 então, eu senti um grande elo da
direção da igreja quando chamou estrangeiros jovens como nós”. (Dressel, 2013)
Após
quinze anos no Brasil, Dressel e sua família retornaram à Alemanha no ano de
1967. Ao retornar a seu país, o Pastor estabeleceu-se em Frankfurt, onde havia
o Departamento de Assuntos Exteriores da Igreja Evangélica e a convite de um
colega, chefe da Repartição América Latina, foi chamado a assumir o Programa de
Bolsas da Obra Ecumênica de Estudos em Bochum, ainda em desenvolvimento. A Obra
Ecumênica de Estudos foi uma instituição de orientação ecumênica criada em 1964
pelas Igrejas Evangélicas da República Federal da Alemanha e de Berlim
Ocidental. O Programa já mantinha relações com a CIMADE, embora como ele
afirme, a França fosse um pais católico, “com uma igreja evangélica fraca,
embora eles necessitassem de colaboradores para assumir compromissos
financeiros”. Assim, no ano de 1968, o Pastor Heinz Dressel já entrou em contato
com os primeiros brasileiros exilados,
“E então eu encontrei os primeiros brasileiros o
Gastão e Milton Herbele e a Margarida Lopes. Alguns a gente enviou para a
Alemanha porque falavam alemão os Herbele, e outros, como a Margarida Lopes
Amaral ficou na França mesmo. E depois a gente deu força para gente que foi
diretamente a Paris, não através da CIMADE. Eu acho que foi bem no início de
1968. Mas o que muito me influenciava pessoalmente foi o encontro com o Alair
Araújo em Frankfurt, um refugiado que era jornalista da Tribuna, isso já era
alguma coisa. E então através dele eu percebi muitas coisas que antes eu não
sabia do Brasil. O que acontece lá, o que acontece entre presos e polícia.
Acontece que a gente fora do Brasil nas minhas condições, se informava melhor
do que no próprio Brasil. Eu cheguei a conhecer o Brasil depois dos 15 anos
(...). Quando eu cheguei em Frankfurt, onde assumi uma paróquia eu fui chamado
muitas vezes para falar sobre o Brasil e sobre Educação na América Latina (...).
Então me chamaram para fazer um curso de Teologia para as pessoas que
futuramente iam trabalhar na Argentina, Chile ou Brasil, na América Latina
(...). E como já disse, cada vez mais entrei na realidade brasileira e quase
totalmente depois de cinco anos ou quatro em Frankfurt, quando assumi a direção
do Programa de Bolsas em Bochum. E assim a gente cresceu mesmo, os
conhecimentos cresceram sobre a situação real do Brasil. Então depois da primeira viagem em 1972 a
coisa era mais diferente, aprendi naturalmente muito mais agora com o preparo
que levei ao Brasil, preparo histórico. Agora eu vou lá e posso contatar
pessoas (...)” (Dressel, 2013)
O
Programa de Bolsas da Obra Ecumênica de Estudos (a ÖSW)
O
Programa de bolsas era dirigido aos países em desenvolvimento, os chamados
países do Terceiro Mundo. Na Igreja Luterana havia vários ramos de ajuda
pessoal em relação à qualificação de operários, ou técnicos para diversas
indústrias. A Obra Ecumênica escolheu como sua primeira prioridade o campo da
educação universitária, já que o ensino superior nos países mais pobres era
mais precário, o corpo docente formado por estrangeiros, salários mais baixos e
universidades estagnadas por falta de recursos. A bolsa deveria ser concedida
somente aos acadêmicos que já haviam realizado o curso básico no próprio país,
sendo um ponta pé para o início da pós-graduação. Em um de seus Boletins, a ÖSW declarava que
não queria transformar estudantes em alemães, nem lhes oferecer soluções
prontas. A ideia era compartilhar metodologias com as quais ao regressar a seu
país, os especialistas pudessem procurar soluções próprias. Em março de 1974 seu Boletim, dedicado aos
participantes, esclareceu as ideias que lhe dirigiam:
- Colaborar
com o aperfeiçoamento educacional e cultural de determinados países em
desenvolvimento;
-
Prestar ajuda às igrejas, concedendo um treinamento qualificado a seus
colaboradores;
-
Contribuir através do Programa de Parceria Acadêmica para a introdução e
reestruturação de cursos de pós-graduação nas universidades de países em
desenvolvimento;
-
Encorajar o contato entre os cristãos da Ásia, África, América Latina e os
cristãos de nosso país;
-
Possibilitar o contato com membros de religiões não cristãs, para produzir um
clima de confiança recíproca;
-
Através da convivência com os estudantes de países em desenvolvimento, receber
estímulos para efeituar necessárias mudanças na atitude de pensar dentro do
nosso próprio sistema social. (Boletim Informativo ÖSW, março de 1974)
A Obra
ambicionava ultrapassar não apenas as fronteiras nacionais, continentais, mas
as de convicção religiosa, quando seu programa emergia do próprio Evangelho. Os
recursos financeiros para o programa de Bolsas eram oriundos de contribuições
da Igreja Evangélica da República Federal da Alemanha e de Berlim Ocidental,
bem como de contribuições das comunidades evangélicas e particulares. Segundo
Dressel, havia na Igreja Evangélica uma entidade chamada Serviço Evangélico de
Desenvolvimento que se ocupava deste financiamento quando a palavra
desenvolvimento, se tornava a grande palavra dos anos 1960 e 1970. Como ele
afirmou, “eles distribuíram o dinheiro conforme o requerimento, quer dizer, em
cada ano eu tinha que fazer meu orçamento (...). A bolsa era regular e
correspondia a 400 marcos por mês. Isso foi o que o estudante recebeu quando
ele estava no campus”.
O
Campus da ÖSW ficava em Bochum, cidade situada a menos de uma hora de carro do
aeroporto de Düsseldorf. Bochum contava então com 350.000 habitantes, uma
cidade típica da região do rio Ruhr, centro das indústrias mineiras da Alemanha
Ocidental. Como o Programa destacava em seu Boletim,
“A Obra Ecumênica não tem interesses obscuros. Não
pretendemos fazer política cultural alemã, pois temos também bolsistas que
realizam seu curso no próprio país ou continente, por exemplo na Zâmbia, na
Índia, na Indonésia, no Brasil e na Colômbia. Temos também um considerável
número de estudantes na Inglaterra, França e até na Espanha. Também não queremos
fazer prosélitos. Apoiamos, além de estudantes protestantes e ortodoxos, um
grande número de maometanos e hindus, e temos um elevado número de católicos.
Queremos dar nossa contribuição cristã no setor de desenvolvimento social e
econômico dos países menos desenvolvidos. Nossa única preocupação é a justiça
social em todo o mundo, uma preocupação legitimamente cristã. Se temos algo
como “interesse”, então é o interesse em formar agentes da justiça social,
especialistas de alto gabarito que ao mesmo tempo sintam sua responsabilidade
social ou humana e que se prontifiquem a dar sua contribuição científica,
tecnológica e humana ao seu povo de origem. (Boletim Informativo ÖSW, set 77,
p. 3, Entrevista de Heinz Dressel a Deutsche Welle, Colônia/ RFA) ”.
Nas
funções de diretor da ÖSW para apoiar jovens acadêmicos da África, Ásia e
América Latina, Heinz Dressel logo tomou conhecimento das amarguras pelas quais
haviam passados milhares de jovens acadêmicos durante os governos repressivos
que se haviam instalado nos países da América Latina, e sobretudo, no
Brasil. As Universidades da América do
Sul que gozavam antes de liberdade, sofriam agora grandes ondas de ataque, com
professores removidos e aposentados compulsoriamente, listas compiladas por
vice-reitores, professores estrangeiros expulsos, servidores suspensos, além do
desmonte da grade curricular e de programas de estudo inteiros sob controle do
Estado.
O
Programa foi sendo aos poucos estendido aos refugiados, de maneira discreta e a
palavra desenvolvimento foi sendo paulatinamente substituída pela solidariedade
cristã. Nos Boletins, essa tomada de posição também está manifesta. Como
afirmou Dressel, “o mais importante é o acompanhamento humano e pastoral dos
refugiados no campus de Bochum” (Dressel, 1996, p. 133),
“Nosso critério básico é salvar vidas através das
bolsas de estudos ou, pelo menos, garantir a inviolabilidade e dignidade das
pessoas, mas não financiar programas de estudo completos. Garantir a
inviolabilidade e dignidade das pessoas, mas não financiar cursos inteiros. O
programa de refugiados não é realmente um programa acadêmico, mas um programa
de ajuda humana e cristã, destinado a impedir a destruição, e a degradação e todas as consequências do terror e da opressão”. (Dressel, 23.ª
Reunião do Comitê de Bolsas, 22.11.1977). (Dressel, 1996, p. 259)
O
"Programa de Refugiados" do Estudo Ecumênico foi uma parte original e
importante de seu trabalho, apesar dele ter sido inicialmente priorizado como
um empreendimento relacionado ao desenvolvimento. A partir de então, foi
surgindo o chamado "catálogo de exceções", que complementava os
critérios regulares de elegibilidade do trabalho diaconal. Ao longo dos anos, a
lista de países parceiros foi sendo expandida de acordo com a situação
internacional, como por exemplo, quando Vietnã e Biafra foram países integrados
ao programa.
