Encontro de Saberes. A inclusão de mestres da cultura popular e seus saberes no ensino superior

 

Meeting of Knowledges. The inclusion of “mestres da cultura popular” and their knowledge in universities

 

 

Daniel Bitter

Departamento de antropología

Universidade Federal Fluminense (Brasil)

danielbitter@gmail.com

 

 

 

Resumo

O Encontro de Saberes é um Projeto de renovação do pensamento e da prática acadêmica, originado em 2010 na Universidade de Brasília (UnB), e replicado em diversas instituições de ensino superior brasileiras. Seu objetivo principal é a inclusão de mestres das artes e ofícios dos saberes tradicionais de comunidades indígenas e afro-brasileiras, como professores colaboradores, em atividades de ensino e pesquisa em parceria com docentes da Universidade. O Projeto fundamenta-se na problematização dos limites da formação universitária brasileira, ainda muito marcada pelo eurocentrismo. Uma consequência deste desenvolvimento, foi a exclusão de saberes próprios às comunidades afrodescendentes, indígenas e tradicionais, assim como dos próprios sujeitos desse conhecimento. Esse processo foi acompanhado de uma notável hipertrofia da escrita e consequente atrofia da oralidade, da memória longa e da corporeidade nos processos de produção e transmissão de conhecimentos. Neste artigo exploro alguns aspectos dessa pedagogia patrimonial e intercultural, a partir de minha própria experiência como membro do grupo Encontro de Saberes na Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói-RJ.   

 

Palabras Clave

saberes tradicionais; mestres da cultura popular; universidade, educação patrimonial; oralidade.

 

Abstract

The Meeting of Knowledges is an innovative project that seeks to renew academic thinking and practice, originated at the University of Brasília (UnB) in 2010. Its main objective is the inclusion of  people with acknowledged higher knowledge (mestres e mestras da cultura popular) from indigenous and Afro-Brazilian people, as collaborating professors, in teaching and research activities in partnership with professors of the University. As a result of this initiative, several Brazilian and even foreign universities began to replicate the experiment in their undergraduate and graduate courses. The Project is based on the problematization of the limits of Brazilian university education, which is still very marked by Eurocentrism. A consequence of this development was the exclusion of knowledge specific to Afro-descendant, indigenous and traditional communities, as well as the subjects of this knowledge. This process was accompanied by a notable hypertrophy of writing and the consequent atrophy of orality, long memory and embodiment in the processes of production and transmission of knowledge. In this article, I explore some aspects of this heritage and intercultural pedagogy, based on my own experience as a member of the Meeting of Knowledges group at Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói-RJ.

 

Keywords

traditional knowledges; mestres da cultura popular; university; heritage education; orality.

 

 

Introdução: desigualdades no ensino superior e o Encontro de Saberes

 

É notório que as universidades brasileiras desempenham um papel muito significativo na formação educacional, assim como na produção e difusão da ciência, tornando-se um marco do período moderno republicano. A despeito da magnífica herança que nos legou e da necessidade de a mantermos e ampliarmos, é, também, urgente realizarmos sua crítica e promovermos sua transformação. Se é verdade que a formação superior constitui importante instrumento de mobilidade social, esta tem, por outro lado, reproduzido tragicamente as desigualdades históricas que caracterizam a sociedade brasileira.

As instituições de ensino superior brasileiras foram criadas a partir dos modelos europeus e tendem, desde então, a reproduzir as segregações sociais, étnico-racias e epistêmicas instituídas ao longo de séculos do regime escravocrata e colonialista.

Como sugerem Carvalho e Flórez (2014, p. 132),

 

Nuestra hipótesis de trabajo es que una característica primordial de la colonialidad tal y como se instaló en América Latina y el Caribe, fue consolidar instituciones académicas que funcionaron como réplicas casi exactas de instituciones educativas modernas creadas en Europa a inicios del siglo XIX, siguiendo modelos de reforma tales como la napoleónica en Francia y la humboldtiana en Alemania.

 

Neste modelo, o conhecimento é organizado em departamentos e áreas que raramente se comunicam, colocando-se uma ênfase sobre a racionalidade instrumental, a excelência, o mérito, a objetividade, a inovação e a neutralidade. Ao analisar o desenvolvimento do conhecimento científico pelo prisma da antropologia, Burke (2003) observa que o ideal do polímata, ou seja, do sábio exercendo competências em variados domínios, é gradualmente substituído pelo intelectual moderno especializado. A imagem do conhecimento como uma grande árvore com suas ramificações e raízes oferece uma representação convincente do modo com que natureza e cultura formavam uma unidade na tradição da ciência antiga. Porém, uma imagem talvez menos hierárquica para expressar a heterogeneidade e complexidade dos saberes, seja a de rizoma, proposta por Deleuze e Guattari (1996). Nessa direção Stengers propõe que,

Pode-se talvez objetar caso se entenda que o rizoma é uma figura de anarquia. Sim – mas de uma anarquia ecológica, porque ainda que as conexões possam  ser produzidas entre quaisquer partes de um rizoma, elas também devem ser produzidas. Elas são acontecimentos, ligações – como a simbiose. Elas são aquilo que é e permanecerá heterogêneo (2017, p. 5).

 

Como consequência das mudanças operadas dentro da visão de mundo Iluminista, houve uma cisão entre as ciências exatas de um lado e as ciências humanas de outro, cuja (re)aproximação mais recente tem sido experimentada de forma ainda incipiente. Esse processo foi, ainda, acompanhado de uma notável hipertrofia da escrita e consequente atrofia da oralidade e da corporeidade nos processos de produção, preservação e transmissão de conhecimentos. Outro aspecto que parece caracterizar a ascensão desse modo de produção e difusão de conhecimento, associado ao advento das universidades modernas, é a valorização da memória textual, em detrimento da memória oral ou da chamada “arte da memória” (Yates, 2007), fundada na mnemotécnica das imagens e lugares.

Como escrevem Águas e Carvalho (2015, p. 1020-1021), referindo-se a este amplo modelo de conhecimento,

 

No momento em que esse paradigma foi criado, o Ocidente vivia o auge de seu poder sobre o resto do mundo e não havia nenhuma dúvida, na cabeça dos acadêmicos europeus, de que sua ciência era superior a qualquer outra tradição intelectual desenvolvida pelas demais civilizações, vivas ou mortas. Parte desse saber aceito como incontestável foi uma forma de transmissão do conhecimento - uma pedagogia - racionalizada nos currículos. E todo esse arranjo foi pensado exclusivamente para uma sala de aula composta por estudantes de origem e formação intelectual europeia, falantes de idiomas europeus e - obviamente - pertencentes ao fenótipo europeu branco dominante.

 

Todo esse conjunto de premissas ainda não havia sido questionado até muito recentemente, dado o peso institucional das universidades e a profundidade com que o racismo estrutural se estabeleceu na sociedade brasileira, naturalizado e invisibilizado pelo “mito da democracia racial” (Candau & Oliveira, 2010).

