Encontro de Saberes. A inclusão
de mestres da cultura popular e seus
saberes no ensino superior
Meeting of Knowledges. The inclusion of “mestres
da cultura popular” and their knowledge in
universities
Daniel Bitter
Departamento de antropología
Universidade Federal Fluminense (Brasil)
danielbitter@gmail.com
Resumo
O Encontro de
Saberes é um Projeto de renovação do pensamento e da prática acadêmica, originado em
2010 na Universidade de Brasília (UnB), e replicado em
diversas instituições de ensino
superior brasileiras. Seu objetivo principal é a inclusão
de mestres das artes e ofícios
dos saberes tradicionais de comunidades indígenas e afro-brasileiras, como professores
colaboradores, em atividades de ensino
e pesquisa em parceria com
docentes da Universidade. O Projeto
fundamenta-se na problematização
dos limites da formação universitária
brasileira, ainda muito
marcada pelo eurocentrismo. Uma consequência
deste desenvolvimento, foi a exclusão de saberes próprios às comunidades afrodescendentes, indígenas e tradicionais,
assim como dos próprios sujeitos desse conhecimento. Esse processo foi acompanhado
de uma notável hipertrofia
da escrita e consequente atrofia da oralidade, da memória longa e da corporeidade nos processos de produção e transmissão de conhecimentos. Neste artigo exploro alguns
aspectos dessa pedagogia
patrimonial e intercultural, a partir de minha própria experiência como membro
do grupo Encontro de Saberes na
Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói-RJ.
Palabras
Clave
saberes tradicionais;
mestres da cultura popular; universidade,
educação patrimonial; oralidade.
Abstract
The Meeting of
Knowledges is an innovative project that seeks to renew academic thinking and
practice, originated at the University of Brasília (UnB)
in 2010. Its main objective is the inclusion of people with acknowledged higher
knowledge (mestres e mestras
da cultura popular) from indigenous and
Afro-Brazilian people, as collaborating professors, in teaching and research
activities in partnership with professors of the University. As a result of
this initiative, several Brazilian and even foreign universities began to
replicate the experiment in their undergraduate and graduate courses. The
Project is based on the problematization of the limits of Brazilian university
education, which is still very marked by Eurocentrism. A consequence of this
development was the exclusion of knowledge specific to Afro-descendant,
indigenous and traditional communities, as well as the subjects of this
knowledge. This process was accompanied by a notable hypertrophy of writing and
the consequent atrophy of orality, long memory and embodiment in the processes
of production and transmission of knowledge. In this article, I explore some
aspects of this heritage and intercultural pedagogy, based on my own experience
as a member of the Meeting of Knowledges group at Universidade
Federal Fluminense (UFF), Niterói-RJ.
Keywords
traditional knowledges; mestres da cultura popular; university; heritage education; orality.
Introdução: desigualdades no
ensino superior e o Encontro de Saberes
É notório que as universidades brasileiras desempenham
um papel muito significativo na formação educacional, assim como na produção e
difusão da ciência, tornando-se um marco do período moderno republicano. A
despeito da magnífica herança que nos legou e da necessidade de a mantermos e
ampliarmos, é, também, urgente realizarmos sua crítica e promovermos sua
transformação. Se é verdade que a formação superior constitui importante
instrumento de mobilidade social, esta tem, por outro lado, reproduzido
tragicamente as desigualdades históricas que caracterizam a sociedade brasileira.
As instituições de ensino superior brasileiras foram
criadas a partir dos modelos europeus e tendem, desde então, a reproduzir as
segregações sociais, étnico-racias e epistêmicas
instituídas ao longo de séculos do regime escravocrata e colonialista.
Como sugerem Carvalho e Flórez
(2014, p. 132),
Nuestra
hipótesis de trabajo es que una característica
primordial de la colonialidad
tal y como se instaló en América Latina y el Caribe, fue consolidar instituciones académicas que funcionaron
como réplicas casi exactas
de instituciones educativas modernas creadas en Europa a inicios del siglo XIX, siguiendo modelos de reforma tales como la
napoleónica en Francia y la humboldtiana
en Alemania.
Neste modelo, o conhecimento é organizado em
departamentos e áreas que raramente se comunicam, colocando-se uma ênfase sobre
a racionalidade instrumental, a excelência, o mérito, a objetividade, a
inovação e a neutralidade. Ao analisar o desenvolvimento do conhecimento
científico pelo prisma da antropologia, Burke (2003) observa que o ideal do
polímata, ou seja, do sábio exercendo competências em variados domínios, é
gradualmente substituído pelo intelectual moderno especializado. A imagem do
conhecimento como uma grande árvore com suas ramificações e raízes oferece uma
representação convincente do modo com que natureza e cultura formavam uma
unidade na tradição da ciência antiga. Porém, uma imagem talvez menos
hierárquica para expressar a heterogeneidade e complexidade dos saberes, seja a
de rizoma, proposta por Deleuze e Guattari (1996). Nessa direção Stengers propõe que,
Pode-se talvez objetar caso se entenda
que o rizoma é uma figura de anarquia. Sim – mas de uma anarquia ecológica,
porque ainda que as conexões possam ser produzidas entre quaisquer partes
de um rizoma, elas também devem ser produzidas. Elas são acontecimentos,
ligações – como a simbiose. Elas são aquilo que é e permanecerá heterogêneo
(2017, p. 5).
Como consequência das mudanças operadas dentro da
visão de mundo Iluminista, houve uma cisão entre as ciências exatas de um lado
e as ciências humanas de outro, cuja (re)aproximação
mais recente tem sido experimentada de forma ainda incipiente. Esse processo foi, ainda,
acompanhado de uma notável hipertrofia da escrita e consequente atrofia da
oralidade e da corporeidade nos processos de produção, preservação e
transmissão de conhecimentos. Outro aspecto que parece caracterizar a
ascensão desse modo de produção e difusão de conhecimento, associado ao advento
das universidades modernas, é a valorização da memória textual, em detrimento
da memória oral ou da chamada “arte da memória” (Yates, 2007), fundada na
mnemotécnica das imagens e lugares.
Como escrevem Águas e Carvalho (2015, p. 1020-1021), referindo-se
a este amplo modelo de conhecimento,
No momento em que esse paradigma foi
criado, o Ocidente vivia o auge de seu poder sobre o resto do mundo e não havia
nenhuma dúvida, na cabeça dos acadêmicos europeus, de que sua ciência era
superior a qualquer outra tradição intelectual desenvolvida pelas demais
civilizações, vivas ou mortas. Parte desse saber aceito como incontestável foi
uma forma de transmissão do conhecimento - uma pedagogia - racionalizada nos
currículos. E todo esse arranjo foi pensado exclusivamente para uma sala de
aula composta por estudantes de origem e formação intelectual europeia,
falantes de idiomas europeus e - obviamente - pertencentes ao fenótipo europeu
branco dominante.
