Memórias de mulheres – Discursos de exílio interno em tempos de ditadura brasileira
Internal Exile, discourses and women's memories in times of Brazilian dictatorship
Andrea Silva Domingues
Universidade Federal do Pará,
Faculdade de Letras Língua Inglesa,
Campus Universitário do Tocantins – Cametá (Brasil)
https://orcid.org/0000-0002-9264-7754
Marcos Fábio Freire Montysuma
Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil)
https://orcid.org/ 0000-0003-0895-7993
Resumen
O texto apresentado tem como objetivo dialogar com a categoria exílio interno como um acontecimento histórico e discursivo, vivenciado por mulheres em tempos de governos ditatoriais no Brasil. Como corpus de análise trabalhamos com as narrativas orais apresentadas na obra “Memórias das mulheres do exílio” publicado no ano de 1980. Metodologicamente, o trabalho foi desenvolvido na interlocução da Análise de Discurso e da História Social, possibilitando uma melhor compreensão do funcionamento da memória e seus sentidos. Para a realização deste estudo, compreendemos o discurso como a palavra em movimento, como espaço sócio histórico, um espaço de luta e resistências. As análises realizadas indicam que o exílio interno foi um acontecimento permeados de muitas memórias e histórias, vivenciadas de maneiras diferenciadas por cada narradora, mas que trazem marcas do silêncio, das dores do corpo e da perda identitária.
Palavras-chave
Exílio Interno; Discurso; Memória.
Abstract
The text presented here aims to discuss the category of internal exile as a historical and discursive event, experienced by women in times of dictatorial governments in Brazil. As a corpus of analysis, we worked with the oral narratives presented in the book "Memoirs of Women in Exile" published in 1980. Methodologically, the work was developed in the interlocution of Discourse Analysis and Social History, enabling a better understanding of the functioning of memory and its meanings. To carry out this study, we understand discourse as the word in movement, as a socio-historical space, a space of struggle and resistance. The analyses carried out indicate that the internal exile was an event permeated with many memories and stories, experienced in different ways by each narrator, but which bear the marks of silence, of the body pains, and of the loss of identity.
Keywords
Internal Exile; Speech; Memory.
Apresentação
O texto apresentado é resultado de um dos projetos de estudo / pesquisa vinculado ao Grupo de Pesquisa Discurso, Sentido, Sociedade e Linguagem (DISENSOL) da Universidade Federal do Pará (UFPA), cadastrado e reconhecido no Diretório dos Grupos de Pesquisa (DGP) no Brasil, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e ligado ao Laboratório de História Oral da Universidade Federal de Santa Catarina. É também resultado da parceria do Acordo de Cooperação Acadêmica entre a Universidad Nacional de la Patagonia San Juan Bosco (UNPSJB) e a Universidade Federal do Pará – Campus Universitário Tocantins (UFPA – CUNTINS/Cametá), parcerias essas que possibilitam pensar, revisar e problematizar conceitos através de um diálogo coletivo, interdisciplinar, principalmente por compreendermos as práticas de resistência como espaço do acontecimento, do discurso, do novo, que abarca fronteiras diversas, no ir e vir de memórias, não como o lugar do fim da história mas pleno de cultura, discurso em movimento que se dá pela e na linguagem.
Iniciamos nossas incursões neste texto indicando que a categoria exílio interno é aqui discutida como uma das formas de se viver, ou ter vivido o exilio. Para tanto
recorremos a Sousa:
“Na realidade existem muitos exílios, que podem ser vividos tanto no isolamento dentro do país, como é o caso dos clandestinos ou dos prisioneiros, como também por aqueles que se encontram fora do país, mas que reagem de formas diferentes pela maneira como as diferentes situações são subjetivamente percebidas” (Sousa, 2006: 67).
Então, tomamos aqui as suas formulações, conforme a citação acima aponta, para situar que, as pessoas que nos servem de motivação, pelo uso que fazemos de suas narrativas nessa discussão, se prestam para inspirar os entendimentos que abordamos, na medida em que passaram pela experiência do exílio interno, conforme esclarece Sousa. Logo não é uma categoria que nós criamos, mas atende aos nossos fins.
O texto tem por objetivo dialogar com as experiências de exilio interno, vivenciadas por quatro mulheres comprometidas de formas diversas na luta que empreenderam resistindo ao regime ditatorial, seja defendendo ideias políticas na militância em partidos clandestinos; acompanhando seus esposos no processo de militância e de fuga; defendendo seus filhos militantes políticos ou simplesmente por não se encaixarem no projeto de governo ditatorial. E que antes de saírem para o exílio internacional ocuparam diferentes posições como sujeitos ativos, que atuaram e viveram o isolamento e a perseguição política dentro do Brasil.