Seu aspecto talvez mais crítico parece referir-se à grave exclusão dos saberes de povos autóctones e, o que é ainda mais importante, dos próprios sujeitos desses conhecimentos. Santos (2002) argumentou que uma concepção particular e hegemônica de temporalidade e de história tornou-se a marca da racionalidade moderna ocidental, cuja consequência foi a retração do presente e a expansão do futuro. O resultado desta compreensão universalista e totalizante do mundo contribuiu para suprimir a diversidade de experiências sociais. Como o autor escreve,

 

Não há uma maneira única ou unívoca de não existir, porque são vários as lógicas e os processos através dos quais a ‘razão metonímica’ produz a não-existência do que não cabe na sua totalidade e no seu tempo linear (idem, p. 246)”. O autor argumenta que o presente deve, portanto, ser dilatado, de modo a revelar a riqueza das experiências sociais e, para isso, sugere a elaboração do que denomina de uma “sociologia das ausências.

 

Carvalho (2005), por sua vez, sugere que desenvolveu-se um verdadeiro silenciamento  crônico  frente  à  exclusão  racial   no  mundo  acadêmico, desde  a consolidação  das  primeiras  universidades  públicas  no  Brasil,  na  década  de  1930.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE, 2019), os negros, considerados os auto-declarados pretos e pardos, são a maioria da população com 56,2%[1] do total. Apesar disso, eles ainda são minoria nas posições de liderança no mercado de trabalho e entre os representantes políticos, figurando como uma parte ínfima na magistratura. Quando se observa o número de docentes negros nas universidades, essa desigualdade é abissal. Carvalho (2006) sugere que no início dos anos 2000, as maiores universidades públicas brasileiras apresentavam cerca de 1% de docentes negros e este cenário ainda não mudou muito, até o momento.

Somente nas últimas décadas com o impulso dos movimentos sociais, os quais cumpriram um papel relevante na defesa de direitos populares inscritos na Constituição Brasileira de 1988 (Brandão, 2011), foi que iniciou-se um amplo debate sobre a necessidade de se instituir políticas reparadoras para populações vulneráveis, indígenas e afrodescendentes. Sintomaticamente, foi neste mesmo período que desenvolveram-se, de forma mais sistemática, as políticas de reconhecimento e salvaguarda do patrimônio imaterial brasileiro, especialmente a partir da promulgação do Decreto 3.551[2] de 2000 que institui o Registro de bens de natureza imaterial. Foi ainda relevante a implementação das Leis Federais nº 10.639[3] de 2003 e nº 11.645[4] de 2008 que tornam obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena no ensino fundamental e médio, e que é fruto, sobretudo, da luta anti-racista do movimento negro e da resistência dos povos indígenas. Como escreve Santos (2005, p. 34),

 

Os movimentos sociais negros, bem como muitos intelectuais negros engajados na luta anti-racismo, levaram mais de meio século para conseguir a obrigatoriedade do estudo da história do continente africano e dos africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade nacional brasileira. Contudo, torná-los obrigatórios, embora seja condição necessária, não é condição suficiente para a sua implementação de fato.

 

A adoção do sistema de ingresso de estudantes por meio de cotas sociais e étnico-raciais pelas universidades públicas foi consolidada principalmente por meio da lei nº 12.711[5], de 2012, conhecida também como Lei de Cotas, depois de um longo processo de lutas[6].

O resultado dessas ações levou em 2018 a que estudantes pretos e pardos passassem a compor maioria nas instituições de ensino superior da rede pública (50,3%)[7]. A melhora do indicador é relevante, entretanto sinaliza que esta categoria continua sub-representada.

 Esse conjunto de avanços na garantia constitucional de direitos permitiu uma maior participação dos segmentos detentores dos saberes tradicionais como agentes do Estado, relativamente à proteção e difusão de seu patrimônio, muito embora, inúmeros entraves ainda tenham de ser superados.

No que diz respeito às universidades, entretanto, a adoção destas políticas de ação afirmativa não veio necessariamente acompanhada de uma revisão dos currículos e das práticas pedagógicas, de modo a incluir os próprios saberes, sensibilidades e cosmovisões dos ingressantes negros e indígenas. Por outro lado, os saberes das comunidades autóctones e dos povos tradicionais frequentemente estão presentes na universidade, porém, abordados a partir do olhar e das análises do outro, geralmente, como objetos de estudo.

Neste contexto, o Encontro de Saberes surge como um Projeto inovador, que busca reagir à crise desse modelo universitário, de forma a promover um processo de inclusão epistêmica complementar à inserção de estudantes através das cotas. Foi inicialmente gestado na Universidade de Brasília (UnB), a partir de 2010, e seu objetivo principal é a incorporação de mestres das artes e ofícios dos saberes tradicionais como professores colaboradores em atividades de ensino e pesquisa, em parceria com docentes da Universidade. A partir dessa iniciativa, diversas universidades brasileiras, e mesmo estrangeiras, passaram a replicar o experimento em seus cursos de graduação e pós-graduação. Até 2020 foram contabilizadas dezesseis universidades que haviam oferecido alguma disciplina relativa ao Projeto (Carvalho & Vianna, 2020).

As atividades do Encontro dos Saberes apóiam-se em um conjunto de normativas nacionais e internacionais que, por sua vez, regulamenta a Lei 12.343/2010, que institui o Plano Nacional de Cultura (PNC)[8]. Em seu artigo 2º estabelece objetivos, dos quais destaco os dois a seguir: estimular a presença da arte e da cultura no ambiente educacional; reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de seus detentores.

Esse conjunto de normas visa a proteção e difusão dos patrimônios imateriais e da diversidade cultural. Ao promover a inclusão dos saberes dos mestres e mestras da cultura popular nas universidades, o Projeto constitui-se como uma modalidade de educação patrimonial.

Como escreve Vianna (2020),

 

O mero reconhecimento da diversidade cultural e o diálogo com a sociedade para o reconhecimento do patrimônio não são suficientes para a efetividade da política da salvaguarda do patrimônio cultural, pois não há simetria real entre as partes, espelhamento do Estado e Nação. Os meios de alcance desta efetividade vão se completando quando a inclusão destes segmentos de detentores começa a se dar por meio de políticas afirmativas no ensino superior, na pesquisa, nos postos de trabalho no interior do Estado (p. 203).

 

Ao longo dos doze anos de existência do Encontro de Saberes, já se produziu uma literatura crítica significativa. Entretanto, considero que a produção de análises sobre relatos de experiências concretas ainda seja relativamente escassa. Neste sentido, proponho contribuir para essa discussão, explorando alguns aspectos dessa pedagogia intercultural e patrimonial, a partir de minha própria experiência como professor integrante do Encontro de Saberes na Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói-RJ. Nos anos de 2018 e 2019[9] ofereci, juntamente com outros colegas, a disciplina Toques e Cantos da Cultura Popular, como parte do ementário do Departamento de Antropologia. Sua ementa concentrou-se na abordagem de três performances culturais presentes no estado do Rio de Janeiro: jongo, candomblé e cantoria de viola[10].