O
escritório da ÖSW passou então a reunir informações sobre desrespeito pelos
direitos humanos e dignidade humana. A irmandade e o comitê de bolsas tiveram
que aprender muito sobre refugiados e sua história, primeiro no papel, e depois
conhecer pessoalmente muitas das pessoas afetadas no campus de Bochum. Em abril
de 1974, já na política de atenção especial a refugiados, a saudação da ÖSW aos
recém-chegados foi,
“Quero agora dizer umas palavras destinadas
especificamente aos nossos amigos que aqui se refugiaram, para encontrar
segurança pessoal e o começo dum novo futuro: A Obra Ecumênica de Estudos
através do Programa em favor de refugiados quer dar apoio humano ao homem
perseguido e inquietado por razões sócio-políticas. A Igreja Cristã em toda sua
longa história sempre se preocupou com refugiados. Quero dar apenas uns
exemplos: CIMADE já durante a guerra acolheu judeus, social–democratas,
algerianos e pessoas que pertenciam a outros grupos; A Igreja Clandestina do Terceiro
Reich surgiu essencialmente em oposição à política antissemita do governo
alemão, e em defesa dos cidadãos judeus; a Obra Diacônica em Stuttgart recebeu
milhares de refugiados da região de Biafra na Nigéria, como também refugiados e
desterrados provenientes do Vietnã ou do Sudão; a Obra Ecumênica de Estudos em
Bochum protege um número considerável de brasileiros, uruguaios, chilenos,
angolanos e sul-africanos que optaram pelo exílio em vez de arriscar a sua
liberdade ou até a própria vida; a Igreja Evangélica da Alemanha há muito tempo
acolhe estudantes coreanos, e o Conselho Mundial de Igrejas apoia um elevado
número de moçambicanos. Convidando–lhes para viver conosco durante os próximos
meses, queremo–lhes dar pelo menos a oportunidade de aprender a língua e lhes
oferecer um ambiente humano e tranquilo. Parece–me que são estas
as pré-condições para um futuro para vocês e vossos filhos. Sei que
neste país também há muita gente com falta de compreensão, com um medo
irracional, e há até agitadores políticos que querem tirar vantagens políticas
através da polêmica que iniciaram contra a atitude do nosso governo
social-liberal. Mas vocês podem ter certeza de que nós aqui sabemos que vocês
não representam uma "quinta coluna" em nosso meio, mas que vocês são
pessoas que merecem todo nosso respeito, toda nossa confiança e todo nosso
carinho por seu espírito elevado e por sua motivação social, que não pensa em
tirar vantagens próprias, mas que pensam em justiça social, dignidade humana e
paz para os irmãos lá de além mar. Deixem–me saudar–lhes em nome de todos os
funcionários da Obra Ecumênica de Estudos, e sejam benvindos aqui (Dressel,
1996, p. 186-187) ”
O
comitê cogitava se a admissão junto à ÖSW, que
havia começado como um programa
de promoção de pós-graduação e
dentro de um escopo de convênio de cooperação
científica internacional, deveria ser pública em
relação aos exilados. Isso
explica a avaliação às vezes estranha, às
vezes até arbitrária, do período de
financiamento para estudantes refugiados. No decorrer do tempo e do
desenvolvimento - tanto do espectro internacional quanto do horizonte
de experiência
da instituição - os critérios foram adaptados
passo a passo em relação às
mudanças e às necessidades factuais. Havia no Programa os
chamados estudantes
regulares e os estudantes-refugiados. O programa funcionava de acordo
com as
necessidades dos candidatos, e a bolsa era aprovada depois da
reunião de um
Conselho Consultivo. Além dos alunos regulares e refugiados, o
Pastor relembra,
“Nós tínhamos meios não oficiais de dar uma mão.
Por exemplo, eu tinha uma soma de 5000 marcos, era 500 a média de subsistência
para uma pessoa, então era para dar uma mão a 10 pessoas. Chegaram outros refugiados sem bolsa sem
nada, mas a gente deu um quarto na casa de estudantes ou a gente disse, quem
tinha um quarto de estudante, tinha obrigatoriamente um seguro saúde e então
participava do refeitório. Então isso foi muita gente, e não apenas latinos,
africanos, etc. O próprio José Serra quando ele chegou ele já era um pouco
avançado de idade. Mas ele estava agora livre daquela semi-prisão na embaixada
[chilena], e queria encontrar sua família na Itália. Eu pensei, não posso
deixar esse homem aqui sem dinheiro, o que ele vai fazer? E eu tinha mais ou
menos o dinheiro de um ano para ele, um ano de pós-graduação, oito mil marcos.
Tinham uns casos excepcionais assim, mas justificáveis de qualquer maneira. [No
caso] da Nina Magalhães, foi um colega meu, pastor do Recife, que me disse:
Essa menina foi tão maltratada, tem que sair do país. E era o Dom Hélder Câmara
quem a tinha entregue a ele, “o senhor não pode fazer alguma coisa na Alemanha? ” Quer dizer então foi uma rede incluindo a Igreja
Católica, não oficialmente, mas praticamente, porque eles vivem no lugar.
(...). Eu tinha durante um certo tempo a liberdade de dar uma declaração de
bolsa sem perguntar ao Comitê e só informá-lo depois porque eu havia dito,
“vocês não podem, eu não posso esperar até que matem a pessoa e depois vocês
têm a sua reunião, isso não é possível, eu tenho que fazer algo antes!
(Dressel, 2013) ”
Na 12ª
reunião do comitê de bolsas em 19 de fevereiro de 1974, além das primeiras
inscrições de chilenos, também foram aceitos bolivianos e alguns brasileiros.
Os últimos eram "duplos refugiados", tendo que deixar seu próprio
país e depois, o país anfitrião (Dressel, 1996, p. 209). No livro que escreveu
sobre a ÖSW (Dressel, 1996), o Pastor Heinz Dressel saúda os colaboradores dos
Estudos Ecumênicos de Bochum (ÖSW) não omitindo, porém, os problemas que o
Programa enfrentou. Pois, nem sempre ele contou com a colaboração de todos os
envolvidos, havendo contracorrentes de alguns setores em relação ao projeto de
asilo, em especial, a partir do ano de 1977. Como ele afirmou,
“Conhecemos muitas pessoas deslocadas da África ou
do Leste da Ásia nos anos 1970 e início dos anos 1980 e conhecemos centenas de
desterrados da América do Sul e Central. Tentamos não fazer distinção em nosso
comportamento em relação a todas essas pessoas, em sua maioria jovens, como é
para os representantes da Igreja Cristã, que devem estar abertos a todos os
cristãos. (...). Coloquei esse trabalho nas mãos daqueles que, naqueles anos
turbulentos, dedicaram sua parte da devoção cristã comunitária aos perseguidos,
atormentados, prisioneiros, refugiados, exilados e suas famílias. O programa das igrejas protestantes na República Federal da
Alemanha e em Berlim Ocidental, como era então chamado, tinha que poder viver,
apesar do ceticismo da burocracia do desenvolvimento! O compromisso da
Igreja com os refugiados sempre foi um capítulo controverso e, portanto,
problemático. Primeiro ele foi um incômodo – como eles nos fizeram sentir
claramente na ÖSW. No entanto, a primeira década desde o início do programa foi
particularmente marcada pelo serviço que prestamos a uma geração perdida do
subcontinente latino-americano: primeiro os brasileiros, depois os chilenos,
argentinos, bolivianos, uruguaios e depois as jovens pessoas de El Salvador.
Vários colegas e amigos nos ajudaram bastante a acomodar vários jovens que
precisavam de ajuda externa. Na América do Sul, junto com Helmut Frenz no
Chile, o corajoso pastor Armin Ihle, que sem dúvida salvou muitas vidas, mas
também presidente da igreja Linnenkämper e depois dele o Presidente Reinich, o
pastor metodista Lavigne - e outros protestantes no Chile, Argentina e Brasil.
A Igreja Católica na Argentina permaneceu "ausente" e, por assim
dizer, aguardo até hoje a resposta de bispos poderosos, que nunca sonharam em
atender aos nossos pedidos de socorro à própria vida humana (...). É
especialmente importante para mim relatar destinos e memórias que não devem ser
perdidas tão rapidamente - nem mesmo na Igreja Evangélica. Ao mesmo tempo,
provavelmente é sobre tirar uma lição da história. Isso não é possível sem a
manutenção consciente da memória histórica. O terrorismo de Estado, que se
espalhou como um câncer por toda a América Latina nas décadas de 1960 e 1970 e
deixou um número incontável de vítimas, não deve ser esquecido, assim como o
papel da Igreja naqueles anos obscuros (Dressel, 1996, p.11)”.