Todo esse conjunto de premissas ainda não havia sido
questionado até muito recentemente, dado o peso institucional das universidades
e a profundidade com que o racismo estrutural se estabeleceu na sociedade
brasileira, naturalizado e invisibilizado pelo “mito da democracia racial” (Candau & Oliveira, 2010).
Seu aspecto talvez mais crítico parece referir-se à
grave exclusão dos saberes de povos autóctones e, o que é ainda mais
importante, dos próprios sujeitos desses conhecimentos. Santos (2002)
argumentou que uma concepção particular e hegemônica de temporalidade e de
história tornou-se a marca da racionalidade moderna
ocidental, cuja consequência foi a retração do presente e a expansão do futuro.
O resultado desta compreensão universalista e totalizante do mundo contribuiu
para suprimir a diversidade de experiências sociais. Como o autor escreve,
Não há uma maneira única ou unívoca de
não existir, porque são vários as lógicas e os processos
através dos quais a ‘razão metonímica’ produz a não-existência do que
não cabe na sua totalidade e no seu tempo linear (idem, p. 246)”. O autor
argumenta que o presente deve, portanto, ser dilatado, de modo a revelar a
riqueza das experiências sociais e, para isso, sugere a elaboração do que
denomina de uma “sociologia das ausências.
Carvalho (2005), por sua vez, sugere que
desenvolveu-se um verdadeiro silenciamento crônico frente
à exclusão racial
no mundo acadêmico, desde a consolidação das
primeiras universidades públicas
no Brasil, na
década de 1930.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (PNAD-IBGE, 2019), os negros, considerados os auto-declarados
pretos e pardos, são a maioria da população com 56,2%[1]
do total. Apesar disso, eles ainda são minoria nas posições de liderança no
mercado de trabalho e entre os representantes políticos, figurando como uma
parte ínfima na magistratura. Quando se observa o número de docentes negros nas
universidades, essa desigualdade é abissal. Carvalho (2006) sugere que no
início dos anos 2000, as maiores universidades públicas brasileiras
apresentavam cerca de 1% de docentes negros e este cenário ainda não mudou
muito, até o momento.
Somente nas últimas décadas com o impulso dos
movimentos sociais, os quais cumpriram um papel relevante na defesa de direitos
populares inscritos na
Constituição Brasileira de 1988 (Brandão, 2011), foi que iniciou-se um amplo debate sobre a necessidade de se
instituir políticas reparadoras para populações vulneráveis, indígenas e
afrodescendentes. Sintomaticamente, foi neste mesmo período que desenvolveram-se, de forma mais sistemática, as políticas de reconhecimento e
salvaguarda do patrimônio imaterial brasileiro, especialmente a partir
da promulgação do Decreto 3.551[2] de 2000
que institui o Registro de bens de natureza imaterial. Foi ainda relevante a
implementação das Leis Federais nº 10.639[3]
de 2003 e nº 11.645[4] de 2008
que tornam obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena no ensino fundamental e médio, e que é fruto, sobretudo, da luta anti-racista do movimento negro e da resistência dos povos
indígenas. Como escreve Santos (2005, p. 34),
Os movimentos sociais negros, bem como
muitos intelectuais negros engajados na luta anti-racismo,
levaram mais de meio século para conseguir a obrigatoriedade do estudo da
história do continente africano e dos africanos, da luta dos negros no Brasil,
da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade nacional
brasileira. Contudo, torná-los obrigatórios, embora seja condição necessária,
não é condição suficiente para a sua implementação de fato.
A adoção do sistema de ingresso de estudantes por meio
de cotas sociais e étnico-raciais pelas universidades públicas foi consolidada
principalmente por meio da lei nº 12.711[5],
de 2012, conhecida também como Lei de Cotas, depois de um longo processo de
lutas[6].
O resultado dessas ações levou em 2018 a que
estudantes pretos e pardos passassem a compor maioria nas instituições de
ensino superior da rede pública (50,3%)[7].
A melhora do indicador é relevante, entretanto sinaliza que esta categoria
continua sub-representada.
Esse conjunto
de avanços na garantia constitucional de direitos permitiu uma maior
participação dos segmentos detentores dos saberes tradicionais como agentes do
Estado, relativamente à proteção e difusão de seu patrimônio, muito embora,
inúmeros entraves ainda tenham de ser superados.
No que diz
respeito às universidades, entretanto, a adoção destas políticas de ação
afirmativa não veio necessariamente acompanhada de uma revisão dos currículos e
das práticas pedagógicas, de modo a incluir os próprios saberes, sensibilidades e cosmovisões dos ingressantes negros e
indígenas. Por outro lado, os saberes das comunidades autóctones e dos povos
tradicionais frequentemente estão presentes na universidade, porém, abordados a
partir do olhar e das análises do outro, geralmente, como objetos de estudo.
Neste contexto, o
Encontro de Saberes surge como um Projeto inovador, que busca reagir à crise
desse modelo universitário, de forma a promover um processo de inclusão
epistêmica complementar à inserção de estudantes através das cotas. Foi inicialmente gestado na Universidade de Brasília
(UnB), a partir de 2010, e seu objetivo principal é a incorporação de mestres
das artes e ofícios dos saberes tradicionais como professores colaboradores em
atividades de ensino e pesquisa, em parceria com docentes da Universidade. A
partir dessa iniciativa, diversas universidades brasileiras, e mesmo
estrangeiras, passaram a replicar o experimento em seus cursos de graduação e
pós-graduação. Até 2020 foram contabilizadas dezesseis universidades que haviam
oferecido alguma disciplina relativa ao Projeto (Carvalho & Vianna, 2020).
As atividades do Encontro dos Saberes apóiam-se em um conjunto de normativas nacionais e
internacionais que, por sua vez, regulamenta a Lei 12.343/2010, que institui o
Plano Nacional de Cultura (PNC)[8]. Em seu
artigo 2º estabelece objetivos, dos quais destaco os dois a seguir: estimular a
presença da arte e da cultura no ambiente educacional; reconhecer os saberes,
conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus detentores.
Esse conjunto de normas visa a proteção e difusão dos
patrimônios imateriais e da diversidade cultural. Ao promover a inclusão dos
saberes dos mestres e mestras da cultura popular nas universidades, o Projeto
constitui-se como uma modalidade de educação patrimonial.