Apresento a seguir uma definição mínima dessas performances para os leitores não familiarizados, já assumindo que sua simplificação é praticamente inevitável. Cada uma dessas performances são universos extremamente complexos, sobre as quais já se produziu vasta literatura. Além do risco de reducionismos, enfrento outra dificuldade: a da terminologia a usar, uma vez que somos permanentemente confrontados com as múltiplas possibilidades de sentido das palavras. Assim, as práticas às quais me refiro neste texto são performances, mas são, também, expressões culturais, artísticas ou ainda, tradições. Elas são tudo isso e muito mais do que as palavras são capazes de capturar ou definir. Algumas destas designações encontram correspondência com as definições nativas, mas, em todo caso, todas têm algum grau de arbitrariedade e, por isso, não me furto em usá-las em momentos distintos do texto, o que me parece conferir uma representação mais complexa a estas práticas. Sugiro, assim, aprendê-las através da rica noção de “fatos sociais totais” sugerida por Mauss (2003), pois, nestes fenômenos se inscrevem dimensões políticas, econômicas, jurídicas, religiosas, rituais, estéticas, morfológicas, etc. São “totais”, também, pela condição de mobilizarem simultaneamente indivíduos e coletividades, por reunirem matéria e espírito, corpo e alma, além de mobilizarem forças e relações não exclusivamente humanas.

O jongo ou caxambu é uma forma de expressão que integra toque de tambores, canto e dança, com presença na região sudeste do Brasil. Era praticado pelos trabalhadores escravizados de origem bantu, nas lavouras de café e de cana-de-açúcar, como forma de lazer e resistência à dominação colonial. Seus praticantes formam uma roda e, ao som de dois ou três diferentes tambores, dançam em pares no centro, cantando os chamados pontos, versos poéticos memorizados. Os jongueiros mais antigos dizem que os pontos serviam à uma comunicação cifrada entre os escravizados. O jongo tornou-se patrimônio imaterial brasileiro em 2005[11].

O Candomblé é uma tradição religiosa de matriz africana encontrada em muitas regiões do Brasil, com distintas denominações e variações. Trata-se de um conjunto de rituais que se diferenciam nas chamadas nações. O candomblé ao qual este texto se refere, define-se como nação ketu, com origem na região africana bantu, no qual predominam o culto aos orixás e os ritos de iniciação iorubá. Seus terreiros mais antigos localizados no estado da Bahia são também os mais conhecidos e notórios. Um aspecto importante deste culto é a experiência do transe, por meio do qual os orixás se manifestam no corpo dos iniciados para serem louvados. Sua presença mobiliza o axé: princípio de vida, força vital e sagrada dos orixás. O candomblé sempre foi muito perseguido, primeiramente pela polícia e mais recentemente pelos adeptos de religiões pentecostais. (Prandi, 1997).

A cantoria de viola é uma performance em que dois poetas rivalizam, improvisando versos ao som de suas violas, a partir de modelos poéticos tradicionais. Os poetas apresentam-se diante de um público, que exerce uma participação fundamental. Segundo Tavares (2008), um dos maiores estudiosos do assunto, a prática da cantoria de viola originou-se no nordeste brasileiro, numa região denominada Cariris Velhos, ainda no século XIX.  Posteriormente, essa performance se difundiu para várias regiões do Brasil, a partir de movimentos migratórios. 

 

Breve histórico e caracterização do Encontro de saberes

 

O Encontro de Saberes é um movimento que procura renovar a universidade, propondo torná-la mais pluriespistêmica e plurilinguística. Seu objetivo consiste em incluir saberes tradicionais de comunidades afro-brasileiras, indígenas, quilombolas, comunidades urbanas, agro-extrativistas, através da participação de mestres das artes e ofícios tradicionais como professores colaboradores. Trata-se de mestres e mestras que detém conhecimentos sobre temas diversos, tais como, plantas terapêuticas e comestíveis; xamanismo; construção de casas, barcos, ferramentas e instrumentos musicais; tradições religiosas e rituais; danças e músicas tradicionais; práticas poéticas e performativas, economia não monetária, técnicas de manejo agro-florestal; pesca; línguas indígenas e africanas; cosmologias; narrativas míticas, etc.

Foi iniciado na Universidade de Brasília em 2010, sob direção de José Jorge de Carvalho, no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI/UnB), que integra o Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) do Brasil.

De acordo com os protocolos desenvolvidos pelo INCTI/UnB  os mestres e mestras devem ser remunerados por seu trabalho como professores e recebem o equivalente a uma bolsa de professor doutor visitante pelo padrão da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A realização das disciplinas requer, portanto, a obtenção de recursos financeiros para suprir diversos custos, tais como, remuneração de mestres, mestras e aprendizes, transporte, alimentação, hospedagem, materiais de áudio visual, etc.

A implementação do Encontro de Saberes requer, ainda, uma reformulação de novos protocolos administrativos, jurídicos, prático-teóricos para permitir a execução das disciplinas e incluir saberes e corpos excluídos das universidades. A realização do Projeto demanda uma ampla reformulação dos procedimentos institucionais, de forma a permitir que pessoas não diplomadas também possam lecionar ao lado dos professores doutores (Carvalho & Vianna, 2020)[12]. Um dos caminhos para o reconhecimento e contratação daqueles que não possuem títulos de mestrado e doutorado é a outorga do título de Notório Saber, o que exige a avaliação de um Conselho Universitário quanto à equivalência do saber dos mestres tradicionais ao de um acadêmico com doutorado.

 O Projeto tem, portanto, implicações na transformação institucional e pedagógica das universidades, o que traz imensos desafios, como se pode imaginar. De saída, devo admitir que promover um tal “encontro” não é, evidentemente, nada simples e que a construção destas aproximações não se dá de forma neutra.

 

“O que uma experiência de encontro coloca em relação são práticas  heterogêneas,  as  quais  não  podem  usar  o  encontro  para  abstrair  ou negligenciar  essa  heterogeneidade.  Em outras  palavras,  em  um  encontro  de  saberes, ninguém,  a  rigor,  pode  falar  em  seu  nome,  pois,  na  medida  em  que    um  encontro,  não existe posição que permita totalizar o seu sentido. (Barbosa Neto & Rose & Goldman, 2020).

 

O programa Encontro de Saberes UFF é um desdobramento do Projeto piloto da UnB e sua gênese se inicia com a formação de um grupo de professores dos mais diversos departamentos, entre os quais, antropologia, educação, produção cultural, psicologia, letras, ciência ambiental, artes e história. Esses professores começaram a se reunir em 2016 em fóruns regulares, a partir de uma primeira visita do Prof. José Jorge de Carvalho a esta universidade, após a qual se seguiram muitas outras em eventos promovidos pelo grupo. Esse processo culminou com a parceria formalizada entre a Prograd/UFF e o INCTI/UNB em 2018, o que foi fundamental para concretizar a oferta de disciplinas na graduação. O grupo, hoje acrescido por estudantes, mantém reuniões semanais dedicadas a diversas atividades, incluindo estudos, pesquisas, produção de audiovisual e organização de disciplinas, entre outras.

A administração acadêmica superior da UFF assumiu o Projeto como um programa institucional da Pro-reitoria de graduação e tem acompanhado com muito interesse seus desdobramentos. Apesar de suas modestas dimensões, o Projeto tem gradualmente atraído professores e estudantes interessados em sua proposta.