A opção por escolher as narrativas dessas mulheres reside no fato delas comporem o livro “Memórias das Mulheres do Exílio”, umas das primeiras obras organizadas que discute a temática das memórias de mulheres brasileiras exiladas e que traz em seu bojo relatos detalhados, que tomamos como importante material de estudo/pesquisa, e um relevante instrumento de denúncia dos anos de ditadura brasileira. Ao buscar compreender o acontecimento exílio, observamos que os estudos: o “trabalho de reconstrução de experiências exilares são devedoras de algum modo de uma autêntica explosão de memórias” (Yankelevich, 2011: 21) e a obra “Memórias das Mulheres do Exílio”, nosso corpus de análise trazem essa explosão de memórias individuais e coletivas. Assim buscamos colaborar para que essas memórias não sejam apagadas, esquecidas. Convém registrar que o maior esforço dos artífices, da ditadura brasileira, bem como de seus tributários, assim como ocorreu no governo Bolsonaro, consistiu em apagar os rastros do regime, apagar as memórias que remetem aos crimes cometidos pelos membros do regime, naqueles duros vinte e um anos.
O livro “Memórias das Mulheres do Exílio”, foi publicado em 1980 no segundo volume do Projeto Memórias do Exílio. É uma obra coletiva, organizada pelo Grupo de Mulheres Brasileiras de Lisboa[1] tendo como editoras as autoras Albertina de Oliveira Costa, Maria Teresa Porciúncula Moraes, Norma Marzola e Valentina da Rocha Lima; “o livro reúne trinta depoimentos que se originaram de entrevistas, e um depoimento escrito. As entrevistas eram sempre de uma pessoa, haviam duas entrevistadoras da equipe e, foram realizadas, sobretudo, na França, em Paris, e em Lisboa” (Costa, 2009). É nesta explosão de memórias que optamos neste momento e neste texto por dialogar pelo viés da Análise de Discurso, observando o discurso como a palavra em movimento e “a linguagem fazendo sentido porque se inscreve na história” (Orlandi, 2010: 15).
A seleção, das narrativas analisadas neste texto, ocorre por as tomarmos como fonte de pesquisa, por carregarem sentidos, que expressam experiências do exílio vivenciados por mulheres, em diferentes posições de sujeitos que lutaram no período da ditadura civil-militar do Brasil entre 1964 a 1979. Todas elas, segundo interpretamos, de alguma forma tocam de maneira profunda nos sentidos do que é viver um exílio dentro do próprio país, o que chamamos de exílio interno, tomado aqui como um acontecimento político e histórico, que de forma direta atingiu o ato de caminhar livremente, sem medo dessas mulheres dentro de seus territórios de interação e construção da vida ordinária.
O Brasil desde os finais dos anos 1930 com o governo nacional-desenvolvimentista, de Getúlio Vargas, viveu momentos de centralização de poder e censura. Em 1964, no governo de João Goulart ocorreu o golpe civil-militar, organizado por militares e grupos civis conservadores da elite brasileira. Em 1968 o regime recrudesce de tal forma, quatro anos após o golpe, expondo sua faceta mais autoritária e violenta, que foi o decreto do Ato Institucional n. 5 ou simplesmente AI5. Tem como foco perseguir qualquer um que não concordasse com o autoritarismo e com a repressão imposta pelos militares. Com o AI5 intensifica-se o número de brasileiras e brasileiros perseguidos, ameaçados, torturados e mortos por resistirem à ditadura. Mulheres e homens são obrigados a se deslocarem internamente, numa busca incessante por proteção e partiam para diferentes territórios, dentro do Brasil. O motivo para mudar de cidade ou de estado recaía sempre na busca de proteção, para fugir da repressão, sua ou de algum familiar ameaçado pelas mãos do regime. Houve quem enfrentou o exílio interno para participar de organização política e por envolvimento nos movimentos em defesa da democracia. Muitos desses casos, numa etapa posterior viveram a experiência de deixar o Brasil pelo exílio externo. Vários países tornaram-se o rumo de destino dos brasileiros:
“O primeiro país que recebeu grande número de exilados brasileiros e, entre eles, os militares, foi o Uruguai, à época uma democracia. Após o progressivo engessamento das liberdades democráticas, o Uruguai sofreu, em 1973, um golpe de estado. Milhares de exilados brasileiros partiram, então, em busca de um novo refúgio, instalando-se especialmente no Chile. Com o golpe no Chile, em 1973, aconteceria nova diáspora de exilados brasileiros. ... Há, ainda, relatos de migração para Cuba, Alemanha Oriental, Hungria, França e Portugal” (CNV, 2014:41).
Observa-se que diferentes países receberam os homens e mulheres que saíam do Brasil em consequência da perseguição política, da possibilidade de tortura e toda violência e insegurança que persistia cotidianamente. Será no entremeio, no antes de deixar o Brasil, nas vivências às escondidas, perseguidas, o fato inusitado de estar ilegal dentro do próprio território brasileiro experimentados por mulheres, que trabalharemos neste texto com as memórias narradas e transcritas para a construção do projeto Memórias do Exílio, que deu origem a obra “Memórias das Mulheres do exílio”, pois:
“As mudanças de visão de mundo, em confronto com o fato exílio, não se esgotam nem só no político, nem só no intelectual. O conceito é mais abrangente do que isto. Tem que sê-lo para poder ser instrumental para a compreensão da totalidade do que somos e da globalidade onde estamos inseridos” (Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980:16).