Como escreve Vianna (2020),
O mero reconhecimento da diversidade
cultural e o diálogo com a sociedade para o reconhecimento do patrimônio não
são suficientes para a efetividade da política da salvaguarda do patrimônio
cultural, pois não há simetria real entre as partes, espelhamento do Estado e
Nação. Os meios de alcance desta efetividade vão se completando quando a
inclusão destes segmentos de detentores começa a se dar por meio de políticas
afirmativas no ensino superior, na pesquisa, nos postos de trabalho no interior
do Estado (p. 203).
Ao longo dos doze anos de existência do Encontro de
Saberes, já se produziu uma literatura crítica significativa. Entretanto, considero
que a produção de análises sobre relatos de experiências concretas ainda seja
relativamente escassa. Neste sentido, proponho contribuir para essa discussão,
explorando alguns aspectos dessa pedagogia intercultural e patrimonial, a partir de minha própria
experiência como professor integrante do Encontro de Saberes na Universidade
Federal Fluminense (UFF), Niterói-RJ. Nos anos de 2018 e 2019[9]
ofereci, juntamente com outros colegas, a disciplina Toques e Cantos da Cultura
Popular, como parte do ementário do Departamento de Antropologia. Sua ementa
concentrou-se na abordagem de três performances culturais presentes no estado
do Rio de Janeiro: jongo, candomblé e cantoria de viola[10].
Apresento a seguir uma definição mínima dessas
performances para os leitores não familiarizados, já assumindo que sua
simplificação é praticamente inevitável. Cada uma dessas
performances são universos extremamente complexos, sobre as quais já se
produziu vasta literatura. Além do risco de reducionismos, enfrento outra dificuldade:
a da terminologia a usar, uma vez que somos permanentemente confrontados com as
múltiplas possibilidades de sentido das palavras. Assim, as práticas às quais
me refiro neste texto são performances, mas são, também, expressões culturais,
artísticas ou ainda, tradições. Elas são tudo isso e muito mais do que as
palavras são capazes de capturar ou definir. Algumas destas designações
encontram correspondência com as definições nativas, mas, em todo caso, todas
têm algum grau de arbitrariedade e, por isso, não me furto em usá-las em
momentos distintos do texto, o que me parece conferir uma representação mais
complexa a estas práticas. Sugiro, assim, aprendê-las através da rica noção de
“fatos sociais totais” sugerida por Mauss (2003),
pois, nestes fenômenos se inscrevem dimensões políticas, econômicas, jurídicas,
religiosas, rituais, estéticas, morfológicas, etc. São “totais”, também, pela
condição de mobilizarem simultaneamente indivíduos e coletividades, por
reunirem matéria e espírito, corpo e alma, além de mobilizarem forças e
relações não exclusivamente humanas.
O jongo ou caxambu é uma forma de expressão que
integra toque de tambores, canto e dança, com presença na região sudeste do
Brasil. Era praticado pelos trabalhadores escravizados de origem bantu, nas lavouras de café e de cana-de-açúcar, como forma
de lazer e resistência à dominação colonial. Seus praticantes formam uma roda
e, ao som de dois ou três diferentes tambores, dançam em pares no centro, cantando os chamados
pontos, versos poéticos memorizados. Os jongueiros mais antigos dizem que os
pontos serviam à uma comunicação cifrada entre os escravizados. O jongo
tornou-se patrimônio imaterial brasileiro em 2005[11].
O Candomblé é uma tradição religiosa de matriz
africana encontrada em muitas regiões do Brasil, com distintas denominações e
variações. Trata-se de um conjunto de rituais que se diferenciam nas chamadas
nações. O candomblé ao qual este texto se refere, define-se como nação ketu, com origem
na região africana bantu, no qual
predominam o culto aos orixás e os ritos de iniciação iorubá. Seus terreiros
mais antigos localizados no estado da Bahia são também os mais conhecidos e
notórios. Um aspecto importante deste culto é a experiência do transe, por meio
do qual os orixás se manifestam no corpo dos iniciados para serem louvados. Sua
presença mobiliza o axé: princípio de vida, força vital e sagrada dos orixás. O
candomblé sempre foi muito perseguido, primeiramente pela polícia e mais
recentemente pelos adeptos de religiões pentecostais. (Prandi,
1997).
A cantoria de viola é uma performance em que dois
poetas rivalizam, improvisando versos ao som de suas violas, a partir de
modelos poéticos tradicionais. Os poetas apresentam-se diante de um público,
que exerce uma participação fundamental. Segundo Tavares (2008), um dos maiores
estudiosos do assunto, a prática da cantoria de viola originou-se no nordeste
brasileiro, numa região denominada Cariris Velhos, ainda no século XIX. Posteriormente, essa performance se difundiu
para várias regiões do Brasil, a partir de movimentos migratórios.
Breve histórico e
caracterização do Encontro de saberes
O Encontro de Saberes é um movimento que procura
renovar a universidade, propondo torná-la mais pluriespistêmica
e plurilinguística. Seu objetivo consiste em incluir saberes tradicionais de
comunidades afro-brasileiras, indígenas, quilombolas, comunidades urbanas, agro-extrativistas, através da participação de mestres das
artes e ofícios tradicionais como professores colaboradores. Trata-se de
mestres e mestras que detém conhecimentos sobre temas diversos, tais como,
plantas terapêuticas e comestíveis; xamanismo; construção de casas, barcos,
ferramentas e instrumentos musicais; tradições religiosas e rituais; danças e
músicas tradicionais; práticas poéticas e performativas, economia não
monetária, técnicas de manejo agro-florestal; pesca;
línguas indígenas e africanas; cosmologias; narrativas míticas, etc.
Foi iniciado na Universidade de Brasília em 2010, sob
direção de José Jorge de Carvalho, no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI/UnB), que
integra o Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil.
De acordo com os
protocolos desenvolvidos pelo INCTI/UnB os mestres e mestras devem ser
remunerados por seu trabalho como professores e recebem o equivalente a uma
bolsa de professor doutor visitante pelo padrão da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A
realização das disciplinas requer, portanto, a obtenção de recursos financeiros
para suprir diversos custos, tais como, remuneração de mestres, mestras e
aprendizes, transporte, alimentação, hospedagem, materiais de áudio visual,
etc.
A implementação
do Encontro de Saberes requer, ainda, uma reformulação de novos protocolos administrativos,
jurídicos, prático-teóricos para permitir a execução das disciplinas e incluir
saberes e corpos excluídos das universidades. A realização do Projeto demanda
uma ampla reformulação dos procedimentos institucionais, de forma a permitir
que pessoas não diplomadas também possam lecionar ao lado dos professores
doutores (Carvalho & Vianna, 2020)[12]. Um
dos caminhos para o reconhecimento e contratação daqueles que não possuem
títulos de mestrado e doutorado é a outorga do título de Notório Saber, o que
exige a avaliação de um Conselho Universitário quanto à equivalência do saber
dos mestres tradicionais ao de um acadêmico com doutorado.