 

A disciplina Toques e cantos da cultura popular

 

A disciplina Toques e cantos da cultura popular foi oferecida, dentro do Programa Encontro de Saberes UFF, nos segundos semestres de 2018 e 2019. O programa do curso contém três módulos correspondentes às distintas formas de expressão da cultura popular: jongo, candomblé e cantoria de viola e foi elaborada pelos professores parceiros em conjunto com os mestres e mestras convidados. Nos meses que antecederam à realização da disciplina, esses professores e os estudantes monitores realizaram visitas às comunidades para a organização conjunta do programa e para o esclarecimento de todas as questões envolvidas. Os convidados participaram com sugestões relativas ao número de aulas necessárias, conteúdo, indicação dos aprendizes que deveriam participar e vários outros aspectos. Foram combinadas também visitas de campo da turma para colocar os estudantes em contato direto com os territórios de tradição, sobre as quais não tratarei neste artigo para não alongá-lo demasiadamente.

As aulas das edições 2018 e 2019 ocorreram uma vez por semana em sessões de quatro horas ao longo de dezesseis semanas, aproximadamente. Cada mestre ou grupo de mestres e aprendizes apresentou três aulas e, no intervalo entre os módulos, foi realizada uma aula sem a presença dos mestres, quando desenvolveu-se uma discussão com os estudantes, em diálogo com materiais anteriormente disponibilizados: textos, audiovisuais, etc. Nestes momentos, foram feitas avaliações gerais das aulas anteriores com o objetivo de entender melhor a recepção dos estudantes, dando oportunidade para que  cada um se manifestasse a respeito de sua experiência.

As aulas se realizaram numa sala ampla do bloco A do Campus Gragoatá-UFF. A recepção dos mestres e mestras no campus universitário, exigiu intensa mobilização, organização e cuidado de toda a equipe. Em geral, os convidados chegavam com bastante antecedência e faziam uma refeição com o grupo, enquanto tratavam dos últimos detalhes. A cada aula, a sala precisou ser preparada para as gravações de audiovisual e para a atividade, com a disposição dos instrumentos musicais e das cadeiras em roda, de modo que o espaço central fosse usado para atividades práticas, como a dança[13].

A disciplina recebeu por volta de 60 inscrições de estudantes, em cada edição, oriundos dos mais diversos cursos das áreas de Humanas, como antropologia, artes, cinema, psicologia, educação, produção cultural, ciências sociais, letras, etc. Quanto ao perfil destes estudantes, trata-se majoritariamente de jovens entre 20 e 25 anos, cerca de 50% dos estudantes eram oriundos de escolas públicas, sendo que grande parte destes, compõem os extratos mais desfavorecidos da sociedade. Interessante observar que alguns poucos estudantes já mantinham uma relação anterior com religiões de terreiro, demonstrando seu conhecimento através de suas declarações ou nos momentos de canto e dança. É fácil perceber quando os estudantes têm ou não alguma familiaridade prática com estas tradições e o momento em que são convidados a dançar é revelador.

Todas as aulas foram integralmente gravadas com o propósito de constituir um acervo documental para a elaboração de material didático a ser publicizado e para o desenvolvimento de pesquisas. O grupo Encontro de Saberes UFF está, no momento, editando o material, e comprometeu-se a entregar uma cópia a todos os mestres e mestras envolvidos, entendendo-se que este gesto contribui para o fortalecimento e a difusão de suas práticas.

A seguir destaco alguns aspectos dessa pedagogia intercultural focalizando os módulos de jongo e candomblé. A razão pela qual decidi não tratar do módulo de cantoria de viola, entretanto, é de relevância para a discussão que aqui proponho. Cantoria de viola passou, nas últimas décadas, por um processo de profissionalização muito intenso, de modo que muitos de seus praticantes passaram a se perceber como artistas autônomos e a ver sua prática como um ativo econômico. Em minha avaliação, compartilhada pelos meus colegas de docência, não conseguimos realmente estabelecer um entendimento comum entre os professores e os mestres de cantoria, de que a atividade a ser realizada na disciplina, deveria ser pedagógica e não estritamente performativa. Muitos sinais nos indicaram que os repentistas lidaram com a situação como qualquer outra em que realizam uma apresentação poética em troca do pagamento de um cachê. Noto que o grupo Encontro de Saberes não tem por intenção contratar grupos para realizarem suas performances e espetáculos para os estudantes. Aliás, o problema da “espetacularização” das culturas populares no contexto do capitalismo já foi objeto de problematização por parte de Carvalho (2010). Essa divergência trouxe dificuldades para o estabelecimento de uma prática pedagógica plena, no caso da cantoria de viola, em que pese o fato de que a mercantilização e espetacularização fazem parte dos processos pelos quais as culturas populares se ajustam às pressões do capitalismo globalizado (Canclini, 1984).

 

Aspectos de uma pedagogia intercultural e pluriespistêmica

 

Os mestres e mestras de tradições são detentores de saberes vivos integrados aos territórios de onde se originam. Os métodos de transmissão desses conhecimentos tradicionais são bem variados e, normalmente, mobilizam a oralidade, a escuta, as disposições corporais e a prática cotidiana num processo que envolve emoção, intuição e sensibilidade.

A pedagogia do Encontro de Saberes procura restituir o potencial da oralidade e de sua memória. Como Fentress e Wickham (1992) observam, a história da memória oral no Ocidente é a história de sua rápida desvalorização em favor do estabelecimento do paradigma textual de conhecimento. Além disso, a memória tendeu a recuar para o plano pessoal e privado. Os autores notam que a escrita não apenas congela a memória, como a congela sob formas textuais que evoluem de maneira bastante diferente das que servem à memória oral. Goody (2012), por sua vez, assinala o aspecto criativo da cultura oral, pois ela se recria o tempo todo, já que não se fixa em formas estáveis, como a escrita.

Diversos autores notaram que a memória oral é fundamentalmente uma memória visual e espacial, tal como se articulou na antiga “arte da memória”, na memória artificial e na mnemotécnica (Yates, 2007). Essa memória orienta-se pela retenção de imagens na sua integralidade, assim como no caso da retórica e da poesia dos aedos na Grécia arcaica e das variadas formas de poesia oral contemporâneas. Ao abandonar as técnicas mnemônicas, a universidade moderna rejeitou a prática da memória longa, passando a formar gerações de cientistas, humanistas e profissionais de memória curta. (Águas & Carvalho & Vianna, 2015, p. 764).

Os mestres e mestras do Encontro de Saberes contam histórias, narrativas míticas, saberes estes que herdaram dos mais antigos e que constituem um relevante patrimônio imaterial. Para eles, o tempo mítico e histórico são extensivos. Como sugerem Águas e Carvalho, “Do lado das tradições religiosas afrodescendentes, estão também narrativas míticas e formas rituais que desafiam as ontologias ocidentais clássicas (2015, p. 1040)”. Para exemplificar este tópico, faço referência às aulas do mestre Kotoquinho, que faz amplo uso de narrativas míticas dos orixás para transmitir seu conhecimento e sua cosmovisão. Em sua maneira de pensar, não há uma separação ou hierarquização, a priori, entre mito e o que se pode denominar de realidade. As forças cósmicas, às quais os mitos se referem, estão presentes nos terreiros assim como estão presentes nas salas de aula.