Brasil
O
parceiro natural foi a Igreja de Confissão Luterana do
Brasil, em São Leopoldo. Heinz Dressel também costumava ir ao Rio de Janeiro
para a reunião da Diaconia, que tratava dos trabalhos sociais da igreja.
A
conscientização no meio religioso também, como relata Dressel, não era muito
avançada. O Programa da Obra Ecumênica “era um programa de parceria acadêmica
não um programa de refugiados, mas quando eu cheguei, já existia um tipo de
programa de refugiados e isso foi então organizado melhor em colaboração com a
Obra Diacônica em Stuttgart. Então nós formamos um programa ao lado do programa
de parceria acadêmica”
As
parcerias iam ocorrendo à medida em que os contatos com as universidades
avançavam, e de acordo com os deslocamentos do Pastor. O Boletim da ÖSW dava
notícias sobre os novos convênios universitários, dedicados à especialização de
docentes.
Onésimo
de Oliveira Cardoso, que deixou o Brasil em 1973 para estudar na Alemanha, foi
um dos primeiros bolsistas da ÖSW. Pelo programa coordenado por Heinz Dressel
passaram 36 brasileiros pela Europa: Jaime Rodrigues, Maria Lopes Moura, Maria
Socorro (Nina) Magalhães, João Carlos Moura, Gastão e Jussara Heberle, Milton
Heberle, Gerd Bornheim, Franklin Trein, Mirtes Pereira de Magalhães, Abelardo
Blanco Falgueiras, Suely Rolnik, Margarida Maria Amaral Lopes, Sérgio Bezerra
de Menezes, Luiz Garcia Pereira Ramalho, Nísia Brasileira Augusta de Paula e
Souza, Cecil André Forster, Samuel Javelberg, José Serra, Luís Travassos,
Marijane Lisboa, Athos Magno Costa e Silva, Irany Campos, Maria Auxiliadora
(Dora) Lara Barcellos, Reinaldo Guarany Simões Couto, Eunice Diniz Reis, Sidney
de Miguel Lourenço, Aluísio Rodrigues Coelho, Jurandir Antônio Xavier, Samuel
Aarão Reis, Irene Reis Loewenstein, Luís de Brito Castelo Branco, Juruce Luiz
Freire Costa, Dino e Irmela Bittencourt Pereira, Maria Julieta Nunes de Souza,
Flávio Koutzii. (Dressel, 1996, p. 63-124) Dressel também se encontrava
pessoalmente com Dom Hélder Câmara em Recife atendendo a seus pedidos (Dressel,
2013).
Com o
objetivo de tratar do Programa de Bolsas de Pós-graduação na Alemanha, o Pastor
Dressel viajou até o Brasil para um encontro oficial com o Ministro da
Educação, Jarbas Passarinho. Sua intenção era comunicá-lo do programa e
sondá-lo sobre o caso dos exilados brasileiros. Como ele afirmou,
“Ninguém me mandou fazer isso, mas eu conhecia
tanto a situação no Brasil... Então seria bom, as pessoas poderiam dizer, mas o
governo brasileiro sabia bem sobre o trabalho da Igreja Evangélica... O
critério para o recebimento da bolsa era o critério da pós-graduação. Quem não
tinha feito o bacharelado no Brasil não podia entrar no mestrado. Eu naquela
época já sabia, a gente não podia ignorar os refugiados, como os chamávamos,
por isso mencionei muito ao Passarinho, mas também temos uns exilados. Ele
então me corrigiu: Auto Exilados! Isso significa,
ninguém manda eles para fora, eles vão, decidem livremente. Mas eu queria jogar
essa palavra na conversa. [Falar com o Ministro da Educação da Ditadura] foi um
guarda-chuva, mas não choveu graças a Deus. Ninguém foi incomodado. Minha
intenção era informar o governo sobre o que a gente faz aqui no chão brasileiro
com esse programa, para evitar qualquer desastre, mas era naturalmente
comunicar, começamos a fazer isso, um programa de parceria acadêmica com
universitários. E então nessa conversa de propósito eu mencionei que temos, já
temos uns brasileiros e também já temos uns exilados. Auto
exilados! Como também quando eu falei de tortura, “Não
sistemática”! Quer dizer ele sempre me corrigiu relativizando as coisas
(...). Esse foi o único contato oficial com o Ministério dele, depois nos vinte
anos nunca mais falei, mas já aqui em Nuremberg depois de 1990, ele publicou
sua biografia, então eu mandei à editora no Rio de Janeiro uma carta com certos
comentários, corrigindo algumas coisas (Dressel, 2013). ”
Trinta
anos passados, Dressel se reencontrou com Passarinho no Brasil, no ano de 2008
na ocasião em que o Pastor foi condecorado pelo governador do estado de São
Paulo, José Serra, e com a Comenda da Ordem de Mérito do Rio Branco no
Itamaraty pelo então Presidente Lula,
(...). Eu
fui lá para ver o que um velho de 90 e tantos anos pensa hoje sobre o que a
gente tocou trinta anos atrás: a tortura (...).
Então ele me disse, bom eram necessárias informações às vezes, a gente
precisa. E disse mais, ‘isso é como se a gente fosse ao dentista e ele tira o
dente sem anestesia, isso dói muito no momento, mas depois se esquece’. Mas, eu sei que não se esquece e tem muita
gente [que foi torturada]”. (Dressel, 2013).
Chile
Heinz
Dressel visitou o Chile em agosto de 1972 em nome do Estudo Ecumênico. Sentiu
um clima de alta tensão, uma atmosfera explosiva. A palavra guerra civil estava
na boca de todos. Além da imprensa local, soube depois da morte de Salvador
Allende. Helmut Frenz produziu um relatório no Chile datado de 10.10.1973,
“Não há dúvida de que o golpe foi preparado com
muita precisão. Antes do golpe, os militares já haviam ocupado todos os lugares
importantes, como água potável, gás, usinas elétricas, ferrovias, etc. Foi
assim que aconteceu no campo. Nas cidades, por outro lado, houve resistência
armada em alguns lugares. Aqueles que resistiram às forças armadas foram imediatamente
executados no local. No país, uma assustadora campanha de denúncia começou
resultando em uma onda de prisões cegamente dirigidas contra todas
as mentes de esquerda. A presença da literatura marxista costuma ser
suficiente para expor e prender um ser humano como ativista de esquerda... A
onda de prisões assedia muitos dos refugiados políticos estrangeiros... Entre
os refugiados estrangeiros estão acima de tudo muitas mulheres e crianças. Uma
onda de ódio e perseguição contra essas pessoas...O pânico entre os refugiados
aumentou como resultado dos primeiros dias após o golpe militar, um grupo de
cerca de 315 bolivianos foi deportado de Antofagasta para a Bolívia, onde foram
imediatamente presos. A Igreja no Chile havia desenvolvido um programa de assistência
a refugiados bolivianos por quase dois anos.... Também fomos confrontados pela
primeira vez com o problema dos refugiados. Eles vieram a nossas casas para
buscar proteção e aconselhamento. Tivemos que agir imediatamente (Dressel,
1996, p. 170)
No Chile,
o instrumento de tortura foi o terror sistemático. Para muitos que foram
ameaçados por seu compromisso político, fugir para uma embaixada estrangeira
foi a única saída. Acreditava-se que mais de 100.000 chilenos tinham sido
feitos prisioneiros desde o golpe militar. Foi criado um estado policial, que
silenciava qualquer tentativa de oposição ao terror,
“A primeira medida foi impedir que outros
refugiados políticos fossem deportados para seus países de origem, onde
masmorras ou talvez até a morte os aguardavam. Tínhamos que tentar negociar com
as autoridades militares o mais rápido possível, para impedir tais ações. Uma
primeira oportunidade me foi apresentada no tradicional Serviço Ecumênico,
quando celebramos na ocasião o dia nacional do Chile, em 18 de setembro, para
entrar em contato com o Ministro das Relações Exteriores. O governo militar
participou da reunião. No dia 19 de
setembro, um pequeno comitê de católicos e luteranos foi recebido pelo ministro
das Relações Exteriores. Ao mesmo tempo, o representante do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados havia chegado de Buenos Aires a Santiago.
Ele se juntou ao nosso grupo. Além disso, fui autorizado pelo Conselho Mundial
de Igrejas em Genebra a falar em seu nome. Dessa maneira, tivemos um peso
razoavelmente internacional - o Ministro do Exterior - nos deu a garantia de
que nenhum refugiado político seria deportado para sua terra natal. O maior
perigo do momento para os estrangeiros foi evitado desta maneira. A situação
dos refugiados tornou-se catastrófica. Todo mundo temia a prisão. Enquanto
isso, montamos onze escritórios em Santiago, onde os refugiados pudessem se
registrar. Além disso, esses escritórios foram criados em todas
as principais cidades do país. A maioria dos refugiados que vem até nós,
já está desabrigada.... Para onde os refugiados podem ir?