O Projeto tem, portanto, implicações na
transformação institucional e pedagógica das universidades, o que traz imensos
desafios, como se pode imaginar. De saída, devo admitir que promover um tal
“encontro” não é, evidentemente, nada simples e que a construção destas
aproximações não se dá de forma neutra.
“O que uma
experiência de encontro coloca em relação são práticas heterogêneas, as
quais não podem
usar o encontro
para abstrair ou negligenciar essa
heterogeneidade. Em outras palavras, em
um encontro de
saberes, ninguém, a rigor,
pode falar em
seu nome, pois,
na medida em que há
um encontro, não existe posição que permita totalizar o
seu sentido. (Barbosa Neto & Rose & Goldman, 2020).
O programa Encontro de Saberes UFF é um desdobramento
do Projeto piloto da UnB e
sua gênese se inicia com a formação de um grupo de professores dos mais
diversos departamentos, entre os quais, antropologia, educação, produção
cultural, psicologia, letras, ciência ambiental, artes e história. Esses
professores começaram a se reunir em 2016 em fóruns regulares, a partir de uma
primeira visita do Prof. José Jorge de Carvalho a esta universidade, após a
qual se seguiram muitas outras em eventos promovidos pelo grupo. Esse processo
culminou com a parceria formalizada entre a Prograd/UFF
e o INCTI/UNB em 2018, o que foi fundamental para concretizar a oferta de
disciplinas na graduação. O grupo, hoje acrescido por estudantes, mantém
reuniões semanais dedicadas a diversas atividades, incluindo estudos,
pesquisas, produção de audiovisual e organização de disciplinas, entre outras.
A administração acadêmica superior da UFF assumiu o
Projeto como um programa institucional da Pro-reitoria
de graduação e tem acompanhado com muito interesse seus desdobramentos. Apesar
de suas modestas dimensões, o Projeto tem gradualmente atraído professores e
estudantes interessados em sua proposta.
A disciplina Toques e cantos da cultura popular
A disciplina Toques e cantos da cultura popular foi
oferecida, dentro do Programa Encontro de Saberes UFF, nos segundos semestres
de 2018 e 2019. O programa do curso contém três módulos correspondentes às
distintas formas de expressão da cultura popular: jongo, candomblé e cantoria de viola e foi elaborada pelos professores parceiros em
conjunto com os mestres e mestras convidados. Nos meses que antecederam
à realização da disciplina, esses professores e os estudantes monitores
realizaram visitas às comunidades para a organização conjunta do programa e para
o esclarecimento de todas as questões envolvidas. Os convidados participaram
com sugestões relativas ao número de aulas necessárias, conteúdo, indicação dos
aprendizes que deveriam participar e vários outros aspectos. Foram combinadas
também visitas de campo da turma para colocar os estudantes em contato direto
com os territórios de tradição, sobre as quais não tratarei neste artigo para
não alongá-lo demasiadamente.
As aulas das
edições 2018 e 2019 ocorreram uma vez por semana em sessões de quatro horas ao
longo de dezesseis semanas, aproximadamente. Cada mestre ou grupo de mestres e aprendizes apresentou três aulas e, no intervalo entre os módulos, foi realizada
uma aula sem a presença dos mestres, quando desenvolveu-se
uma discussão com os estudantes, em diálogo com materiais anteriormente
disponibilizados: textos, audiovisuais, etc. Nestes momentos, foram feitas
avaliações gerais das aulas anteriores com o objetivo de entender melhor a
recepção dos estudantes, dando oportunidade para que cada um se manifestasse a respeito de
sua experiência.
As aulas se
realizaram numa sala ampla do bloco A do Campus Gragoatá-UFF.
A recepção dos mestres e mestras no campus universitário, exigiu intensa
mobilização, organização e cuidado de toda a equipe. Em geral, os convidados
chegavam com bastante antecedência e faziam uma refeição com o grupo, enquanto
tratavam dos últimos detalhes. A cada aula, a sala precisou ser preparada para
as gravações de audiovisual e para a atividade, com a disposição dos
instrumentos musicais e das cadeiras em roda, de modo que o espaço central
fosse usado para atividades práticas, como a dança[13].
A disciplina
recebeu por volta de 60 inscrições de estudantes, em cada edição, oriundos dos
mais diversos cursos das áreas de Humanas, como antropologia, artes, cinema,
psicologia, educação, produção cultural, ciências sociais, letras, etc. Quanto
ao perfil destes estudantes, trata-se majoritariamente de jovens entre 20 e 25
anos, cerca de 50% dos estudantes eram oriundos de escolas públicas, sendo que
grande parte destes, compõem os extratos mais desfavorecidos da sociedade.
Interessante observar que alguns poucos estudantes já mantinham uma relação
anterior com religiões de terreiro, demonstrando seu conhecimento através de
suas declarações ou nos momentos de canto e dança. É fácil perceber quando os
estudantes têm ou não alguma familiaridade prática com estas tradições e o
momento em que são convidados a dançar é revelador.
Todas as aulas
foram integralmente gravadas com o propósito de constituir um acervo documental
para a elaboração de material didático a ser publicizado e para o
desenvolvimento de pesquisas. O grupo Encontro de Saberes UFF está, no momento,
editando o material, e comprometeu-se a entregar uma cópia a todos os mestres e
mestras envolvidos, entendendo-se que este gesto contribui para o
fortalecimento e a difusão de suas práticas.
A seguir destaco
alguns aspectos dessa pedagogia intercultural focalizando os módulos de jongo e
candomblé. A razão pela qual decidi não tratar do módulo de cantoria de viola,
entretanto, é de relevância para a discussão que aqui proponho. Cantoria de
viola passou, nas últimas décadas, por um processo de profissionalização muito
intenso, de modo que muitos de seus praticantes passaram a se perceber como artistas
autônomos e a ver sua prática como um ativo econômico. Em minha avaliação,
compartilhada pelos meus colegas de docência, não conseguimos realmente
estabelecer um entendimento comum entre os professores e os mestres de
cantoria, de que a atividade a ser realizada na disciplina, deveria ser
pedagógica e não estritamente performativa. Muitos sinais nos indicaram que os
repentistas lidaram com a situação como qualquer outra em que realizam uma
apresentação poética em troca do pagamento de um cachê. Noto que o grupo
Encontro de Saberes não tem por intenção contratar grupos para realizarem suas
performances e espetáculos para os estudantes. Aliás, o problema da
“espetacularização” das culturas populares no contexto do capitalismo já foi
objeto de problematização por parte de Carvalho (2010). Essa divergência trouxe
dificuldades para o estabelecimento de uma prática pedagógica plena, no caso da
cantoria de viola, em que pese o fato de que a mercantilização e
espetacularização fazem parte dos processos pelos quais as culturas populares
se ajustam às pressões do capitalismo globalizado (Canclini, 1984).