Em sua primeira aula no Encontro de Saberes, mestre Kotoquinho apresentou sua biografia, que se mescla com a gênese dos grandes terreiros de candomblé de Salvador, Bahia, onde nasceu. Seu saber mistura-se à sua biografia, de modo que, ao ensinar, o mestre revela também quem ele é. (Carvalho & Vianna, 2020). Ele não é apenas um intermediário, um transmissor do saber, mas o próprio saber.

Ao descrever o surgimento dos terreiros na Bahia, mestre Kotoquinho faz referência ao papel que os capoeiristas tiveram na defesa de seus territórios religiosos contra a perseguição policial, através do domínio corporal e técnico de uma dança e uma luta marcial, com o auxílio de seus orixás[14]. Segundo Kotoquinho, “Quando estávamos na senzala fazendo capoeira, estávamos estudando como nos defender. Capoeira é uma dança, mas é também uma luta”.

Nos contextos dos terreiros de candomblé, o mestre explica que,

 

Quando a gente tocava, batia os atabaques, eles vinham [a polícia]. Quem defendia os terreiros? Os capoeiristas. Todos eles são de orixá. São de Ogum, Oxóssi ou Xangô. A gente tocava e os mestres vinham pra frente. Aqueles que eram muito devagar, de Oxalá, ficavam na retaguarda, só com o berimbau. Os mestres de Ogum, Xangô e Oxóssi vinham pra frente. Hoje, dentro do candomblé, se tem o ogã de sala… O Ogã de sala é sempre um homem de Oxalá... Ele fica sempre dentro do barracão olhando as coisas, vendo quem entrou e saiu… vendo como está a questão da roça... E dentro do quilombo sempre existiu isso... A gente começa a pedir licença aos Exús pra segurar eles lá, porque vinham de lá pra cá, pra querer fazer bagunça na casa. A gente já plantava eles lá…

 

Mestre Kotoquinho canta uma cantiga em iorubá e em seguida fala, Depois, a gente pede pra Ogum olhar todo mundo e ficar lá na outra esquina tomando conta da casa, porque ele é guerreiro. Os capoeiristas estavam olhando tudo, mas já era o orixá que estava neles”.

Através de suas palavras e gestos, Mestre Kotoquinho aborda a questão do cuidado que é preciso ter no terreiro, assim como na vida cotidiana e nos encontros humanos. O mestre revela que cuidar uns dos outros é uma atitude fundamental que se manifesta num terreiro de candomblé, que se reveste de um sentido de resistência política. Tal conhecimento foi gradualmente sendo incorporado, através de sua reiterada prática.

Para o mestre, cada orixá possui traços de personalidade convergentes com as condutas de seus iniciados na vida extra ritual. Trata-se de um fenômeno complexo que envolve a relação dos iniciados com forças naturais e cósmicas. Kotoquinho não separa a pessoa e o orixá. Elas formam um duplo na experiência abrangente do transe ritual, concepção esta que se choca com a ideia de (in)divíduo ocidental. A experiência do êxtase religioso tem sido tratada com suspeita pelo discurso científico. Como escreve Goldman,

 

A suposta racionalização progressiva das práticas religiosas e intelectuais dos gregos, o combate efetuado pela Igreja Católica contra todos aqueles que se arriscam a um contato não-intermediado com o sagrado e a medicalização das práticas espíritas são apenas algumas das faces dessa exclusão global que o Ocidente tem imposto àqueles que buscam a experiência direta do sagrado tendo como único intermediário seus próprios corpos (1985, p.22-23).

 

Ao longo de sua narrativa, mestre Kotoquinho toca atabaque e canta, combinando diversas linguagens expressivas. O discurso oral aparece de forma cantada, rezada ou mesmo versada, conforme a situação e o contexto. Em suas palavras,

 

As águas vão para um lado, as águas vão para o outro… Quando a gente toca para Iemanjá, quando a gente vai puxando, pedindo para Ologum, às profundezas do mar… Venha! Me traga as águas… pedindo à Iemanjá que nos proteja... As cantigas nossas do candomblé e de terreiro, tudo tem um significado importante. Tem uma cantiga que fala daqui (aponta para os pés) à cabeça, ao nosso crânio, que é o ori. E nisso tudo aqui, na nossa ará, a gente vai unindo, unindo, unindo e fazendo, sabe o que? a festividade: o samba de roda.

 

Enquanto mestre Kotoquinho apresenta essas explicações, ele faz gestos com o corpo, usando os braços e as mãos, simulando o movimento das águas e vocalizando termos em iorubá. Percebe-se bem a força ativa das palavras, das imagens e dos gestos nas tradições populares. A memória oral coletiva não se reduz à sua instrumentalidade, desempenhando um papel crucial no modo como estes mestres e suas comunidades constroem suas cosmologias.

Outro aspecto a destacar diz respeito aos temas e conteúdos tratados nas aulas, que articulam os mais diversos domínios: música, religião, magia, comida, dança, moralidades, espiritualidade, etc, enquanto estes são quase sempre separados na estrutura disciplinar e departamental universitária.

Assim, um aspecto que caracteriza os saberes de mestres e mestras de tradição, é seu “polimatismo”. Como escrevem Carvalho e Vianna, (2020, p.35)

 

Se o cientista é o que sabe o que a maioria não sabe, o mestre é cientista no plural, isto é, o que sabe, sozinho, vários tipos e áreas do conhecimento que somente a soma de muitas pessoas sabe. A polimatia é uma forma de conhecer generalizada nas comunidades tradicionais, e alcança a condição de mestre aquele que a exerce com uma habilidade excepcional.

 

 A ideia de “polimatismo” parece se aproximar da noção de “fato social total” de Marcel Mauss (2003), já invocada no início do texto. Mauss e Durkheim (1978), além disso, alertaram para a coerência e singularidade dos sistemas classificatórios e de categorias de pensamento de sociedades não ocidentais, que tendem a ser relacionais. Dentro desta perspectiva, os domínios do material e do espiritual, que a metafísica do ocidente moderno tratou de manter separados, se imbricam na concepção de mestres e mestras das tradições populares. No jongo, por exemplo, o tambor, que é um instrumento musical de grande importância, não é considerado um objeto inerte, mas um ser vivo, e até mesmo uma espécie de pessoa (Mauss, 2003). A dicotomia entre corpo e alma, matéria e espírito não é universal, mas um desenvolvimento específico da concepção racionalista cartesiana. O tambor torna presentes os ancestrais e outras forças cósmicas no contexto de um terreiro de candomblé ou em uma roda de jongo. Para iluminar este tópico, trago a situação de aula a seguir.

Mestre Jefinho, em sua primeira aula de jongo, explica que essa performance se inicia sempre com um ponto[15] de abertura e que é neste momento que os tambores devem ser reverenciados, sendo esta a forma ritualmente adequada de se entrar numa roda[16].