As Nações Unidas estão negociando com os diferentes países. Elegíveis: México,
Cuba, Peru, Canadá e talvez também países europeus (...). O trabalho descrito
até agora se refere exclusivamente a estrangeiros. Mas o que
podemos fazer pelos chilenos? Eles também precisam de ajuda urgente.
Enquanto isso, de 20 a 30 mil pessoas foram presas. Eu mesmo fui visitar o
Estádio. Eu não consegui falar com os prisioneiros. Após o terror psíquico ter sido realizado nos
campos nos primeiros dias, a situação agora parece ter melhorado. Pior ainda,
parece que as detenções nas casas são muito brutais” (Helmut Frenz, 10.10.73).
(Dressel, 1996, p. 171).
Em
outubro de 1973, as igrejas protestantes formaram como nos informa Dressel, o
Comitê de Cooperação para a Paz no Chile-COPACHI, sob a presidência coletiva do
bispo auxiliar Ariztia e Helmut Frenz, que também representou o Conselho
Mundial da Igreja. As tarefas do comitê incluíam o atendimento aos perseguidos,
principalmente estrangeiros, mas também a representação de cidadãos chilenos
presos em massa, o atendimento aos sobreviventes vítimas de repressão e o
acompanhamento e representação dos familiares dos presos e desaparecidos,
através da assistência jurídica, do estabelecimento de cozinhas (comedores),
especialmente para crianças, desempregados e estudantes, com milhares de
voluntários e também várias centenas de ajudantes de meio período ou período
integral. Mais tarde, a Junta no Comitê de Paz, e o Vicariato de Solidariedade
da Arquidiocese de Santiago tornaram-se o ponto focal do trabalho com direitos
humanos no Chile e além (Dressel,1996, p. 174). Em 3 de outubro, os líderes da
igreja evangélica mencionados acima foram recebidos pela junta para discutir os
pontos de um memorando que as autoridades religiosas consideravam prioritárias.
Pelo
Decreto nº 1.308, o governo militar autorizou a Iniciativa Protestante em favor
dos refugiados estrangeiros, uma empresa que começou em estreita colaboração
com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Em ÖSW Bochum, o
pedido de solidariedade foi atendido muito cedo. Algumas semanas após o golpe
no Chile foi agendada em Frankfurt na data de 20.11.73 a 11ª reunião do comitê
de bolsas. A ÖSW apresentou uma primeira solicitação de emergência para a
recepção do refugiado brasileiro José Serra, aceito pelo comitê de bolsas em
20.11.73. Em 10.10.74, refugiados do Chile também puderam ser recebidos entre
os novos estudantes da ÖSW. Como já mencionado, havia vários brasileiros,
especialmente durante a primeira onda de refugiados do Chile.
No
acolhimento dos novos bolsistas em abril de 1974, a equipe da ÖSW também
prestou atenção especial aos refugiados. Havia um grupo considerável de
irmandades no campus: 12 casais, 9 bolsistas solteiros, 10 filhos, ou seja, 43
pessoas. A Faculdade preparatória para estudantes estrangeiros criou um curso
especial no Chile no ano de 1974, a fim de fazer justiça à situação dos
refugiados. Os participantes deste primeiro curso de idiomas para refugiados
foram: Maria Auxiliadora Lara Barcellos, Julio Bittencourt, Irany Campos, Athos
Magno Costa e Silva, Aluísio Rodrigues Coelho, Marta Canedo, Miriam Vasquez
Osório, Mabel Pereira Montero, Samuel Reis, Eunice Diniz Reis, Jaime Rodrigues,
Miriam Rodrigues, Reinaldo Guarany Simões Souto, José Jorge e Miriam Valjalo.
Além disso, alguns refugiados latino-americanos puderam participar do curso
regular de pós-graduação do Studienkolleg, devido a conhecimentos anteriores:
Antonio Canedo, Irene Reis Loewenstein, Luiz Travassos e Marijane Vieira
Lisboa.
Na 13ª
reunião do comitê de bolsas em 18.6.74, além dos pedidos "regulares"
de bolsas, houve ajuda aos refugiados. O Studienkolleg da ÖSW realizou seu
próprio curso de idiomas dirigido a eles, e por meio da chamada "Conta do
Chile", foi lhes concedida pelo Conselho de Administração o valor de
50.000 marcos alemães para os anos de 1974-75, incluindo os custos de
assistência à infância e aluguel. A
Alemanha recebeu as seguintes pessoas nesse período: Alvares, Contreras Cruz
Martin e esposa Magali Cuso-Contreras, 2 filhos; Herrero, esposa, um filho
Hidalgo, Jacques Paraguez, esposa, um filho, Orellana Juan, Orellana Candida,
um filho, Rodriguez, Sanaueza, esposa, Weingärtner, Orellana Claudio, esposa,
dois filhos, Veronica Reyes-Pinto (Dressel, 1996, p. 203). Além deles foram
aceitos, Arnadol Luis Rodrigues, Amelia Barrera de Rita, Leonel José Torres
Santa Maria, Walter Arturo Venegas Carhart, Marx Ariel Pereira Peña, Alejandro
Francisco Otey Alvarado, Daniel Federico Salamanca Orrego e família, Patricia
Elena Ercilia Braniff Duffau. O comitê também estendeu seu apoio a Marijane
Lisboa e família, até que ela conseguisse o Bafög e submeteu os casos de Irene
Reis Löwenstein, Samuel Reis e Eunice Diniz Reis. Entre os participantes dos
cursos de idiomas para refugiados, encontravam-se as seguintes pessoas: Gaston
Alvarez, Juan Ruben Hidalgo Cornejo , Victor Herero, Lolita Herero (com uma
criança), Juan Eugenio Orellana, Sonia Barsocchi Tamburini (com um bebê),
Nibaldo Jacques Parraguéz, Raquel Asino Simon Parraguéz (com um bebê), Gabriel
Gonzalo Sangueza (e esposa), Ana Weingartner, Claudio Orellana (mulher e duas
crianças), Angelica Torres, Martin Maximiliano Contreras Cruz e mulher,
Rodriguez Crisosto Luis, Veronica Reyes–Pinto, e Jurucé Costa. Foram também
ajudados Fathme Espiridion Rojas, Juan Rojas e Rita Amelia Barra.
Segurança
de Estado: Os casos das exiladas Marijane Lisboa e Maria Auxiliadora Lara
Barcelos.
Marijane
pediu asilo na embaixada chilena, temendo um novo seqüestro pela Polícia
Política. Em janeiro de 1971 chegou ao Chile indo trabalhar no Arquivo do
Centro Latino-Americano de Demografia, um órgão das Nações Unidas. O primeiro
ano no Chile foi bastante traumático. "O Chile tem demorado a nos
integrar, muitos brasileiros todos eles viviam no
gueto e apenas entre si, e todos pensavam que voltariam mais ou menos
rapidamente para o Brasil ". (Marijane, 2014)
Em
1972, ela retomou o estudo de sociologia interrompido e no ano seguinte se
casou com o exilado Luiz Travassos. Após o golpe de setembro, eles deixaram
suas casas e, assim, escaparam da prisão coletiva de todos os estrangeiros que
moravam no mesmo prédio. O perigo vermelho do exterior foi considerado o
inimigo nº 1 do novo regime. A Embaixada do México protegeu o casal e outras
300 pessoas, incluindo 40 crianças e 4 mulheres grávidas. Após 12 dias, a
viagem ocorreu. No México, os não-chilenos foram informados de que seu status
era o de passageiros em trânsito, porque estavam sendo rastreados por um país
estrangeiro e não por eles próprios. Como afirmou Marijane,
Na embaixada da Alemanha na Cidade do México, que
visitávamos regularmente, éramos convidados a esperar na “sala da esperança”
por uma resposta de Bonn, que nunca deveria chegar. Finalmente, os mexicanos
resolveram nos dar um passaporte, ainda que de qualidade duvidosa, pois dizia
que não éramos cidadãos mexicanos. A outra parte do desafio resolveu-se graças
à um visto de entrada na antiga Iugoslávia, que por razões misteriosas foi o
único país a nos conceder visto de entrada, o que permitiu que o governo
mexicano nos comprasse uma passagem para Belgrado via Bruxelas (...). No
aeroporto de Bruxelas, já éramos aguardados pela Anistia Internacional belga.