Aspectos de uma pedagogia intercultural e pluriespistêmica
Os mestres e
mestras de tradições são detentores de saberes vivos integrados aos territórios
de onde se originam. Os métodos de transmissão desses conhecimentos
tradicionais são bem variados e, normalmente, mobilizam a oralidade, a escuta,
as disposições corporais e a prática cotidiana num processo que envolve emoção,
intuição e sensibilidade.
A pedagogia do
Encontro de Saberes procura restituir o potencial da oralidade e de sua
memória. Como Fentress
e Wickham (1992) observam, a história da memória oral no Ocidente é a história
de sua rápida desvalorização em favor do estabelecimento do paradigma textual
de conhecimento. Além disso, a memória tendeu a recuar para o plano pessoal e
privado. Os autores notam que a escrita não apenas congela a memória, como a
congela sob formas textuais que evoluem de maneira bastante diferente das que
servem à memória oral. Goody (2012), por sua vez,
assinala o aspecto criativo da cultura oral, pois ela se recria o tempo todo,
já que não se fixa em formas estáveis, como a escrita.
Diversos autores notaram que a memória oral é
fundamentalmente uma memória visual e espacial, tal como se articulou na antiga
“arte da memória”, na memória artificial e na mnemotécnica (Yates, 2007). Essa
memória orienta-se pela retenção de imagens na sua integralidade, assim como no
caso da retórica e da poesia dos aedos na Grécia arcaica e das variadas formas de poesia oral
contemporâneas. Ao abandonar as técnicas mnemônicas, a universidade moderna
rejeitou a prática da memória longa, passando a formar gerações de cientistas,
humanistas e profissionais de memória curta. (Águas & Carvalho &
Vianna, 2015, p. 764).
Os mestres e mestras do Encontro de Saberes contam
histórias, narrativas míticas, saberes estes que herdaram dos mais antigos e
que constituem um relevante patrimônio imaterial. Para eles, o tempo mítico e
histórico são extensivos. Como sugerem Águas e Carvalho, “Do lado das tradições
religiosas afrodescendentes, estão também narrativas míticas e formas rituais
que desafiam as ontologias ocidentais clássicas (2015, p. 1040)”. Para
exemplificar este tópico, faço referência às aulas do mestre Kotoquinho, que faz amplo uso de narrativas míticas dos
orixás para transmitir seu conhecimento e sua cosmovisão. Em sua maneira de
pensar, não há uma separação ou hierarquização, a priori, entre mito e o que se
pode denominar de realidade. As forças cósmicas, às quais os mitos se referem,
estão presentes nos terreiros assim como estão presentes nas salas de aula.
Em sua primeira aula no Encontro de Saberes, mestre Kotoquinho
apresentou sua biografia, que se mescla com a gênese dos grandes terreiros de
candomblé de Salvador, Bahia, onde nasceu. Seu saber mistura-se à sua biografia,
de modo que, ao ensinar, o mestre revela também quem ele é. (Carvalho & Vianna, 2020).
Ele não é apenas um intermediário, um transmissor do saber, mas o próprio
saber.
Ao descrever o surgimento dos terreiros na Bahia,
mestre Kotoquinho faz referência ao papel que os
capoeiristas tiveram na defesa de seus territórios religiosos contra a
perseguição policial, através do domínio corporal e técnico de uma dança e uma
luta marcial, com o auxílio de seus orixás[14].
Segundo Kotoquinho, “Quando estávamos na senzala
fazendo capoeira, estávamos estudando como nos defender. Capoeira é uma dança,
mas é também uma luta”.
Nos contextos dos terreiros de candomblé, o mestre
explica que,
Quando a gente tocava, batia os
atabaques, eles vinham [a polícia]. Quem defendia os terreiros? Os
capoeiristas. Todos eles são de orixá. São de Ogum, Oxóssi ou Xangô. A gente
tocava e os mestres vinham pra frente. Aqueles que eram muito devagar, de Oxalá,
ficavam na retaguarda, só com o berimbau. Os mestres de Ogum, Xangô e Oxóssi
vinham pra frente. Hoje, dentro do candomblé, se tem o ogã de sala… O Ogã de
sala é sempre um homem de Oxalá... Ele fica sempre dentro do barracão olhando
as coisas, vendo quem entrou e saiu… vendo como está a questão da roça... E
dentro do quilombo sempre existiu isso... A gente começa a pedir licença aos Exús pra segurar eles lá, porque vinham de lá pra cá, pra
querer fazer bagunça na casa. A gente já plantava eles lá…
Mestre Kotoquinho canta uma
cantiga em iorubá e em seguida fala, “Depois, a gente pede pra
Ogum olhar todo mundo e ficar lá na outra esquina tomando conta da casa, porque
ele é guerreiro. Os capoeiristas estavam olhando tudo, mas já era o orixá que
estava neles”.
Através de suas palavras e gestos, Mestre Kotoquinho aborda a questão do cuidado que é preciso ter no
terreiro, assim como na vida cotidiana e nos encontros humanos. O mestre revela
que cuidar uns dos outros é uma atitude fundamental que se manifesta num terreiro
de candomblé, que se reveste de um sentido de resistência política. Tal
conhecimento foi gradualmente sendo incorporado, através de sua reiterada
prática.
Para o mestre, cada orixá possui traços de
personalidade convergentes com as condutas de seus iniciados na vida extra
ritual. Trata-se de um fenômeno complexo que envolve a relação dos iniciados
com forças naturais e cósmicas. Kotoquinho não separa
a pessoa e o orixá. Elas formam um duplo na experiência abrangente do transe
ritual, concepção esta que se choca com a ideia de (in)divíduo
ocidental. A experiência do êxtase religioso tem sido tratada com suspeita pelo
discurso científico. Como escreve Goldman,
A suposta racionalização progressiva das
práticas religiosas e intelectuais dos gregos, o combate efetuado pela Igreja
Católica contra todos aqueles que se arriscam a um contato não-intermediado com
o sagrado e a medicalização das práticas espíritas são apenas algumas das faces
dessa exclusão global que o Ocidente tem imposto àqueles que buscam a
experiência direta do sagrado tendo como único intermediário seus próprios
corpos (1985, p.22-23).
Ao longo de sua narrativa, mestre Kotoquinho
toca atabaque e canta, combinando diversas linguagens expressivas. O discurso oral aparece de forma
cantada, rezada ou mesmo versada, conforme a situação e o contexto. Em
suas palavras,
As águas vão para um lado, as águas vão
para o outro… Quando a gente toca para Iemanjá, quando a gente vai puxando,
pedindo para Ologum, às profundezas do mar… Venha! Me traga as águas… pedindo à Iemanjá que nos
proteja... As cantigas nossas do candomblé e de terreiro, tudo tem um
significado importante. Tem uma cantiga que fala daqui (aponta para os pés) à
cabeça, ao nosso crânio, que é o ori. E nisso tudo
aqui, na nossa ará, a gente vai unindo, unindo, unindo
e fazendo, sabe o que? a festividade: o samba de roda.