Em nossa compreensão, o exílio é ao mesmo tempo um acontecimento histórico e discursivo. Que avança as fronteiras geográficas, internas e externas, fazendo desse espaço o lugar da experiência, o lugar da história, o lugar de se dizer, de se fazer de formas diversas. É no apelo às narrativas de mulheres que viveram um exílio interno dentro de seus sentimentos e do território brasileiro, que compreendemos um desenrolar da história através de sujeitos sem grandes destaques na sociedade. E muitas vezes, senão na maioria das vezes, a versão da história destes sujeitos não é contada. O que provoca a sensação de um acontecimento ausente ou desconhecido ou, até mesmo, com sentidos silenciados, pois:
“A história dos movimentos populares torna-se então relevante ao tipo de história ou parte dela, que tradicionalmente eram escritas, apenas a partir do momento em que as pessoas comuns se tornaram um fator constante na concretização de decisões e acontecimentos” (Hobsbawn, 2013: 219).
Ao analisarmos os discursos das mulheres que experimentaram de maneiras diversas o acontecimento exílio, percebemos que a memória individual, subjetiva e os fenômenos sociais, a que chamam por memória coletiva, se inter-relacionam. Temos que a “memória subjetiva e coletiva interagem, funcionam juntas, mas também, alinham-se separadamente, sendo que a memória subjetiva expressa a faceta individual, a parte pessoal, cognitiva, o modo como as pessoas explicam os fenômenos. Ao passo que a chamada memória coletiva expressa uma memória social, que é compartilhada em grupos” (Halbwachs, 2013). Dessa forma, expressando um sentido de pertencimento e identidade; contudo, a memória subjetiva e a coletiva não funcionam sem que expressem em palavras, posto que ambas são mecanismos ligados ao interdiscurso, a memória discursiva, aquilo que fala antes em outro lugar, que passa por diferentes tempos da memória. Convém destacar que a chamada memória coletiva é engessada, rígida, imutável. E que tomá-la como uma matriz analítica significa que se aceita a rigidez que oprime e determina o papel da pessoa que integra determinado grupo. E se o conteúdo oriundo dela não ratifica os sentidos de pertencimento do grupo, se não fala algo que o grupo aceita e toma como seu, ela está fora, não pertence àquela coletividade. Por isso dedicamos especial atenção quando nos encontramos diante da categoria memória coletiva. E a usamos com parcimônia. Até efetuamos uma redação em que ela aparece, mas não necessariamente concordamos com ela. E até entendemos que as pessoas a utilizam ingenuamente, desavisadamente ou sem entender os seus sentidos.
E por compreender as armadilhas das palavras que analisamos as narrativas sobre o exílio interno com o intuito de “compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua história” (Orlandi, 2010:15). Queremos mesmo compreender a língua, aqui tomada, enquanto agente da fala, por expressar a linguagem de modo não-acidental, enquanto órgão motor operacional comandada pelo cérebro, que articula e determina quais ideias devem ser enunciadas, vocalizadas por ela.
Podemos pensar no exílio como um lugar de constituição dessas mulheres, como sujeitos, que vivenciaram esse acontecimento. Por outro lado, elas não delegam a terceiros a possibilidade de construir uma narrativa, através do discurso, fazendo uma articulação das suas experiências de viver o momento histórico, através do aparato linguístico.
Sendo assim, julgamos essencial tomar a Análise de Discurso como uma referência que articula possibilidades de explicar, interpretar e conhecer suas muitas memórias e outras histórias vividas e realçadas no estranhamento do momento crítico, que passava o país. Destaque-se a condição de uma vivência integrada àquele tempo, porém não poderiam vivenciar o seu lugar, que por diferentes motivos deixavam o local de pertencimento.
Para pensar os diferentes sentidos do ser mulher nessas condições, perceber e identificar-se mulher no exílio interno, foi necessário compreender que a “situação do exílio, com o e no exílio no contexto da ditadura não requer apenas o deslocamento geográfico, mas impõe ao indivíduo uma errância nômade, um estranhamento em sua própria terra” (Bocchino, 2014:16). Para esta reflexão buscamos nas narrativas discursivizadas, oralizadas e transcritas na obra “Memórias das Mulheres no exílio” (Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980), compreender o funcionamento de e sobre a perda e a reconstrução identitária dessas mulheres vivenciadas pelo e no exílio interno.
Percurso teórico e metodológico: entre História Social e Análise de Discurso
No desenvolvimento desse estudo tomamos como caminho teórico e metodológico a História Social e Análise de Discurso, tendo como intenção descrever, fortalecer a importância dos trabalhos com a memória e seus registros, a partir de nossa experiência através da prática da História Oral, em que consideramos a arte de falar que se dá pelo e no discurso, enunciado pela palavra em movimento, como uma prática de linguagem que abrangem, impregnam os acontecimentos históricos e discursivos de sentidos.