 

Pra fazer o jongo, nós precisamos ter isso aqui [mostra um tambor]. Tivemos que perder duas vidas pra a gente fazer nossa felicidade acontecer... Uma árvore e um bicho. Tem o tronco de madeira e o couro… e a saudação nossa lá no Tamandaré também tem a ver com os orixás. Muita gente gosta de se benzer no tambor em Tamandaré. Agradecer especialmente aos que já morreram. Alguns se benzem na frente do tambor. Eu particularmente gosto de bater no couro e na madeira em agradecimento a esses dois seres vivos aqui e agradecer principalmente aos que já morreram. A gente saúda o povo do lugar do dono da casa e os orixás.

 

Mestre Jefinho canta seu ponto de abertura, “Eu vou abrir meu Canjuê / Eu vou abrir meu canjuá. / Primeiro eu peço a licença / Pra rainha lá do mar… / Pra saudar a povaria / Eu vou abrir meu Canjuê.” Em seguida o mestre explica, “Canjuê é nossa casa, nossa roda… É a rainha do mar. É Iemanjá que guardou a nossa chegada aqui”.

Na sequência, mestra Fatinha fala sobre a importância dos tambores para esta tradição e a obrigação ritual de reverenciá-los na abertura da roda de jongo. Fatinha também assinala a centralidade do tambor no jongo. Em uma de suas aulas ela relata que,

A gente trabalha com dois tambores: tambor grande e candongueiro... os nossos tambores são artesanais e são feitos da mesma forma que eram feitos pelos negros na época da escravidão. A gente usa o tronco da embaúba que é uma árvore que não é nobre. Ela tem o tronco oco, então cava um pouco mais… e a barrica de vinho, que vinha de Portugal. ...O nosso tambor fala pra caramba e pra ele falar mais alto, ele é aquecido na fogueira. A gente segue todo o ritual, o ritual pra encourar. Lá a gente não bate em atabaque. O grupo de jongo de Barra do Piraí… eles produzem esses tambores e tem todo um ritual pra cuidar dos tambores… Jongo tem um axé, seus preceitos rituais. Os tambores pra nós é fortíssimo. Não só pra nós, pros sambistas… e a gente tem uma maneira de tratar o tambor que é ritual.

 

A pedagogia do Encontro de Saberes promove novos sentidos para a sala de aula. Os mestres frequentemente realizam procedimentos rituais para a preparação da sala de aula, dos estudantes e para o início do curso, seguindo rotinas que são adotadas na abertura de uma roda de jongo ou de um ritual de candomblé em seus territórios de origem. Há uma homologia entre a abertura de uma roda de jongo e a abertura de uma disciplina do Encontro de Saberes. Ambos os territórios precisam ser preparados: o terreiro e a sala de aula. Nesses contextos, cantigas são entoadas e pedidos de proteção são realizados para “abrir caminhos”. A sala de aula torna-se, em certo sentido, o território sagrado destas performances. A respeito da necessidade de saudar as entidades, Mestra Fatinha diz o seguinte, “Quando a gente inicia as rodas de jongo tem que ter uma saudação ao dono da casa, ao tempo, à terra. Cada grupo tem uma maneira de fazer a saudação.... A gente entende que toda energia que emana vem da terra.” Mestre Rogério completa, “Eu costumo cantar primeiro pedindo licença a todos os mestres. Pra cantar os pontos de outras comunidades eu peço licença aos mestres”.

A saudação é uma marca de respeito, uma etiqueta de comportamento ensinada nesses contextos rituais e festivos. Observa-se, ainda, como as aulas se tornam um espaço para a experimentação de espiritualidade, emoções, sentimentos. Espiritualidade, aqui, não deve ser confundida com religiosidade e não deve simplesmente ser interpretada pelo prisma das crenças e da racionalidade instrumental. O conhecimento espiritual está presente em diversos sistemas de pensamento e seu aspecto mais notável parece ser seu potencial transformador.

Durante as aulas, os estudantes tiveram diversas oportunidades de tocar os instrumentos musicais e, sobretudo, de cantar e dançar, procurando copiar o que mestres e seus auxiliares realizavam. Mestres e mestras convidavam frequentemente os estudantes a ficarem descalços na sala, o que configura já uma experiência sensitiva e corporal singular no ambiente universitário. Tenho aqui em mente a ideia de “educação da atenção“desenvolvida por Ingold (2010), a partir das concepções de James Gibson, que “...trata a percepção como uma atividade de todo o organismo num  ambiente, em vez de uma mente dentro de um corpo...” (2010, p. 21). Ingold argumenta que copiar é um processo não de transmissão de informação, mas de redescobrimento dirigido, envolvendo simultaneamente imitação e improvisação. O autor sugere que “O conhecer, então, não reside nas relações entre estruturas no mundo e estruturas na mente, mas é imanente à vida e consciência do conhecedor, pois desabrocha dentro  do  campo  de  prática… (p. 21).

O Encontro de Saberes UFF tem, também, confrontado as formas de avaliação acadêmicas convencionais e se questionado sobre seu papel e eficácia. São solicitados aos estudantes que apresentem trabalhos finais, além de relatórios de auto-avaliação, pelos quais expressam sua experiência ao longo do curso.

As respostas dos estudantes têm sido altamente relevantes para o aprimoramento dos processos avaliativos. Os estudantes relatam que a disciplina promove uma mudança importante em sua subjetividade. Muitos falam de um reencontro consigo mesmos, com sua ancestralidade. Os estudantes negros, especialmente, expressam um sentimento de reforço de sua autoestima ao perceberem que a presença de mestres e mestras de tradições negras na universidade é valorizada. Alguns, ainda, se descobrem negros, realidade esta obscurecida pelo processo secular de branqueamento. A estudante de antropologia Rejane Rodrigues escreveu em sua carta de autoavaliação que,

 

Afinal, eu tenho uma história e os encontros que tive dizem respeito a essa trajetória e a uma ancestralidade há muito adormecida... desde criança queria ser professora de  português,  mas  não  como  os  professores  que  eu  tive,  eu  queria conquistar os estudantes e mostrar que eu me interessava por eles, fazer com que eles se envolvessem cada vez mais e tivessem vontade de ir às minhas aulas. Mas, durante minha caminhada escolar, minhas experiências não foram tão boas como eu gostaria que fosse. Pouco aprendi, muito esqueci, pouco me envolvi. Não me sentia parte daquilo. Não sentia mais vontade de  fazer  parte  de  uma estrutura  que  eu    não  suportava  mais…O que mais me salta aos olhos atualmente é a questão de como lidar com um desânimo coletivo e uma descrença no nosso modelo atual de ensino. O que precisamos mudar para não termos mais uma faculdade doente, depressiva, sem vida? Como não vou repetir a experiência do ensino fundamental e médio em que eu só gravava a matéria e fazia prova nesse processo mecânico? ...mulher de descendência negra-indígena-branca, cotista (pela ação afirmativa L3 por cursar o ensino médio em colégio público, não por raça), privilegiada por ter tido uma educação de qualidade por toda minha vida e privilégio por ser de classe média,  ingressei  no  primeiro  semestre  de  2015  na  UFF  e,  de  início,  o incômodo  não  foi  imediato.  Muito embranquecida,  não  me  percebia  enquanto negra. (Encontro de Saberes UFF, 2017, p. 5-7).