Como na Alemanha, ela já havia organizado uma rede de famílias e pessoas que
deram abrigo a refugiados do Chile. Alguns dias depois, o casal que nos
abrigou, nos transportou de carro para Colônia, onde nos esperava Peter Klein,
da Anistia Internacional, que levou-nos à polícia, para fazermos a nossa
solicitação de asilo. Recebemos então uma folha de papel que atestava que
havíamos solicitado asilo, um Flüchtlingbeantragung, que consistiu em nosso
único documento durante dois anos. O
novo desafio agora era o de como poderíamos sobreviver enquanto aguardássemoss
a resposta ao nosso pedido de refúgio. Nesse difícil momento, encontramos o
Pastor Dressel, que na época era o diretor do Ökumenisches Studienwerk (ÖSW),
uma instituição que fornecia bolsas e cursos de língua alemã para estudantes do
terceiro mundo que vinham estudar na República Federal Alemã. O Pastor Dressel
criou então um programa especial para os refugiados no Chile e assim pode
receber muitos de nós em Bochum, no campus da ÖSW. Durante a Copa do Mundo de
1974 sediada na República Federal Alemã, a polícia nos ordenou que diariamente
comparecêssemos uma ou mais vezes em uma delegacia próxima. Temiam que
organizássemos atentandos contra o estádio e os jogadores, embora na época
nossa única e absorvente preocupação fosse estudar. O Pastor Heinz Dressel
recorreu à Justiça Alemã contra essas medidas, mas enquanto este recurso não
foi julgado, tivemos que diariamente fazer aquele percurso, para não sermos
expulsos do país. Eu já estava com a gravidez muito avançada. Em Berlim, a
Anistia Internacional teve que nos defender na Justiça Alemã da acusação de
havermos ingressado na Alemanha irregularmente, sem a posse de um visto de
entrada, recorrendo para tal à Constitução alemã que garante o direito de
refúgio àqueles que sofrem perseguição política, como era o nosso caso. Porém,
mesmo depois de receber o refúgio, fomos muitas vezes incomodados pelos
serviços de segurança alemães e sua polícia que avaliava a nossa
“periculosidade” em virtude de informações que recebia da polícia da ditadura
brasileira e das organizações e empresas alemãs que mantinham com ela relações
amigáveis”. (Marijane, 2014)
Dora
Dora,
juntamente com outros 69 presos políticos, foi trocada pelo governo brasileiro
após o sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, e voou para o
Chile. Em Santiago, ela continuou seus estudos médicos e quase no seu término e
após o golpe de 11 de setembro de 1973, Dora teve que buscar proteção na
Embaixada do México em Santiago. No México, recebeu uma autorização de
residência de 13.12.73 a 1.2.1974. Como outros exilados brasileiros, conseguiu
viajar do México para a Bélgica e para a França, onde trabalhou por um tempo
com crianças em casas de família. No dia 10.2.74, junto de seu companheiro
Reinaldo Gaurany Simões chegou à Alemanha onde imediatamente solicitou asilo
político, com o envolvimento da Anistia Internacional, em Colônia.
Em
19.2.74, Dora foi levada junto com um grupo de refugiados chilenos para a
promoção da ÖSW. Em 2 de abril, ela chegou a Bochum na ÖSW onde morou no campus
até o final de setembro. Em outubro de 1974, se matriculou na Universidade
Livre, FU- Berlim para continuar seu curso de medicina.
Em
21.2.75, Dora e Reinaldo Guarany, seu companheiro, escreveram agradecendo ao
Pastor Dressel: "O curso de alemão é de fundamental importância para a
nossa estadia no país e, com a ajuda deste instrumento, poderemos fazer nosso
caminho na Alemanha. Obrigado, enviamos nossas respeitosas saudações”.
Em dezembro
de 1974, a autoridade policial de Berlim anunciou que havia sido iniciado um
julgamento contra eles por entrada ilegal na República Federal alemã. Desde
maio de 1975 Dora não tinha permissão para sair de Berlim. Dora, portanto
apelou para a Anistia Internacional em Londres. A perseguição já vinha
ocorrendo anos antes, quando ela e outros refugiados brasileiros saídos do
Chile passaram a ser supervisionados vinte e um dias durante a Copa do Mundo de
Futebol de 1974.
Pouco
antes do exame estadual, em fevereiro de 1976, Dora teve que se submeter a um
tratamento no hospital psiquiátrico de Spandau. Após sua liberação, quando ela
ainda era tratada ambulatorialmente, ela se jogou na frente de um trem da
S-Bahn, no dia 1º de junho do mesmo ano.
O
pastor Heinz Dressel não apenas se manifestou na ocasião de sua morte, como foi
o responsável pelo translado de seu corpo ao Brasil e pelas negociações com a
ditadura brasileira. Dora havia sido banida do Brasil por um decreto de Emílio
Garrastazu Médici. O Pastor Dressel defendeu junto às autoridades brasileiras
que o exílio havia acabado com a morte de Dora e que não poderia permanecer
mais efetivo após a sua morte... Assim, prevaleceu a tese de que o banimento só
era válido em vida e o corpo de Dora pôde ser enterrado pela família e amigos
no Brasil. Sobre sua morte, o Pastor Dressel escreveu,
“Muitos morreram durante a tortura, enquanto outros
morreram como resultado da detenção. Maria Auxiliadora morreu sete anos depois
da desumanidade que lhe fora feita. O destino de Maria Auxiliadora Lara
Barcelos pode ser um exemplo da geração daqueles jovens idealistas que, na
época, caíram no turbilhão de eventos políticos no país e morreram ou sofreram
ferimentos graves. Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que eu conheci como
exilada, pôs fim à sua vida em Berlim Ocidental em 1º de junho de 1976,
imediatamente após uma conversa com o médico assistente, jogando-se na frente
de um trem do S-Bahn de Berlim. Para as estatísticas e para a polícia, a morte
de Dora foi um caso claro de suicídio, para o jornal BILD uma morte por amor.
Na verdade, Maria Auxiliadora foi morta por aqueles que a torturaram
terrivelmente nas prisões brasileiras sete anos antes. A doença mental em
fevereiro de 1976 foi, sem dúvida, uma consequência dos tormentos físicos e psicológicos
que a jovem de 25 anos sofreu durante seus dois anos de detenção no Brasil.
Tormentos que a levaram à beira da loucura e além”. (Dressel, 1996, p. 96)
No
Encontro Ecumênico da ÖSW em 3 de junho de 1976, pensou-se na colega e o Pastor
também realizou uma declaração oficial, em sua homenagem. Dora deixou algumas
cartas para uma amiga brasileira exilada na Suécia, em que descreveu as
dificuldades da vida no exílio,
“Na França, vivemos provisoriamente em casa de
franceses sul americanizados. Não foi ruim nem muito bom. Depois fomos morar na
casa em que eu trabalhava, cuidando de duas crianças e o Reinaldo fazendo a
faxina. Imagine ele com um pano na cabeça e um espanador na mão cantando a Marseillaise ! Era mais cômico que trágico. Mas, a gente só riu
depois que saiu de lá”.
“Alemanha, fevereiro de 1974
Estamos provisoriamente em Colônia esperando para
estudar alemão em Bochum, uma cidadezinha próxima. Estudamos aqui, mas o curso
não é tão bom. Estou de saco cheio de ficar na casa dos outros. Uma casa na
Bélgica, duas em Paris, e mais duas aqui em Colônia. Me esforço para me
adaptar, cada dia a um ambiente, você sabe como é. Viajamos dois meses depois
para Bochum onde fizemos um curso extensivo pago pela Igreja Evangélica Alemã.
Recebi uma bolsa de estudos da Igreja que prometeu sustentar-me até quando o
Estado alemão assumisse tal encargo”.
“Na sua carta você me diz claramente que a não
integração sua com a suecada é um fato. Infelizmente, aqui é muito parecido até
agora. Eu sempre fui uma defensora árdua da integração com qualquer povo, como
a única maneira de você realmente conhecê-lo, compreendê-lo e, portanto amá-lo.
Mas se na América Latina é questão de opção individual, integrar-se ou não, na
Europa, pelo menos onde estive, as cartas já estão na mesa. Você não tem muita
margem de opção. Você pode conhecer, mas compreender, no sentido de
interiorizar, é realmente impossível. Mesmo assim, eu pretendo conviver um
pouco com eles, pelo menos para aprender bem a língua”. (Depoimento do filme,
Quando chegar o momento. Luiz Alberto Sanz, Suécia, 1978).
A
imprensa fez o seu papel abordando a morte de Dora. No Stern n °30/ 1976 a
manchete trazia: “Não há lugar para exóticos - Levada à morte pela burocracia
alemã”: a brasileira Maria Barcellos Lara, 31 anos, se jogou na frente de um
trem na estação de U-Bahn de Berlim Ocidental Neu Westend. O Bild Axel-Springer
Zeitung dizia, “o suicídio não é um caso de amor. A morte da mulher brasileira
não é culpa de um amante infiel - a burocracia alemã tem essa mulher em sua
consciência (...)”. Na Deutsches Allgemeines Sonntagsblatt n° 35, de 29.8.76,
“Tortura e suas consequências – antecedentes de um
suicídio em Berlim: “Este passo, como provavelmente todos os suicídios, foi o
pedido de um abraço que ela não conseguiu da forma que precisava. Sua morte é
uma consequência da experiência de tortura, como foi a do padre dominicano
brasileiro Tito de Alencar, cuja vida terminou na França em agosto de 1975, aos
28 anos. “Quem sucumbiu à tortura não pode mais ficar em casa no mundo.” Jean
Amery disse essas palavras difíceis, numa declaração que nunca se tornou coisa
do passado e hoje todos os dias é válida para mais pessoas”.