O interesse pela história social justifica-se, principalmente, devido à valorização dos homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras que não estão inseridas dentro de um discurso fundador que conforme Orlandi (1993: 12) “... são os enunciados que ecoam e reverberam os efeitos de nossa história, em nosso dia a dia, em nossa reconstrução cotidiana, em nossa identidade”, pois:
“A história ‘aparenta’ o movimento da interpretação do homem diante dos ‘fatos’. Por isto, para ele, a história está ‘colocada’”. Sendo assim, parto do princípio que o discurso fundador se coloca através da interpretação na história” (Pêcheux, 2002: 9).
Interessa analisar suas relações sociais, suas lutas e receios, as formas pelas quais as mulheres se envolvem no acontecimento discursivo e histórico de viver isoladas, perseguidas dentro do Brasil por consequência da ditadura militar. Nesse sentido, recorremos aos fundamentos teóricos e metodológicos da História Oral, onde autores como Alessandro Portelli (1997; 2016), Janaina Amado (2002), Andrea Domingues (2011;2013; 2017; 2020) e Marcos Montysuma que tendem para o mesmo objetivo quando lidamos com a prática do uso das narrativas orais, das memórias transcritas não apenas como uma ferramenta de pesquisa, mas sim com compromisso social dos quais os sujeitos são compreendidos dentro de todo um processo sócio constitutivo, sempre articulando questões como a memória, a narrativa e a ideologia que se dá pela e na linguagem. Como destaca (Montysuma, 2012: 56-57) “devemos assumir paixões na prática da história oral”, e é sobre e nesta paixão que socializamos, partilhamos memórias, histórias, de mulheres exiladas ou não, que viveram experiências de vida de um exílio interno dentro do Brasil. Entendemos que a paixão aqui no texto, reside na ideia de compartilhar problematizando algo que nos mobiliza, tomado como importante expor à sociedade que integramos, reafirmando a necessidade de lutar contra os apagamentos e esquecimentos políticos ou construídos culturalmente.
Alessandro Portelli (1997), ao falar sobre História Oral, destaca o pluralismo resultante dessa prática que trata das visões particulares dos acontecimentos, permitindo a construção do conhecimento por várias abordagens. Indicando que o depoimento, a narrativa é dada a partir do filtro da memória de cada entrevistado e de sua subjetividade, que o levam escolher o que quer relatar ou não. E nessa direção que (Domingues, 2017:22) também nos afirma que “a narrativa constitui um instrumento de formulação e de construção de memória social, de produção de consciências e de formulação de referências identitárias.” É nessa trama articulada entre passado e presente, que observamos as narrativas, as memórias do exílio interno, que foram (re)significadas e atribuindo sentidos a sua realidade vivida em uma obra coletiva, com um grupo de mulheres brasileiras que viveram o exílio interno, para viver o externo, visto que “As mulheres, como todos aqueles que nunca foram reconhecidos pela historiografia, não tem sua história registrada” (Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980:17).
Nesse movimento o uso das narrativas orais, além de compor uma arte da escuta é entendida por estes pesquisadores sociais, analistas de discurso e militantes como uma prática social onde, como nos diz (Portelli, 2016), deve se manter “o respeito às motivações e prioridades das outras pessoas”, sempre dialogando com a história em uma perspectiva crítica.
Entendendo a Análise de Discurso como uma possiblidade teórica de interpretação, sob um ponto de vista discursivo, iremos trilhar os caminhos de Michel Pêcheux (1990; 1990a) e Eni P. Orlandi (2003; 2007; 2010); para que possamos compreender o exílio tomado como “fato de linguagem que se inscreve em uma política da palavra” bem como o espaço que “diferentes formas de silêncio trabalham os processos de produção de sentidos” (Orlandi, 2007: 93), para explicar as experiências vivenciadas por aquelas mulheres.
Assim, para a construção deste texto utilizaremos dos dispositivos teóricos como discurso, memória e identidade, os quais serão fundamentais para dialogarmos com o ir e vir da memória discursivizada por algumas mulheres que experimentaram, vivenciaram o exílio interno e externo. Importante destacarmos que o exílio não pode ser confundido apenas como um acontecimento de refúgio, pois no Brasil:
“O exílio dos anos 60 e 70 foi uma tentativa de afastar e eliminar as gerações que contestavam, a partir de um projeto, a ordem política e/ou econômica identificada à ditadura civil-militar. É preciso, portanto, compreende-lo na mesma lógica da prisão política, dos assassinatos, da imposição à clandestinidade; como a tentativa de destruição de uma determinada experiência política” (Rollemberg, 2004: 281).
Pensando nessa relação do discurso político, da memória, dos deslocamentos territoriais, do processo identitário e da produção de sentidos em torno do acontecimento político do exílio, do viver obrigatoriamente como clandestinas dentro de seu próprio país que propomos pelas e nas memórias de mulheres, buscarmos pensar o funcionamento da linguagem e da história pela “língua de espuma ou melhor língua de chumbo” que como nos indica (Orlandi, 2007) é uma língua falada no período ditatorial do Brasil que trabalha o poder de silenciar corpos, memórias, ideologias, oposições e identidades.