Enquanto mestre Kotoquinho
apresenta essas explicações, ele faz gestos com o corpo, usando os braços e as
mãos, simulando o movimento das águas e vocalizando termos em iorubá. Percebe-se
bem a força ativa das
palavras, das imagens e dos gestos nas tradições populares. A memória
oral coletiva não se reduz à sua instrumentalidade, desempenhando um papel
crucial no modo como estes mestres e suas comunidades constroem suas
cosmologias.
Outro aspecto a destacar diz respeito aos temas e conteúdos tratados nas
aulas, que articulam os mais diversos domínios: música, religião, magia,
comida, dança, moralidades, espiritualidade, etc,
enquanto estes são quase sempre separados na estrutura disciplinar e
departamental universitária.
Assim, um aspecto que caracteriza os saberes de
mestres e mestras de tradição, é seu “polimatismo”.
Como escrevem Carvalho e Vianna, (2020, p.35)
Se o cientista é o que sabe o que a
maioria não sabe, o mestre é cientista no plural, isto é, o que sabe, sozinho,
vários tipos e áreas do conhecimento que somente a soma de muitas pessoas sabe.
A polimatia é uma forma de conhecer generalizada nas comunidades tradicionais,
e alcança a condição de mestre aquele que a exerce com uma habilidade
excepcional.
A ideia de “polimatismo”
parece se aproximar da noção de “fato social total” de Marcel Mauss (2003), já invocada no início do texto. Mauss e Durkheim (1978), além disso, alertaram para a
coerência e singularidade dos sistemas classificatórios e de categorias de
pensamento de sociedades não ocidentais, que tendem a ser relacionais. Dentro
desta perspectiva, os domínios do material e do espiritual, que a metafísica do
ocidente moderno tratou de manter separados, se imbricam na concepção de
mestres e mestras das tradições populares. No jongo, por exemplo, o tambor, que
é um instrumento musical de grande importância, não é considerado um objeto
inerte, mas um ser vivo, e até mesmo uma espécie de pessoa (Mauss,
2003). A dicotomia entre corpo e alma, matéria e espírito não é universal, mas
um desenvolvimento específico da concepção racionalista cartesiana. O tambor
torna presentes os ancestrais e outras forças cósmicas no contexto de um
terreiro de candomblé ou em uma roda de jongo. Para iluminar este tópico, trago
a situação de aula a seguir.
Mestre Jefinho, em sua primeira aula de jongo, explica que essa
performance se inicia sempre com um ponto[15]
de abertura e que é neste momento que os tambores devem ser reverenciados,
sendo esta a forma ritualmente adequada de se entrar
numa roda[16].
Pra fazer o jongo, nós precisamos ter
isso aqui [mostra um tambor]. Tivemos que perder duas vidas pra a gente fazer
nossa felicidade acontecer... Uma árvore e um bicho. Tem o tronco de madeira e
o couro… e a saudação nossa lá no Tamandaré também tem a ver com os orixás.
Muita gente gosta de se benzer no tambor em Tamandaré. Agradecer especialmente
aos que já morreram. Alguns se benzem na frente do tambor. Eu particularmente
gosto de bater no couro e na madeira em agradecimento a esses dois seres vivos
aqui e agradecer principalmente aos que já morreram. A gente saúda o povo do
lugar do dono da casa e os orixás.
Mestre Jefinho canta seu ponto de abertura, “Eu vou
abrir meu Canjuê / Eu vou abrir meu canjuá. / Primeiro eu peço a licença / Pra rainha lá do
mar… / Pra saudar a povaria / Eu vou abrir meu Canjuê.” Em seguida o mestre explica, “Canjuê
é nossa casa, nossa roda… É a rainha do mar. É Iemanjá que guardou a nossa
chegada aqui”.
Na sequência,
mestra Fatinha fala sobre a importância dos tambores para esta tradição e a
obrigação ritual de reverenciá-los na abertura da roda de jongo. Fatinha também
assinala a centralidade do tambor no jongo. Em uma de suas aulas ela relata
que,
A
gente trabalha com dois tambores: tambor grande e candongueiro... os nossos
tambores são artesanais e são feitos da mesma forma que eram feitos pelos
negros na época da escravidão. A gente usa o tronco da embaúba que é uma árvore que não é nobre. Ela tem o tronco oco,
então cava um pouco mais… e a barrica de vinho, que vinha de Portugal. ...O
nosso tambor fala pra caramba e pra ele falar mais alto, ele é aquecido na
fogueira. A gente segue todo o ritual, o ritual pra encourar. Lá a gente não
bate em atabaque. O grupo de jongo de Barra do Piraí… eles produzem esses
tambores e tem todo um ritual pra cuidar dos tambores… Jongo tem um axé, seus
preceitos rituais. Os tambores pra nós é fortíssimo. Não só pra nós, pros
sambistas… e a gente tem uma maneira de tratar o tambor que é ritual.
A pedagogia do Encontro de Saberes promove novos
sentidos para a sala de aula. Os mestres frequentemente realizam procedimentos rituais para
a preparação da sala de aula, dos estudantes e para o início do curso, seguindo
rotinas que são adotadas na abertura de uma roda de jongo ou de um ritual de
candomblé em seus territórios de origem. Há uma homologia entre a abertura de
uma roda de jongo e a abertura de uma disciplina do Encontro de Saberes. Ambos
os territórios precisam ser preparados: o terreiro e a sala de aula. Nesses
contextos, cantigas são entoadas e pedidos de proteção são realizados para
“abrir caminhos”. A sala de aula torna-se, em certo sentido, o território
sagrado destas performances. A respeito da necessidade de saudar as entidades,
Mestra Fatinha diz o seguinte, “Quando a gente inicia as rodas de jongo tem que
ter uma saudação ao dono da casa, ao tempo, à terra. Cada grupo tem uma maneira
de fazer a saudação.... A gente entende que toda energia que emana vem da
terra.” Mestre Rogério
completa, “Eu costumo cantar primeiro pedindo licença a todos os mestres. Pra
cantar os pontos de outras comunidades eu peço licença aos mestres”.
A saudação é uma
marca de respeito, uma etiqueta de comportamento ensinada nesses contextos
rituais e festivos. Observa-se, ainda, como as
aulas se tornam um espaço para a experimentação de espiritualidade, emoções,
sentimentos.