Sociedade,
Estado e a Imprensa Alemã diante dos Exilados
Há
alguns anos, a imprensa alemã havia dito que a fronteira entre oposição e crime
se tornava indistinta, dependendo da localização política em que alguém se
encontrava... A oposição da CDU levantou "preocupações muito sérias"
sobre a admissão irrestrita de refugiados chilenos, acusando o governo federal
de permitir que terroristas sul-americanos entrassem no país. O governo também
levou a sério as preocupações de segurança a esse respeito e em vários casos,
recusou a entrada de pessoas.
Segundo
as autoridades de segurança, terroristas, seqüestradores, assaltantes de
bancos, treinadores de guerrilha, especialistas em explosivos, membros de
organizações terroristas e clandestinas sul-americanas estavam entre elas. Esse
grupo também incluía oito brasileiros, cuja libertação das prisões foi feita em
troca do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher e do embaixador alemão
Ehrenfried von Holleben. O Governo Federal esperava que parte desse grupo de
pessoas entrasse em contato com partidos e grupos politicamente radicais e continuasse
suas ações em solo estrangeiro.
Além
disso, as agências de controle de fronteiras não tinham sido informadas a tempo
sobre a entrada planejada dos “perigosos sul-americanos”. Como o Serviço de
Relações Exteriores do Axel Springer (ASD) informou, o Ministério Federal das
Relações Exteriores de Bonn havia declarado, no final de fevereiro de 1974 que
deveria ser tomado cuidado para garantir que nenhuma das pessoas na
"lista" do Escritório de Proteção pudesse entrar no país", mesmo
que algumas delas já devessem ter um visto alemão". (Dressel, 1996, p.
118)
De
acordo com as conclusões do Escritório Federal para a Proteção em Colônia, seis
pessoas da “lista de problemas” tinham entrado na República Federal sem
controle pelos órgãos de proteção. Eram apenas brasileiros: Régis Barbosa (30),
Luís de Gonzaga Travassos da Rosa (28), Marco Antônio Maranhão Costa (29),
Marijane Vieira Lisboa Travassos (26), Maria Auxiliadora Lara Barcelos (28) e
Reinaldo Guarany Simões. Tinham vindo para a República Federal Alemã da
Bélgica. Por telex de 15 de março, o Ministério Federal do Interior pediu às
autoridades de segurança dos estados que determinassem se a moradia das pessoas
mencionadas se tornou conhecida e que medidas haviam sido tomadas. E instruiu
os guardas de Fronteira "a recusar as pessoas que desejassem entrar sem um
visto válido ou sem autorização de residência”. Armin Hindrichs, do Grupo de
Trabalho I do SPD Bonn, dirigiu-se a Michael Müller, Bonn, em 29.3.74 sobre os
"seis refugiados chilenos do Brasil"
“Já em 18.10.73, a Embaixada da Alemanha no México
apresentou um relatório às autoridades da República Federal da Alemanha sobre
15 refugiados chilenos da América Latina. No interesse desses refugiados
intervieram ao mesmo tempo um Assistente da Anistia Internacional de Paris e um
Grupo da Anistia de Colônia, que concordaram em receber esses refugiados em
residências particulares. Segundo o relatório, os brasileiros fugiram do Brasil
para o Chile como oponentes ou foram deportados para o Chile como presos. Durante
o golpe, eles chegaram ao México com a ajuda da embaixada do México, onde não
receberam asilo. Em 11 de janeiro de 1974, nossa embaixada relatou que das 15
pessoas, apenas três permaneciam no México. O Ministério Federal do Interior
levantou sérias preocupações de segurança contra esses refugiados. Como a
rejeição de solicitações de asilo não deve ser feita sem um exame exato dos
dados, foi solicitado à embaixada que consulte novamente os refugiados. O
resultado da pesquisa está agora disponível em três currículos detalhados, nos
quais os entrevistados relataram abertamente sobre seu passado (...) Os
currículos chegaram ao à Embaixada e à Chancelaria. Portanto, existem fontes
suficientes para a informação "mundial”. O Ministério dos Negócios Estrangeiros
tem a impressão de que esses refugiados políticos querem descansar e não têm
interesse em pôr em risco a concessão de asilo na República Federal por
atividades políticas. Recomenda-se, portanto, que os interessados apresentem um
pedido para não condicionar a concessão de asilo nos termos do artigo 16 às
suas atividades políticas no Brasil (porque não há evidências de que estejam
vinculados aos seqüestradores no país). Não deixar que isso se torne um
argumento público causando disputas. O grupo de trabalho I sabe que outros
refugiados do Chile residem ilegalmente na República Federal e estão com amigos
do partido. Por isso, pede-se ao camarada Müller que entre em contato com H.J.
Wischnewski, para que seus pedidos não sejam puníveis. " (Dressel, 1996,
p. 120-122)
Em uma
carta sem data para a diretoria do Estudo Ecumênico, Marijane Vieira Lisboa
descreveu sua situação e insegurança jurídica:
Sou ex-bolsista da ÖSW, apoiada no contexto do seu
programa para refugiados políticos da América Latina. Após o vencimento do meu
contrato de bolsa, quando consegui obter o BAFÖG como candidata a asilo
reconhecido na República Federal da Alemanha, sua fundação mostrou sua ajuda e
amizade a mim e a outros bolsistas na mesma situação em vários assuntos
pessoais. Desta vez, estou falando com você para compartilhar eventos recentes
que afetam a mim e à minha família e procurar seu conselho e ajuda. Em 21 de
março deste ano, um grupo de bolsistas da ÖSW e outros estudantes brasileiros
convidados para o seminário brasileiro da ÖSW estavam voltando para Berlim
quando fomos inspecionados pela polícia de fronteira da República Federal da
Alemanha, o oficial voltou à nossa cabine e ordenou que eu saísse.Tive que lhe explicar
que meu passaporte estava completamente em ordem, válido até setembro de 1978 e
com uma autorização de residência ilimitada nos territórios da República
Federal da Alemanha e Berlim. O oficial recusou-se a dar qualquer motivo para a
medida e respondeu rudemente quando lhe pedi para explicar essa medida. Fui
levada com minha filha Bárbara e meu marido para a delegacia de fronteira na
Estação de Helmstedt. Ficamos ali por quase uma hora, entre as 17 e as 18
horas, onde fui interrogada. Finalmente, perguntaram-me persistentemente se
Bárbara era realmente minha filha, mostrando seu passaporte e sugerindo que
ligassem para o ÖSW para confirmar essas informações. O mesmo aconteceu em
outubro de 1977, quando meu marido e outro estudante brasileiro, Régis Barbosa,
viajaram para Schwerte para frequentar o Seminário do Estudo Evangélico da
América Latina. Com o sequestro de Hans Schleier e com o aumento do controle de
passaportes nas fronteiras esse incidente foi fácil de entender, embora sempre
tenha sido infundado o motivo pelo qual essas pessoas eram suspeitas. Também
durante o período da Copa do Mundo de 1974, quando acabamos de chegar a Bochum,
alguns dos refugiados políticos, isto é, meu marido, Maria Auxiliadora
Barcelos, e Samuel Aarão Reis deveriam apresentar-se ao departamento de polícia
três vezes ao dia, e sua autorização de residência era restrita à área da
cidade de Bochum. Mesmo com um tratamento infundado e discriminatório contra
nossas pessoas, posso mencionar que desde o momento em que nos mudamos para
Berlim (8/1974) até o reconhecimento de nosso pedido de asilo pelo Escritório
Federal de Reconhecimento de Refugiados Políticos (julho de 1976), repetimos
pedidos de passaporte estrangeiros, que foram rejeitados (...). Essa restrição
incompreensível de nossa livre circulação, juntamente com o atraso no
reconhecimento de nossos pedidos de asilo, tem sido um fardo para todos nós e
não desempenhou um papel menor no desenvolvimento do transtorno mental de nossa
amiga Maria Auxiliadora Barcelos, também bolsista do ÖSW, morta em junho de
1976. Olhando para esses eventos relacionados, não posso rejeitar a hipótese de
que, desde a nossa entrada na República Federal da Alemanha e durante esses
quatro anos, sempre fomos considerados suspeitos pela segurança interna da
República Federal da Alemanha e, portanto, tratados como tal pela polícia
(...). Dressel; 1996, p. 91-92)
Em 27 de maio de 1978, este assunto foi
dirigido ao Ministro Federal D. Maihofer, pelo Pastor Dressel,
“Em 21 de março de 1978, nossos ex-companheiros,
Sr. Luís de Gonzaga Travassos e sua esposa, Marijane Vieira Lisboa com a filha
Bárbara, residente em Berlim, que, juntamente com outros bolsistas do Centro
Ecumênico de Estudos Bochum viajam de volta de um evento do nosso programa de
estudos em Villigst, perto de Schwerte, foi puxada para fora do trem por um
oficial do departamento de polícia de fronteira em Helmstedter Bahnhof e
interrogada por quase uma hora, embora ambos estivessem na posse de passaportes
válidos com uma autorização de residência ilimitada para a República Federal e
Berlim Ocidental. O tratamento discriminatório do casal Travassos pelas forças
de segurança alemãs começou durante a Copa do Mundo de futebol no verão de
1974, quando o Oberstadtdirektor em Bochum emitiu a portaria datada de 11 de
junho de 1945, que limitava a autorização de residência à cidade de Bochum e
obrigava o casal Travassos a se reportar à delegacia responsável até três vezes
por dia durante a Copa do Mundo. O motivo do tratamento discriminatório de Marijane
Lisboa e Luis Travassos pode ser encontrado em relatórios incorretos sobre 15
"casos problemáticos" entre refugiados latino-americanos, que foram
enviados à embaixada alemã no México em 18.10.1973 - onde os dois após o golpe
no Chile inicialmente fugiram – e foram repassados às autoridades domésticas da
Republica Federal através do Ministério Federal das Relações Exteriores. Outro
relatório é datado de 11.1.74. O Sr. e a Sra. Travassos foram entrevistados
oficialmente na Embaixada da Alemanha no México. Com base em informações
confiáveis e no conhecimento pessoal do passado político de Luis Travassos e de
sua esposa, Marijane Lisboa, conheço e posso garantir que nenhum deles
pertencia a grupos militantes no Brasil nem estava envolvido em ações subversivas.