A Língua de Chumbo afetou e continua afetando corpos, vidas daqueles, daquelas que não assumiram o discurso fundador dos militares e do fascismo que emergiu em tempos passados e emerge em tempos presentes em terras brasileiras. O discurso fundador tem a função de interpelar, afetar pela ideologia os sujeitos sociais, que também são sujeitos do discurso, como nos alerta Orlandi que os “discursos fundadores são espaços da identidade histórica é memória temporalizada, que se apresenta como institucional, legítima” (Orlandi; 2003: 13).
Ao não aderir essa memória legitimada, homogeneizada, institucionalizada que representa interesses em sua maioria classista e capitalista, e em tempos de ditadura do “Rumo ao Progresso” mulheres e homens foram silenciados e ou orientados a se manter em silêncio das mais diversas formas, violentados e segregados em seu território, onde o sentimento de pertencimento se tornou uma luta diária de muitas dores e labutas.
É nesse contexto que as narrativas das mulheres que foram forçadas a viverem exiladas dentro de seu local de pertencimento, seja por serem militantes, companheiras, filhas e ou mães de outros sujeitos que não se encaixavam no discurso fundador pautado no autoritarismo, na violência em tempos de ditadura no Brasil são consideradas arquivos sensíveis, temas latentes, memórias silenciadas por muito tempo, do qual temos o compromisso de trazer à tona os diferentes discursos e acontecimentos vividos por quatro mulheres.
Desta forma repensar e interpretar o funcionamento da memória e do discurso a respeito dos temas sensíveis, como as memórias de e sobre o exílio interno é o objetivo central de nossos diálogos neste texto, pois os documentos e arquivos sensíveis, trazem consigo toda uma historicidade, práticas de linguagem e discursos fundadores, marcados por tensões e resistências. Problematizar o funcionamento da memória e do discurso a partir das experiências vividas individualmente e coletivamente por mulheres em tempos de ditadura brasileira nas fronteiras da história e da linguagem a partir de temas sensíveis e suas formas de arquivos com um “olhar político” (Sarlo, 2015) se faz emergente para a defesa de uma sociedade democrática e mais justa, para o não silenciamento e preservação de outras memórias além da institucionalizada, para a constituição de arquivos sensíveis em tempo presente de livre acesso aos estudiosos e pesquisadores.
Narrativas orais, discurso e exílio interno
O deslocamento social, político, o migrar, imigrar de mulheres e homens do Brasil em tempos de conflito ideológico político se deu de formas diversas, e causa diferentes significados na vida de cada um, trazendo sentimentos, histórias, memórias relacionadas ao papel dos sujeitos em tempos de ditadura militar brasileira.
Para compreensão do sentido de se viver exilado dentro do próprio país que iremos dialogar neste texto com as narrativas do sujeito mulher, especificamente as que estão disponíveis na obra “Memórias das Mulheres no exílio”, volume II, uma obra coletiva que trata especificamente das experiências de vida de mulheres que vivenciaram o acontecimento exílio, e assim entendemos que
“São exiladas as perseguidas, as punidas, as presas e torturadas. São exiladas as que sofreram perseguições indiretas. Esposas, mães, filhas, amantes. São exiladas as que perderam suas condições de trabalho, também aquelas que não puderam suportar o sufoco numa sociedade onde a ditadura desenvolveu e potenciou tantas formas de opressão. E ainda aquelas que teimaram em ser livres, onde as liberdades estavam cerceadas” (Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 18).
Dentre as mulheres exiladas que fizeram parte da obra coletiva, algumas, em suas memórias nos deixam evidências concretas que o acontecimento exílio, é algo vivido incialmente internamente em seu próprio território, como um sentimento. Antes de ocorrer o exílio externo há o exílio interno. Pois, há várias maneiras de se viver o acontecimento exílio, posto que diferentes formas afetam os sujeitos que são expressados pela e na linguagem. É precisamente neste sentido que vislumbramos possibilidades para entendermos o que se passa. Como sugere Guimarães (2011), uma delas consiste na busca de sentidos dos acontecimentos, ao afirmar que
“Minha posição enquanto historiador da Ciência é compreender os sentidos dos acontecimentos humanos; uma compreensão dos fatos tomados como acontecimento. Enquanto historiador, no entanto, não me ocupo de fatos singulares, não me ocupo das singularidades das coisas, e, sim da especificidade dos fatos, ou seja, enquanto elemento de uma série, algo constituído por uma especificidade é acontecimento. O acontecimento, no entanto, apresenta uma temporalidade própria, não se deixa tomar por uma cronologia dos fatos” (Guimarães, 2011, palestra).