Espiritualidade, aqui, não deve ser confundida com religiosidade e não
deve simplesmente ser interpretada pelo prisma das crenças e da racionalidade
instrumental. O conhecimento espiritual está presente em diversos sistemas de
pensamento e seu aspecto mais notável parece ser seu potencial transformador.
Durante as aulas, os estudantes tiveram diversas
oportunidades de tocar os instrumentos musicais e, sobretudo, de cantar e
dançar, procurando copiar o que mestres e seus auxiliares realizavam. Mestres e
mestras convidavam frequentemente os estudantes a ficarem descalços na sala, o
que configura já uma experiência
sensitiva e corporal singular no ambiente universitário. Tenho aqui em mente a
ideia de “educação da atenção“desenvolvida
por Ingold (2010), a partir das concepções de James
Gibson, que “...trata a percepção como uma atividade de todo o organismo
num ambiente, em vez de uma mente dentro
de um corpo...” (2010, p. 21). Ingold argumenta que
copiar é um processo não de transmissão de informação, mas de redescobrimento
dirigido, envolvendo simultaneamente imitação e improvisação. O autor sugere
que “O conhecer, então, não reside nas relações entre estruturas no mundo e
estruturas na mente, mas é imanente à vida e consciência do conhecedor, pois desabrocha
dentro do campo
de prática… (p. 21).
O Encontro de
Saberes UFF tem, também, confrontado as formas de avaliação acadêmicas
convencionais e se questionado sobre seu papel e eficácia. São solicitados aos estudantes que apresentem
trabalhos finais, além de relatórios de auto-avaliação,
pelos quais expressam sua experiência ao longo do curso.
As respostas dos estudantes têm sido altamente
relevantes para o aprimoramento dos processos avaliativos. Os estudantes relatam que a
disciplina promove uma mudança importante em sua subjetividade. Muitos
falam de um reencontro consigo mesmos, com sua ancestralidade. Os estudantes
negros, especialmente, expressam um sentimento de reforço de sua autoestima ao
perceberem que a presença de mestres e mestras de tradições negras na
universidade é valorizada. Alguns, ainda, se descobrem negros, realidade esta obscurecida pelo processo secular de branqueamento. A
estudante de antropologia Rejane Rodrigues escreveu em sua carta de
autoavaliação que,
Afinal, eu tenho uma história e os
encontros que tive dizem respeito a essa trajetória e a uma ancestralidade há
muito adormecida... desde criança queria ser professora de português, mas
não como os
professores que eu
tive, eu queria conquistar os estudantes e mostrar que
eu me interessava por eles, fazer com que eles se envolvessem cada vez mais e
tivessem vontade de ir às minhas aulas. Mas, durante minha caminhada escolar,
minhas experiências não foram tão boas como eu gostaria que fosse. Pouco
aprendi, muito esqueci, pouco me envolvi. Não me sentia parte daquilo. Não
sentia mais vontade de
fazer parte de uma
estrutura que eu
já não suportava
mais…O que mais me salta aos olhos atualmente é a questão de como lidar
com um desânimo coletivo e uma descrença no nosso modelo atual de ensino. O que
precisamos mudar para não termos mais uma faculdade doente, depressiva, sem
vida? Como não vou repetir a experiência do ensino fundamental e médio em que
eu só gravava a matéria e fazia prova nesse processo mecânico? ...mulher de
descendência negra-indígena-branca, cotista (pela ação afirmativa L3 por cursar
o ensino médio em colégio público, não por raça), privilegiada por ter tido uma
educação de qualidade por toda minha vida e privilégio por ser de classe média, ingressei no
primeiro semestre de
2015 na UFF
e, de início,
o incômodo não foi
imediato. Muito embranquecida, não me
percebia enquanto negra.
(Encontro de Saberes UFF, 2017, p. 5-7).
Outros, ainda, com uma frequência surpreendente,
respondem aos estímulos das aulas de forma emocionada, às vezes relatando algum
sofrimento pelo qual passaram ao longo de sua formação universitária marcada
muitas vezes pela competição e meritocracia. No relato da estudante Giulia L.
M. de Brito, podemos notar essa descoberta de universos de conhecimentos que
desconhecia.
...acredito que
não conseguirei através
desta escrita abarcar
um tanto de sentimentos intensos que vivi nesses
encontros, todos os pensamentos despertados em mim e o quão agradecida eu estou
por ter tido a oportunidade de ter contato com saberes tão importantes e que eu
pouco conhecia… Os debates e falas cultivados nesses
módulos me lançaram
para uma outra
forma de olhar para vários
lugares e coisas. Antes desse encontro eu não sabia tantas coisas... Não sabia
que candomblé era um culto tradicional e não uma religião, não sabia que
macumba é um instrumento de pedra sal que era vendido por escravos, não sabia
da ligação entre esse culto e a natureza, não sabia as diferenças entre o
candomblé e a umbanda e colocava tudo em um mesmo ‘pacote’, não me questionava
sobre a ausência de línguas africanas nas faculdades de Letras... Enfim, eu não
sabia. (idem, p. 29)
A estudante de história Mariana Rezende apresentou um
desenho de um muro em ruínas por cujas frestas se avista o sol. Nele ela
escreveu, “como atribuir nota à queda, tijolo por tijolo, do muro? Como
compreender o processo constante de re-construção[17] de
algo novo em si? (idem, p. 4)”
Considerações finais
O Projeto Encontro de Saberes tem apresentado caminhos
para a transformação e o enriquecimento dos processos de ensino-aprendizagem
nas universidades brasileiras, promovendo diálogos entre diversos modos de
conhecer e existir. Busquei
mostrar aqui que trata-se de uma pedagogia que procura
problematizar a própria ideia do que são o professor e o estudante no ambiente
universitário. Sua implementação tem restituído a potência da narrativa oral,
visual, coreográfica e sonora na transmissão de saberes e patrimônios
imateriais. Estas
ações podem contribuir para a sensibilização da comunidade acadêmica e do
público mais amplo para a diversidade destes conhecimentos tradicionais e para
a salvaguarda do patrimônio imaterial. Saberes e práticas, estes dos quais
talvez sejamos dependentes, mais do que em qualquer outro tempo, haja visto o
processo acelerado de degradação do ecossistema planetário, resultante do
modelo bipartido que separou a natureza da cultura.
O Projeto tem, além disso, promovido uma
inclusão complementar de segmentos da sociedade historicamente marginalizados
pelo sistema colonial e escravocrata. Os mestres e mestras participantes têm se
manifestado positivamente sobre sua presença na universidade e reconhecendo a
importância disso para as suas lutas por reconhecimento e garantias de
direitos.