 

Outros, ainda, com uma frequência surpreendente, respondem aos estímulos das aulas de forma emocionada, às vezes relatando algum sofrimento pelo qual passaram ao longo de sua formação universitária marcada muitas vezes pela competição e meritocracia. No relato da estudante Giulia L. M. de Brito, podemos notar essa descoberta de universos de conhecimentos que desconhecia.

 

...acredito  que  não  conseguirei  através  desta  escrita  abarcar  um  tanto  de sentimentos intensos que vivi nesses encontros, todos os pensamentos despertados em mim e o quão agradecida eu estou por ter tido a oportunidade de ter contato com saberes tão importantes e que eu pouco conhecia… Os debates e falas  cultivados  nesses  módulos  me  lançaram  para  uma  outra  forma  de olhar para vários lugares e coisas. Antes desse encontro eu não sabia tantas coisas... Não sabia que candomblé era um culto tradicional e não uma religião, não sabia que macumba é um instrumento de pedra sal que era vendido por escravos, não sabia da ligação entre esse culto e a natureza, não sabia as diferenças entre o candomblé e a umbanda e colocava tudo em um mesmo ‘pacote’, não me questionava sobre a ausência de línguas africanas nas faculdades de Letras... Enfim, eu não sabia. (idem, p. 29)

 

A estudante de história Mariana Rezende apresentou um desenho de um muro em ruínas por cujas frestas se avista o sol. Nele ela escreveu, “como atribuir nota à queda, tijolo por tijolo, do muro? Como compreender o processo constante de re-construção[17] de algo novo em si? (idem, p. 4)”

 

Considerações finais

 

O Projeto Encontro de Saberes tem apresentado caminhos para a transformação e o enriquecimento dos processos de ensino-aprendizagem nas universidades brasileiras, promovendo diálogos entre diversos modos de conhecer e existir. Busquei mostrar aqui que trata-se de uma pedagogia que procura problematizar a própria ideia do que são o professor e o estudante no ambiente universitário. Sua implementação tem restituído a potência da narrativa oral, visual, coreográfica e sonora na transmissão de saberes e patrimônios imateriais. Estas ações podem contribuir para a sensibilização da comunidade acadêmica e do público mais amplo para a diversidade destes conhecimentos tradicionais e para a salvaguarda do patrimônio imaterial. Saberes e práticas, estes dos quais talvez sejamos dependentes, mais do que em qualquer outro tempo, haja visto o processo acelerado de degradação do ecossistema planetário, resultante do modelo bipartido que separou a natureza da cultura.

 O Projeto tem, além disso, promovido uma inclusão complementar de segmentos da sociedade historicamente marginalizados pelo sistema colonial e escravocrata. Os mestres e mestras participantes têm se manifestado positivamente sobre sua presença na universidade e reconhecendo a importância disso para as suas lutas por reconhecimento e garantias de direitos.

A despeito de todos estes aspectos, os desafios para a sua manutenção e ampliação são imensos, tanto quanto, fascinantes. As mudanças institucionais necessárias para o efetivo reconhecimento da notoriedade de mestres e mestras das tradições brasileiras e para a sua contratação como professores permanentes, ainda é um caminho pedregoso. Sua implementação requer uma mudança de mentalidade geral de professores e estudantes que se formaram na tradição acadêmica ocidental e moderna e que, nestas últimas décadas, vem sofrendo grande pressão do neoliberalismo econômico e tecnocrata, com sua ênfase no individualismo e na competição meritocrática.

No atual estágio de desenvolvimento do Projeto, ainda é difícil vislumbrar que um departamento universitário possa abrigar doutores e mestres de tradição em igualdade de condições de trabalho, atuando no ensino, extensão e pesquisa, mas esse é, certamente, um horizonte que o Projeto, aqui apresentado em linhas gerais, almeja, em que pese seu caráter utópico.

Muito embora, haja vários sinais de boa aceitação do Projeto, existe sempre, me parece, o risco de que os saberes tradicionais sejam tidos como complementares aos saberes acadêmicos e, portanto, secundários. Há, além disso, desafios pedagógicos e acadêmicos relevantes.

Os professores proponentes são parceiros dos mestres e seu papel não é traduzir uma forma de conhecimento para outra, mas criar um contexto de compreensão e aceitação mútua. A meta é somar os conhecimentos e não  negar o conhecimento científico acadêmico. Tal pedagogia almeja colocar em diálogo distintas epistemologias, de forma a assinalar eventuais convergências, divergências, contraditoriedades, complementaridades, etc. Entretanto, na prática, a interação dos saberes de professores e mestres durante as aulas tem sido limitada. Frequentemente há uma tendência a que os mestres tenham uma prevalência maior do espaço de ensino, com a conivência natural dos professores. Em geral, os professores têm sido mais ativos na organização prática das disciplinas, na recepção e apresentação dos mestres para os estudantes e no processo avaliativo. A dificuldade em estabelecer um diálogo mais efetivo de saberes, porém, tem sido discutida pelo grupo. É preciso assinalar que um encontro, seja qual for, nunca é previsível e, portanto, esse parece ser exatamente o aspecto mais interessante dos processos de produção e troca de saberes.

 

 

 

Referências bibliográficas

 

Águas, C. & Carvalho, J.J. & Vianna, L. (2015). Encontro de Saberes: política de inclusão de mestres das culturas tradicionais na docência do ensino superior. Apresentado em VI Seminário Internacional Políticas Culturais, Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa.

 

Águas, C. & Carvalho, J.J. (2015). Encontro de saberes: Um desafio teórico, político e epistemológico. Em Sousa Santos, B. & Cunha, T. (org.); Colóquio Internacional Epistemologias do Sul: aprendizagens globais Sul-Norte e Norte-Sul. Vol. 1. Lisboa: Centro de Estudos Sociais / Universidade de Coimbra.

 

Barbosa Neto, E. & Rose, I. & Goldman, M. (2020). Encontro com o “Encontro De Saberes”. Revista Mundaú, n.9. Maceió: UFAL.

 

Brandão, L.C. (2011). Os movimentos sociais e a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988: entre a política institucional e a participação popular (Dissertação Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Sociologia. São Paulo: USP.

 

Burke, P. (2003). Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

 

Canclini, N. (1984). Las culturas populares en el capitalismo. México:  Nueva Imagen, pp. 25-56.

 

Candau, V.M. & Oliveira, L. (2010). Pedagogia decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em Revista, n.26 (01). pp.15-40.

 

Carvalho, J.J. & Vianna, L. (2020). O encontro de saberes nas universidades, uma síntese dos dez primeiros anos. Revista Mundaú, n.9. pp.23-49. Maceió: UFAL.

 

Carvalho, J.J. & Flórez J.F. (2014). Encuentro de saberes: Proyecto  para decolonizar el conocimiento universitario eurocéntrico. Nómadas, n.41. Colombia: Universidad Central.

 

Carvalho, J.J. (2005). O Confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro. Revista USP. n.68. pp.88-103. São Paulo: USP.

 

Carvalho, J.J. (2006). Inclusão étnica e racial no Brasil: a questão das cotas no ensino superior. 2. ed. São Paulo: Atlas.

 

Carvalho, J.J. (2010). “Espetacularização” e “Canibalização” das Culturas Populares na América Latina. Revista Anthropológicas, ano 14, v.21, n.1. pp.39-76. Recife: UFPE.