Na citação apontada, tomando nela uma perspectiva discursiva, observa-se que o acontecimento exílio é desta forma entendido neste texto como um fenômeno de linguagem, como uma memória em funcionamento, que é interpelada pelo discurso, pelas relações estabelecidas, pelas formas de se dizer e significar na sociedade e todo seu processo sócio constitutivo e não apenas como um fato estagnado no passado, mas como um acontecimento permeado do ir e vir da memória, pleno de temporalidades e historicidades já que “discurso em si não diz nada, pelo contrário, é necessário chamar atenção para os diferentes discursos que são produzidos acerca de um mesmo tema, e notar que da confluência e da intersecção destes é que um acontecimento pode surgir” (Couto, 2011: 2), ser significado, reinterpretado ganhando sentidos, outros sentidos.
Assim acerca do tema exílio, nos propomos pelas narrativas orais, interpretar os sentidos e o funcionamento do exílio interno como um acontecimento que foi experimentado de formas diferentes por mulheres e homens no Brasil no período ditatorial. Era um momento conhecido como anos de chumbo, pela coerção, violência, censura e silenciamento das formas de se dizer,
“E que chega a nos fazer compreender de modo interessante o que é, por exemplo, a censura, vista aqui por nós não como um dado que tem sua sede na consciência que um indivíduo tem de um sentido (proibido), mas como um fato produzido pela história. Pensada através da noção de silêncio ..., a própria noção de censura se alarga para compreender qualquer processo de silenciamento que limite o sujeito no percurso de sentidos” (Orlandi, 2007: 13).
Observa-se que a censura é uma forma de silenciamento, de negar o dizer do outro. Ela é uma arma opressora, que faz a linguagem, em tempos de ditadura, no Brasil, ser cerceada, silenciada pelo governo, por questões ideológicas. Por esse perfil a censura e a violência praticadas ocorrem fazendo desse momento um período também de Língua de Chumbo, aquela que pesa e não se move e por isso que o silêncio é “O não-um (os muitos sentidos), o efeito do um (o sentido literal) e o (in)definir-se na relação das muitas formações discursivas tem no silêncio o seu ponto de sustentação” (Orlandi, 2007: 15). Logo silêncio poderia ou não ser segurança da vítima nas mãos do algoz. Por outro lado, o silêncio denuncia o pertencimento a um lado, que não pode abrir a boca e falar, para não abrir um caminho sem volta, da delação de companheiros de utopia.
Nesse silêncio que buscamos no interior das narrativas a ideia de exílio interno, acontecimento muitas vezes passado despercebido, silenciado na vida das pessoas e que se significa pela historicidade vivida por cada uma em território brasileiro e em tempos de ditadura.
Zuleika Alambert, uma das narradoras da obra coletiva, mulher, militante vivenciou experiências políticas desde muito cedo em sua vida, tornando-se uma das lideranças do Partido Comunista. Vivenciou intensamente os anos finais da segunda guerra mundial, onde o Brasil sob o governo de Getúlio Vargas, a partir dos acordos de Washington, enviou as Forças Expedicionárias Brasileiras – FEB para combater na Itália (1944 – 1945), bem como também se tornou deputada federal em 1947, compondo uma bancada de 14 parlamentares comunistas, de um total de 305, da Câmara Federal. Assim foi até a cassação da legenda, pelo governo com mescla autoritário-democrática de Eurico Gaspar Dutra. Vejamos seu relato:
“Fiquei no parlamento até que nossos mandados foram suspensos como uma consequência lógica da cassação do registro do Partido Comunista. Logo em seguida travou-se a luta pela autonomia de São Paulo e todos os ex parlamentares comunistas assinaram um manifesto a favor dessa lista. Quando o manifesto foi lançado houve uma ordem de prisão contra todos os signatários. Não foi difícil prender praticamente toda a bancada, porque nós ainda vivíamos legais. Eu estava no triangulo mineiro, mas eles me localizaram e cercaram a casa onde eu estava hospedada. Como era de um vereador não foi invadida, pois na época ainda havia um certo respeito pelas imunidades parlamentares. Ficaram na porta esperando que eu saísse para me prender. Então pintei os cabelos de amarelo, me vesti de escolar e de manhã, quando as filhas do vereador saíram para a escola, sai como elas, os livrinhos embaixo do braço! Fui para um ponto onde um companheiro me esperava e cheguei a São Paulo clandestina. Começa aí a minha primeira clandestinidade – um período que vai mais ou menos de 1947 a 1954, quando retornamos, não de direito, mas de fato, a legalidade” (narrativa de Zuleika Alambert, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 55).