Em julho de 1976, Marijane e Luis Travassos obtiveram direitos de asilo na
República Federal da Alemanha e acreditavam que poderiam prosseguir seus
estudos de maneira pacífica e sob a proteção da lei e da hospitalidade alemã
(que nunca abusaram). Infelizmente, isso provou ser uma ilusão: seus nomes
devem ter sido mantidos em qualquer lista mantida pelas forças de segurança
que, se não forem extintas, não excluirão seu tratamento degradante e
discriminatório por guardas de fronteira ou policiais. Por isso, gostaria de
exortá-lo, prezado Ministro, a providenciar a erradicação imediata dos nomes
(dos registros apropriados) " (Dressel, 1996, p. 125-126)
O
Ministro do Interior (Dr. Lenhard) respondeu a esta carta em 31 de julho de
1978 com uma breve declaração,
O Ministro do Interior 31.7.78 Re: controle da
polícia de fronteira dos solicitantes de refúgio brasileiros Marijane Vieira
Lisboa e Luís de Gonzaga Travassos, referência: sua carta de 27 de abril de
1978 -Dr / E - Examinei o caso que você descreveu e posso informá-lo que os
requerentes de asilo brasileiros Marijane Vieira Lisboa e Luís de Gonzaga
Travassos não constam nos documentos de procurados pela Polícia de Fronteiras
da República Federal da Alemanha” (Dressel, 1996, p. 127)
Perguntado
se o Estado alemão via com bons olhos sua colaboração ao exilados politicos ou de
alguma forma, dificultava seu trabalho, Heinz Dressel respondeu,
“Eu não posso confirmar isso, porque eu não senti
isso. Eu sei do caso extremo da Marijane (...). Então a minha posição era
rigorosamente, o que a Igreja faz não é negócio para o Estado. O Estado nunca me incomodou de maneira visível, mas eu sei que os
órgãos de segurança tinham o nome de Marijane, porque eles tinham o nome da
Marijane e não de outros? Isso é inegável. (Dressel, 2013).
Embora
não lidasse diretamente com as embaixadas, Dressel teve um grande amigo no
Consulado Geral do Brasil em Frankfurt, o Vice-Cônsul Pinto Machado. Foi ele
quem salvou uma estudante nordestina a pedido de Dom Hélder Câmara. O serviço
consular em alguns momentos também ajudou, através de pessoas mais
comprometidas.
Por
outro lado, foi necessário sempre que o Pastor afiançasse publicamente a
idoneidade dos estudantes para conquistar a legitimidade do refúgio, tanto para
a imprensa alemã, como para os órgãos de segurança e por fim, para a própria
Igreja Evangélica.
“Conhecemos as pessoas que oferecemos nossa ajuda
muito bem agora. Podemos garantir que esses não são extremistas, mas pessoas
envolvidas em sua terra natal, especialmente no campo da política estudantil ou
no setor social, e que foram perseguidas, presas e maltratadas em suas
sociedades não-legais. É óbvio que esses seres humanos afetados estão agora
buscando segurança humana, o que lhes permite obter uma distância interior dos
traumas dos últimos anos. Hoje, a América Latina está exportando seus filhos,
observou o Alto Comissário para Refugiados da América Latina, o suíço Robert
Müller, com quem tive a oportunidade de conversar em janeiro de 1977 em Buenos
Aires (Dressel, 1996, p.53).
Muitas
vezes a filiação religiosa não protestante criou alguns conflitos internos
junto aos conselhos deliberativos, como foi o caso no ano de 1973 (Dressel,
199- p.193), como demonstra a carta-resposta do Dr. Reinhart Müller, Frankfurt/M - 10.6.73,
Nós na ÖSW, especialmente no conselho, teremos que
pensar em como podemos sair das ambiguidades (...) Se realmente queremos um
apoio educacional relevante para o desenvolvimento, devemos fazê-lo com maior
alegria e menos regimentalismo e paternalismo, e devemos fazê-lo com maior
abertura a não-protestantes e não-cristãos. Não devemos ter tantos escrúpulos a
esse respeito, mas realmente coragem para reconhecer que a ajuda responsável ao
desenvolvimento hoje não pode parar diante da denominação ou das fronteiras
religiosas ... Se, a propósito, você não quer católicos, não deveria ter
começado com a América Latina... (Carta do Dr. Reinhart Müller, Frankfurt/M -
10.6.73 (Dressel, 1996, p. 195-196)
Na
sessão do Conselho de 17 de março de 1975, o tema da afiliação religiosa ou
religiosa dos bolsistas da ÖSW estava novamente em pauta. Além do aspecto
religioso, houve bastante discussão no interior da OSW sobre a eficácia do
programa e sobre sua orientação. As negociações no decorrer da 17ª reunião do
comitê de bolsas de 18 de novembro de 1975 mostram claramente que, dois anos
passados desde o golpe chileno, as intenções do programa de bolsas de estudos
ecumênicas em relação à ajuda aos refugiados precisavam ser definidas com mais
precisão. Mais uma vez, o Pastor Dressel intervinha,
ʺSe a ameaça à vida puder ser evitada através do
financiamento de uma passagem de avião, certamente deverá ser permitida uma
interpretação generosa de nossos critérios (...). O que deve
acontecer com as pessoas que trazemos para a Alemanha após o curso de idiomas?
Se eles não solicitarem asilo político, não obterão uma permissão de trabalho.
Devemos incentivá-los a solicitar asilo? Mas, se os desencorajamos a solicitar
asilo, como garantir sua subsistência?“ (Dressel,1996,
p. 208).
As
decisões do comitê sobre a admissão ou recusa de refugiados refletem apenas
vagamente a discussão na qual o trabalho da unidade de bolsas de estudo se
baseava na época. No que diz respeito às hesitações eclesiásticas de alguns representantes
da igreja, segundo Dressel, era geralmente possível chegar a um consenso
mínimo. As discordâncias ideológicas também tiveram consequências, como o
término imediato da parceria acadêmica entre a OSW e a Universidade Austral de
Valdivia. Ulrich Wahl, de Valdivia, a
quem foi solicitada uma avaliação da situação na Universidade Austral, disse em
uma carta de 25.1.74,
(...) ʺNo que diz respeito à seleção de candidatos ao programa de
bolsas de estudos, procuramos promover institutos e programas, e não alguns
indivíduos...Mas é claro que é fácil fazer uma escolha politicamente neutra se
os esquerdistas foram demitidos anteriormenteʺ. Para Ulrich Wahl, o programa não estava
comprometido com nenhum programa governamental específico, mas queria promover
candidatos qualificados sem que o livro do partido certo desempenhasse um
papel. (Dressel, 1996, p. 22-229). O segundo relatório sobre a situação no
Chile, de Helmut Frenz quase um mês depois do golpe chileno, datado de 10.10.73,
refletiu a situação conflituosa com as forças de esquerda:
ʺNão posso comentar sobre tortura e tiroteios nesta
circular! Nós cristãos devemos continuar em alerta e gritar quando as pessoas
são feridas em sua dignidade humana. É perfeitamente claro para mim que a
gravidade da violação dos direitos humanos não pode ser medida pela quantidade
de casos. No entanto, as notícias do exterior me fazem enfatizar que a extensão
do derramamento de sangue no Chile é muito menor do que os círculos de esquerda
querem fazer crer ao público mundial. O que podemos fazer?