 

Cavalcanti, M.L. & Londres, M.C. (2008). Patrimônio imaterial no Brasil. Brasília: UNESCO, Educarte.

 

Deleuze, G. & Guattari, F. (1996). Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, vol. 3. Guerra Neto, A. et. al. (trad.). Rio de Janeiro: Editora 34.

 

Durkheim, E. & Mauss, M. (1978). Algumas Formas Primitivas de Classificação. Em Albertino Rodrigues, J. (org.); Durkheim. Rio de Janeiro: Ática.

 

Encontro de Saberes UFF. (2017). Caderno de avaliações. Niterói: UFF.

 

Fentress, J. & Wickham, C. (1992). Memoria Social. Lisboa: Teorema.

 

Godoi, M. Santos, M.A. (2021). Dez anos da lei federal das cotas universitárias Avaliação de seus efeitos e propostas para sua renovação e aperfeiçoamento. Revista de Informação Legislativa. ano 58, n.229. pp.11-35. Brasília: Senado Federal.

 

Goldman, M. (1985). A construção ritual da pessoa: a possessão no Candomblé. Revista Religião e Sociedade. n.12 (1), agosto. pp.22-54.

 

Goody, J. (2012). A domesticação da mente selvagem. Petrópolis, RJ: Vozes.

 

Ingold, T. (2010). Da transmissão de representações à educação da atenção. Revista Educação. Porto Alegre, v.33, n.1, jan./abr. pp.6-25.

 

Mauss, M. (2003). Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. Em Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify. pp.185-314.

 

Monteiro, E. (2015). Bate tambor grande, repinica candongueiro, Rio de Janeiro ainda é terra de jongueiro! - Registro e a salvaguarda do patrimônio imaterial. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense. Rio de Janeiro, N.7, jan./jun. pp.125-148.

 

Prandi, R. (1997). Herdeiras do Axé. São Paulo: Hucitec.

 

Santos, S.A. (2005). A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. Em Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.

 

Sousa Santos, B. (2002). Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, n.63, outubro. pp.237-280. Lisboa: Centro de Estudos Sociais / Universidade de Coimbra.

 

Stengers, I. (2017). Reativar o animismo. Caderno de Leituras, n.62. Belo Horizonte: Chão da Feira.

 

Tavares, B. (2008). Cantoria de viola. Em Pimentel, A. & Corrêa, J. (org.); Na Ponta do Verso. poesia de improviso no Brasil. Rio de Janeiro: Associação Cultural Caburé.

 

Vianna, L. (2020). O Projeto Encontro de Saberes: Educação Patrimonial e inclusão epistêmica. Revista Com Censo. Brasília, vol.7, n.3, agosto. pp.202-207.

 

Yates, F. (2007). A arte da memória. São Paulo: Ed. Unicamp.

 

 

 

Recibido: 20/08/2021

Evaluado: 10/10/2021

Versión Final: 20/11/2021



[1] Estudos e análises sobre dados estatísticos, como os fornecido pelo IBGE têm evidenciado que nas últimas décadas o número de auto-declarados negros e partos tem aumentado, enquanto o número de auto-declarados brancos tem diminuido, o que parece indicar uma consequencia do impacto das ações afirmativas sobre a auto-representação.

[2] Para um percurso histórico deste processo ver: Cavalcanti & Londres (2008).

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm

[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm

[5] Para acessar o Link para a Lei nº 12.711: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014
/2012/lei/l12711.htm

[6] Para uma abordagem mais profunda e atualizada deste processo ver (Godoi & Santos, 2021).

[7] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, IBGE, 2019

[8] Para a acessar a Lei 12.343/2010, ver http://www.planalto.gov.br/ccivil_03
/_ato2007-2010/2010/lei/l12343.htm

[9] A disciplina foi oferecida pela primeira vez em 2017 com um nome distinto e com ligeiras modificações. Neste texto me concentro nas edições de 2018 e 2019. No mesmo período, outro grupo de professores do Encontro de saberes UFF ofereceu também a disciplina intitulada Corpo e espiritualidade, com os módulos Mbya-Guarani, Candomblé Angola e Candomblé Jeje.

[10] O módulo Jongo contou com a participação dos mestres Toninho Canecão (Antônio do Nascimento Fernandes) do Quilombo São José da Serra, RJ, Jefinho (Jeferson Alves de Oliveira) da Comunidade Tamandaré, Guaratinguetá, SP, Fatinha (Maria de Fátima da Silveira Santos) do Quilombo Pinheiral, RJ e Rogério (Paulo Rogério da Silva) de Miracema, RJ. O módulo Candomblé contou com a participação de Mestre Kotoquinho (Osvaldo Sena) e os aprendizes Caio Rocha Lyra da Silva (percusionista) e Simone Lyra da Silva (dançarina), todos do Terreiro Ile Asé Ala Koro Wo, São João de Meriti, RJ. O módulo Cantoria de Viola contou com a participação dos mestres Miguel Bezerra e Ednaldo Santos. Os professores anfitriões foram Edilberto J. de Macedo Fonseca (Produção Cultural/UFF), Elaine Monteiro (Sociedade, Educação e Conhecimento/FEUFF) e Daniel Bitter (Antropologia/UFF). Contou ainda com os monitores Potira de Siqueira Faria e Guilherme Carvalho (Antropologia), Rosa Caitanya (Produção Cultural), Thaís Souza dos Reis Gonçalves (Geografia) e Raffaela Menegueli Pimenta Dias (Ciências Sociais), além de equipe de audiovisual.

[11] Referência:  Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu - UFF.

http://www.pontaojongo.uff.br/historia-memoria-e-patrimonio. Acesso em 24/07/2021

[12] Cumpre esclarecer que nas universidades públicas brasileiras os professores são concursados e sua titulação como mestre e/ou doutor é um atributo praticamente obrigatório. A admissão de professores fora destas condições é extremamente difícil, envolvendo grande burocracia, inclusive quanto à sua remuneração.

[13] A sala de aula, tal como rotineiramente se apresenta, mostra-se bastante inadequada para as atividades do Encontro de Saberes. Um dos problemas enfrentados, refere-se ao vazamento do som produzido por instrumentos musicais, cantos e palmas, que, frequentemente atinge as salas de aulas adjacentes, onde se realizam outras atividades. Este ponto pode parecer menor, mas é um indicativo de que as universidades não foram criadas para o exercício destas atividades, privilegiando a atividade reflexiva e silenciosa.

[14] Noto que até as primeiras décadas do século XX, performances afro-brasileiras eram proibidas pelo Estado e perseguidas pela polícia.

[15] Os pontos são versos cantados nas rodas de jongo. Veiculam aspectos da vida cotidiana, do passado e do presente e frequentemente têm uma natureza enigmática e misteriosa. No tempo da escravidão, eram utilizados para a comunicação secreta no contexto do cativeiro. Pontão do Jongo / UFF.

[16] Categoria nativa que designa o espaço ritualizado do jongo. Roda remete à imagem de um círculo formado por jongueiros e jongueiras e em cujo centro se realiza a dança em pares.

[17] Sobre o prefixo “re” a estudante riscou um X, que pode indicar a ambiguidade do processo que viveu.