A despeito de
todos estes aspectos, os desafios para a sua manutenção e ampliação são
imensos, tanto quanto, fascinantes. As mudanças institucionais necessárias para
o efetivo reconhecimento da notoriedade de mestres e mestras das tradições
brasileiras e para a sua contratação como professores permanentes, ainda é um
caminho pedregoso. Sua implementação requer uma mudança de mentalidade geral de
professores e estudantes que se formaram na tradição acadêmica ocidental e
moderna e que, nestas últimas décadas, vem sofrendo grande pressão do
neoliberalismo econômico e tecnocrata, com sua ênfase no individualismo e na
competição meritocrática.
No atual estágio
de desenvolvimento do Projeto, ainda é difícil vislumbrar que um departamento
universitário possa abrigar doutores e mestres de tradição em igualdade de
condições de trabalho, atuando no ensino, extensão e pesquisa, mas esse é,
certamente, um horizonte que o Projeto, aqui apresentado em linhas gerais,
almeja, em que pese seu caráter utópico.
Muito embora,
haja vários sinais de boa aceitação do Projeto, existe sempre, me parece, o
risco de que os saberes tradicionais sejam tidos como complementares aos
saberes acadêmicos e, portanto, secundários. Há, além disso, desafios
pedagógicos e acadêmicos relevantes.
Os professores proponentes são parceiros dos mestres e
seu papel não é traduzir uma forma de conhecimento para outra, mas criar um
contexto de compreensão e aceitação mútua. A meta é somar os conhecimentos e não negar o
conhecimento científico acadêmico. Tal pedagogia almeja colocar em diálogo
distintas epistemologias, de forma a assinalar eventuais convergências,
divergências, contraditoriedades, complementaridades, etc. Entretanto,
na prática, a interação dos saberes de professores e mestres durante as aulas
tem sido limitada. Frequentemente há uma tendência a que os mestres tenham uma
prevalência maior do espaço de ensino, com a conivência natural dos
professores. Em geral, os
professores têm sido mais ativos na organização prática das disciplinas, na
recepção e apresentação dos mestres para os estudantes e no processo
avaliativo. A dificuldade em estabelecer um diálogo mais efetivo de saberes,
porém, tem sido discutida pelo grupo. É preciso assinalar que um encontro, seja
qual for, nunca é previsível e, portanto, esse parece ser exatamente o aspecto
mais interessante dos processos de produção e troca de saberes.
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Versión Final: 20/11/2021
[1] Estudos e análises sobre dados
estatísticos, como os fornecido pelo IBGE têm evidenciado que nas últimas
décadas o número de auto-declarados negros e partos tem aumentado, enquanto o
número de auto-declarados brancos tem diminuido, o que parece indicar uma consequencia do impacto
das ações afirmativas sobre a auto-representação.
[2] Para um percurso histórico deste
processo ver: Cavalcanti & Londres (2008).
[3]
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm
[4]
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
[5] Para acessar o Link para a Lei
nº 12.711: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014
/2012/lei/l12711.htm
[6] Para uma abordagem mais profunda
e atualizada deste processo ver (Godoi & Santos, 2021).
[7] Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios - PNAD, IBGE, 2019
[8] Para a acessar a Lei
12.343/2010, ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03
/_ato2007-2010/2010/lei/l12343.htm
[9] A disciplina foi oferecida pela
primeira vez em 2017 com um nome distinto e com ligeiras modificações. Neste
texto me concentro nas edições de 2018 e 2019. No mesmo período, outro grupo de
professores do Encontro de saberes UFF ofereceu também a disciplina intitulada
Corpo e espiritualidade, com os módulos Mbya-Guarani, Candomblé Angola e
Candomblé Jeje.
[10] O módulo Jongo contou com a
participação dos mestres Toninho Canecão (Antônio do Nascimento Fernandes) do
Quilombo São José da Serra, RJ, Jefinho (Jeferson Alves de Oliveira) da
Comunidade Tamandaré, Guaratinguetá, SP, Fatinha (Maria de Fátima da Silveira
Santos) do Quilombo Pinheiral, RJ e Rogério (Paulo Rogério da Silva) de
Miracema, RJ. O módulo Candomblé contou com a participação de Mestre Kotoquinho
(Osvaldo Sena) e os aprendizes Caio Rocha Lyra da Silva (percusionista) e
Simone Lyra da Silva (dançarina), todos do Terreiro Ile Asé Ala Koro Wo, São
João de Meriti, RJ. O módulo Cantoria de Viola contou com a participação dos
mestres Miguel Bezerra e Ednaldo Santos. Os professores anfitriões foram
Edilberto J. de Macedo Fonseca (Produção Cultural/UFF), Elaine Monteiro
(Sociedade, Educação e Conhecimento/FEUFF) e Daniel Bitter (Antropologia/UFF).
Contou ainda com os monitores Potira de Siqueira Faria e Guilherme Carvalho
(Antropologia), Rosa Caitanya (Produção Cultural), Thaís Souza dos Reis
Gonçalves (Geografia) e Raffaela Menegueli Pimenta Dias (Ciências Sociais),
além de equipe de audiovisual.
[11] Referência: Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu - UFF.
http://www.pontaojongo.uff.br/historia-memoria-e-patrimonio.
Acesso em 24/07/2021
[12] Cumpre esclarecer que nas
universidades públicas brasileiras os professores são concursados e sua
titulação como mestre e/ou doutor é um atributo praticamente obrigatório. A
admissão de professores fora destas condições é extremamente difícil,
envolvendo grande burocracia, inclusive quanto à sua remuneração.
[13] A sala de aula, tal como
rotineiramente se apresenta, mostra-se bastante inadequada para as atividades
do Encontro de Saberes. Um dos problemas enfrentados, refere-se ao vazamento do
som produzido por instrumentos musicais, cantos e palmas, que, frequentemente
atinge as salas de aulas adjacentes, onde se realizam outras atividades. Este
ponto pode parecer menor, mas é um indicativo de que as universidades não foram
criadas para o exercício destas atividades, privilegiando a atividade reflexiva
e silenciosa.
[14] Noto que até as primeiras
décadas do século XX, performances afro-brasileiras eram proibidas pelo Estado
e perseguidas pela polícia.
[15] Os pontos são versos cantados
nas rodas de jongo. Veiculam aspectos da vida cotidiana, do passado e do
presente e frequentemente têm uma natureza enigmática e misteriosa. No tempo da
escravidão, eram utilizados para a comunicação secreta no contexto do
cativeiro. Pontão do
Jongo / UFF.
[16] Categoria nativa que designa o
espaço ritualizado do jongo. Roda remete à imagem de um círculo formado por
jongueiros e jongueiras e em cujo centro se realiza a dança em pares.
[17] Sobre o prefixo “re” a estudante
riscou um X, que pode indicar a ambiguidade do processo que viveu.