Formamos uma comissão ecumênica de defesa dos direitos humanos com católicos,
luteranos, metodistas, pentecostais, Conselho Mundial de Igrejas. A propaganda
de esquerda está dificultando nosso trabalho em defesa dos direitos humanos.
Todos os rumores que circulam e são alegados como fatos devem ser revistos. A
precisão é o pré-requisito para nossas açõesʺ.
(DRESSEL, 1996, p. 172)
A
defesa dos direitos humanos, contudo se sobrepunha às divergências ideológicas,
ʺCom o nosso trabalho para os refugiados e os
direitos humanos, muitos de nós caímos no crepúsculo. Muitos pastores estão
sendo observados cética e criticamente por muitos paroquianos. A consciência de
muitos paroquianos é mais ideológica que cristã. Não gostam de nos ver fazendo
campanha por comunistas perseguidos. O desejo de vingança e punição não parece
apenas latente, mas em muitos lugares também se manifesta abertamente. Nossa
crítica à ditadura militar é entendida por pouquíssimas pessoas: quem se opõe à
ditadura marxista logicamente também se opõe à ditadura militar. No entanto, a
ditadura continua sendo um mal que deve ser abolido. As consequências desse mal
agora são sentidas acima de tudo pelos marxistas. É por isso que agora
precisamos defendê-los para que sua dignidade humana seja preservada. No
momento, não se trata de salvar a democracia no Chile, trata-se de salvar
alguns milhares de pessoas do pior. Nossa reputação pode estar perdida. Mas
esse é o preço que temos que pagar pela salvação do irmão humano. O padrão para
nossas ações é Jesus Cristo e não ideologia. (Dressel, 1996, p. 172-173).
A
solidariedade da igreja protestante também foi alvo da esquerda chilena radical
que em um de seus textos, insinuava uma conspiração mundial do capitalismo
contra a militância. No texto, Chile: luchar hasta vencer! o asilo foi entendido como uma política
contrarevolucionária feita para desmobilizar o compromisso com a luta e o poder
de combate na América Latina. Essa era a razão, segundo o artigo, de tantos
militantes serem transferidos para a Europa, local mais fácil para
ʺneutralizá-losʺ (Franja, Una Revista para los Exilados Latino-Americano n° 3,
p. 4 / 15.9.77 Leuven. Dressel, 1996, p. 274).
O texto
foi combatido veementemente pelo ex-deputado do MDB, Lysâneas Maciel, que deixou o
Brasil ajudado pelo Conselho Mundial de Igrejas (Lysanêas Maciel, Cartas ao
Leitor, 25.4.78) (Dressel, 1996, p. 274).
Embora
em alguns setores o radicalismo imperasse, um espírito de união em torno de causas
comuns também ocorreu quando por trás de um ou outro evento na ÖSW o Partido
Socialista do Chile esteve presente, ou quando uma coalizão PS-MAPU-MIR
aconteceu com slogans como: "Fortalecer a resistência com solidariedade
internacional! Pela libertação! Pelo
socialismo"! Pastor Dressel também foi instado a apoiar a causa do
MIR chileno, quando da chegada dos exilados chilenos em Bochum, porém ele
disse, “ coloco meu nome apenas na declaração de
bolsa“. Ele não queria chamar atenção especial para sua pessoa, para,
justamente, poder continuar a ajudar. (Dressel, 2013).
A ideia
corrente na igreja era a de ser cauteloso com as organizações exiladas. Em uma
correspondência ao Departamento de Direitos Humanos da Obra Diacônica dirigida
a Werner Lottje, se declara, ʺ(...) não quero esconder o fato de que não
consigo me livrar da suspeita de sectarismo em relação à organização exilada
...É melhor encontrar uma maneira que permita que as crianças sejam cuidadas e
protegidas sem, ao mesmo tempo, apoiar uma "organizaçãoʺ (Dressel, 1996,
p. 345). Mas, o clima no interior da Igreja e a dificuldade de inserção de
refugiados chilenos continuou ocorrendo, quando nas pautas das reuniões
novamente voltou a se falar das limitaçoes do programa, a se estipular cotas de
entrada nos países europeus e quando a ÖSW passou a sofrer no seu interior, a
discordância de duas igrejas luteranas que se rebelaram contra o bispo Frenz,
considerado um pastor marxista agressivo e apoiador da Teologia da Libertação
(Carta ao Ev. Notgemeinschaft na Alemanha, de 11.6.75, do Dr. Julio Lajtonnyi,
Dressel, 1996, p. 232). O controle das fronteiras também era uma necessidade de
Estado, e a indicação disso, ficou expressa numa carta do Ministro do Interior
datada de 10.5.76 à Obra Ecumênica de Estudos e referente à admissão de
refugiados chilenos na BRD que segundo ele, deveriam passar obrigatoriamente
pelas representações estrangeiras alemãs e pelas autoridades competentes, e não
serem ajudadas por outras organizações
alemãs, o que poderia afetar o procedimento de admissão dessas pessoas.
(Smoydzin, Dressel, 1996, p. 233-234). Defendendo a livre circulação de
chilenos, o Pastor Heinz Dressel mais uma vez se dirigiu em carta ao Ministro
Federal Dr. Maihofer, dizendo,
ʺSou bastante afetado pelo teor da carta de
Smoydzin, porque sacrifica o princípio de livre circulação e liberdade, como
implica a Lei Básica, para o interesse da segurança do Estado (...). A
liberdade de circulação dos turistas também deve ser aplicada sem restrições
aos cidadãos chilenos. Não há absolutamente nenhum risco para a segurança
pública. A propósito, os chilenos que vieram de obras eclesiásticas sabem muito
bem que estão em uma democracia liberal conosco, e até os socialistas
militantes, admitidos aqui pelo governo federal no contexto do "sistema de
cotas", perceberam muito rapidamente que não precisam lutar contra esse
Estado, no qual não há Pinochet nem DINA. Peço a você, querido Ministro, que
demonstre confiança nos responsáveis pelos trabalhos eclesiásticos e que não
leve em consideração os interesses de segurança de Estado que possam ferir as
medidas humanitáriasʺ. (Dressel, 1996, p. 235-236)
A
resposta do Ministro Maihofer foi dada em 25.6.76,
ʺO pedido, no interesse exclusivo dos refugiados
chilenos, é para que refugiados chilenos só possam entrar no país através do
procedimento de admissão. Nesta ocasião, não quero esconder o fato de que, em
casos individuais, as verificações de segurança realizadas em cidadãos chilenos
também forneceram insights que fazem com que sua inclusão na República Federal
da Alemanha pareça incompatível com os interesses de segurança da República
Federal da Alemanha. Não vejo medidas discriminatórias nas verificações de
segurança. Todo Estado tem uma obrigação no interesse de seus cidadãos de
rejeitar possíveis autores de violência em suas fronteiras. Como parte da
emissão do visto, também são examinados membros de outras nações que desejam
entrar no território federal. Desde os eventos de setembro de 1973, cerca de
2.000 pessoas foram recebidas do Chile na República Federal da Alemanha. Assim,
a República Federal está na vanguarda das nações que concederam proteção e
residência aos cidadãos chilenos e continuam a conceder (Dressel, 1996, p. 236-237)ʺ.
Conclusão
No que
diz respeito à justificação teológica do programa de refugiados, pode-se
afirmar que ela nunca foi interrogada. Obviamente, há um consenso geral de que
a proteção da Igreja a perseguidos é uma de suas missões legítimas. A Igreja, e
especialmente a Igreja Luterana, sempre foi dedicada aos refugiados. A Obra
Ecumência de Estudos (ÖSW), deixou sua marca, e já figura como um parágrafo
importante da história do humanismo cristão durante o exilio político
brasileiro, chileno, argentino e outros. O programa de refugiados era
considerado pelos seus integrantes como um programa de paz. Visava a
reconciliação e o respeito incondicional pela integridade da pessoa humana.
Diferentes grupos nem sempre se comportaram adequadamente em seu compromissos
como quisemos mostrar, e a atitude dos círculos protestantes diante da promoção
de refugiados latino-americanos também foi ambivalente, tendo que conviver com
uma ala mais dogmática da igreja, e continuamente com o controle dos órgaos de
segurança de Estado. Apesar de todas as dificuldades,
a ÖSW foi fundamental, porque existiu sempre alguém no interior dela que se
bateu pela vida e pelos direitos dos perseguidos políticos, e essa pessoa foi o
Pastor Heinz Dressel.
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Recibido: 26/02/2020
Evaluado: 30/03/2020
Versión Final: 10/04/2020