A narrativa de Zuleika, nessa passagem historiciza de modo sintético o processo de entrada na clandestinidade, o início das perseguições políticas, ideológicas que já se constituíam no Brasil, na realidade desde o período de 1937 a 1945. A vida livre, que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) usufruiu durou aproximadamente dois anos, até 1947. O período de clandestinidade se estende até 1954.Como está claro em seu discurso, desde décadas passadas antes dos anos de chumbo (marcados de 1964 até 1985), a cassação do PCB, as ordens de prisão e questão de viver a clandestinidade, sob disfarces marcam o discurso da narradora. O estar na legalidade no Brasil não significava poder ser livre, todos que não se encaixavam no projeto ideológico, sob o discurso fundador, categoria que entendemos, na perspectiva a qual nos orienta, o discurso que “funciona como referência básica no imaginário constitutivo de um país” (Orlandi: 2003: 7), onde todos que não concordavam com o discurso do governo eram cercados, cerceados, presos, torturados tendo que buscar estratégias de viver noutras cidades, noutros lugares dentro do Brasil, assim como nos diz Zuleika “começa ai a minha primeira clandestinidade” (Idem). Na realidade concreta passam de uma condição legal a clandestinos, ilegais dentro de seu país, num piscar de olhos. E como bem aponta o dicionário on-line “Clandestino: Adjetivo: Feito às escondidas; sem ninguém saber; oculto: reunião clandestina. Que é contra às leis ou à moral; ilegal, ilícito: negócios clandestinos.” (Clandestino: 2020). O estar fora da legalidade dentro do Brasil significa naquele momento viver as escondidas, e foi desta forma que essas vidas são marcadas por um estar e não estar no Brasil, pelo silêncio de serem o que são e terem que viver exiladas, expulsas, perseguidas dentro de seu próprio país.
“Viver clandestina como profissional do partido é bastante difícil. Aliás, este foi um dos períodos mais duros de minha vida, como foi para todos os companheiros.” (narrativa de Zuleika Alambert, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 55)
Zuleika de forma bem clara relata que viver como clandestina foi um dos períodos mais duros de sua vida, como liderança profissional do Partido (ela ressalta) teve que organizar o movimento, atuar na denominada ilegalidade, sofrendo por não poder ser o que era em um momento de grande importância para a juventude comunista, que estava à frente de lutas patrióticas em torno das questões nacionais.
“Foi a fase de busca de solução para os problemas nacionais, e que vai durar praticamente até a eleição de Juscelino, quando se dá – de fato – um retorno do partido a legalidade. Umas das primeiras pessoas que veio a legalidade fui eu, pois o partido me mandou para Santos pra começar a levantar as palavras de ordem nacionalistas, companheiros” (narrativa de Zuleika Alambert, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 55).
A questão de viver livre dentro do país para Zuleika está vinculada a legalidade, o ser legal nessas circunstâncias é poder ser você e defender projetos políticos e ideológicos diferentes do discurso do status quo vigente, receber e executar as tarefas do Partido. Nisso se programa um quotidiano, que “é aquele que vão nos inventando um passado inequívoco e empurrando um futuro pela frente e que nos dão a sensação de estarmos dentro de uma história de um mundo conhecido” (Orlandi, 2003:11), nos forjando uma condição que resiste aos apagamentos e se mantém como uma memória estabelecida. E Zuleika como liderança política, feminista não se encaixava nesse discurso ditatorial, mas “em 1964 as coisas se complicaram, companheiros” (narrativa de Zuleika Alambert in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 58), a tal ponto que as perseguições, violências, torturas, mortes ocorriam de modo mais presente, mais intensas e “a partir daí, tornou-se cada vez mais difícil a minha permanência no país, até que em 1970 resolvo sair” (Idem).
A trajetória de vida de Zuleika traz uma historicidade marcada por certa linearidade que num apelo à memória traz lembranças de resistência, que mesmo vivendo os anos mais difíceis de sua vida o exílio interno, escondida, dentro do país, atuando na ilegalidade, por ser uma mulher militante, líder do Partido Comunista Brasileiro, ela ainda consegue permanecer até o ano de 1970, quando sai para seu exílio externo, por reconhecer a dificuldade de permanência, de certo, por temer cair nas mãos do regime. O que acabou acontecendo, com um grande número de quadros, que resistiram em permanecer, para fazer a luta democrática.
Observamos que o exílio interno e ou externo estão vinculados à noção de pertencimento e identidade a um dado território. O lugar de atuação dos sujeitos atua na consciência de si no mundo, porque esse sentido de pertencimento proporciona aos indivíduos uma espécie de referência através da qual olha e avalia o mundo. Por isso se expressa nestes termos, conforme ela diz que “para mim é muito importante minha origem, de onde eu vim, onde eu nasci, o que sou, para onde vou” (narrativa de Saudade, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 145). Onde se marca que a territorialidade, o espaço de ser e viver é vinculado nas memórias de Saudade como o ato de pertencer aquele lugar, de identidade que emerge em memórias de uma mulher nordestina, mãe, militante do movimento estudantil, atuante no Movimento de Cultura Popular, que tinha como base a educação para formação dos sujeitos; mas também como professora universitária, casada com intelectual ativista, nas narrativas trazidas pela coletânea de “Memorias de Mulheres no exílio”, descreve sua trajetória de vida desde a infância em terras nordestinas, passando pela capital Pernambuco para os estudos e mais tarde atuando na universidade em Brasília até os inícios dos anos 60 quando,
“...depois do golpe passei as escondidas... oito lugares diferentes. Meu casamento... Já tinha um mês que não via a família. Entrei numa capela... uma roupa que caia em mim, porque apesar de grávida, estava magérrima de passar por casas e casas, tensões e mais tensões, não podia dizer que estava grávida, ter que vomitar e abrir as torneiras pras pessoas não escutarem, me chamarem por nomes que não eram o meu. Num primeiro momento fui perseguida e procurada” (narrativa de Saudade, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 145-146).
Seu relato nos mostra uma ideia dos percalços sofridos pela mulher gestante, sem as condições ideais para gerar vida, onde em certa altura tem que esconder a vida que carrega no ventre. Naquelas circunstâncias defender a sua vida implica, por não estar vinculada ao discurso ditatorial brasileiro na década de 1960, ter que viver as escondidas, a perder seu nome, fugindo e se acomodando em diferentes lugares. Disso resulta em negar a identidade, como forma de defesa e de proteção da vida que carregava consigo. Conhecer as histórias vividas dentro do Brasil por mulheres que viveram o exílio internacional, nos permitiu tomar conhecimento de um fenômeno ignorado, ou até certo ponto negligenciado pela historiografia, que tratamos por exílio interno. Onde, antes de saírem do Brasil para outros países, as pessoas vivenciaram experiências dolorosas, conforme nos alerta Saudade, “foi como um primeiro exílio. Vivemos durante dois anos numa cidadezinha. Era um esquema bastante cuidadoso, eles sempre podiam tomar outra decisão do tipo: depois do filho nascido vamos pegar” (narrativa de Saudade, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 146).
A vida de Saudade, como de outras mulheres, em tempos ditatoriais no Brasil foi marcada pelo medo de ser presa, de ser torturada. Vem daí as estratégias do silêncio como defesa do ser que carrega no ventre. Em suma, havia o temor de não chegar à plena vida, a criança em desenvolvimento. Ao viver um exílio interno essas mulheres sujeitas às artimanhas do poder, nos revelam que “... as identidades são marcadas pela multiplicidade de posições de sujeito que constituem o sujeito. Portando, a identidade não é fixa nem singular; ela é uma multiplicidade relacional em constante mudança” (Brah, 2006: 371), onde a questão identitária está ligada as experiências vividas pelos sujeitos, não sendo homogênea, estagnada, mas sempre um acontecimento em construção com todo processo sócio constitutivo, com sensações íntimas de temor à repressão, que levam a sentimentos do tipo que “era como seu eu não coubesse mais lá dentro, eu não me cabia mais, por todas as razões não dava mais para eu ficar dentro” (narrativa de Saudade, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 150).
O viver as condições de clandestinamente, significava entender que estava sob ameaças constantes. E mesmo quando “sofria ameaças todos os dias, sempre continuei a trabalhar porque minha intenção era permanecer no Brasil” (narrativa de Leta de Souza Alves, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 173). Leta nos possibilita observar as marcas de memórias de uma mulher que se “assumia como mulher e não como mulher dele”, de classe média, mas nessa condição já podemos falar mesmo como vivendo uma condição de pobreza, do interior de Minas Gerais, filha de pastor protestante, se casou aos 18 anos, mãe de sete filhos, teve experiências de viver no campo em regiões diferentes do Brasil como Mato Grosso, professora e secretária, vivenciou a prisão do marido, da filha e também foi torturada.
“Passaram a me procurar e a pressionar as pessoas para que dissessem onde eu estava. Quer dizer, me puseram na clandestinidade! Aí começa o exílio na minha própria terra, minha própria pátria. Período terrível de minha vida!” (narrativa de Leta de Souza Alves, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 173).
Leta de Souza Alves teve sua residência invadida em São Paulo em janeiro do ano de 1970 pela Operação Bandeirante, comandada por Sérgio Paranhos Fleury na qual seu esposo foi preso e torturado, iniciando neste momento uma luta para sobreviver junto a família. E como afirma, assim como as demais narradoras, foram colocadas na clandestinidade, obrigadas a viver um exílio dentro de seu próprio território. Temporalidade esta que trouxe sentimentos de não poder estar ou ser em sua terra natal, pois “para permanecer, tínhamos que mudar de Estado, talvez, ou recorrer a alguma entidade que nos ajudasse a sobreviver” (narrativa de Leta de Souza Alves, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 174) e depois disso saírem do país.
O primeiro exílio, que denominamos de exílio interior não foi algo voluntário, ou tomado assim como uma fuga de mulheres, que se arvoraram a sair para viver uma aventura. Mas é uma circunstância decorrente da pressão interna, imposta pelos mecanismos de dominação e perseguição engendrados pelo regime militar, que as conduziram ao isolamento social, ao viver no medo, na resistência e buscando formas de sobrevivência para ainda viverem em território brasileiro.
“... Copa do mundo, Brasil Campeão, Brasil grande! ... A euforia, o ufanismo, o milagre [econômico]: e todo um mundo cultural a sua volta se destruindo, as pessoas não se questionando mais, não se questionando” (narrativa de Alice, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 81).
Alice Costa indica o que a corroía por dentro, não que ela tenha dito com essas palavras, mas podemos deduzir pelo texto destacado: um ufanismo perturbador, posto que no seu entorno havia degradação nos aspectos culturais em meio à falta de consciência política.
No Brasil ditatorial, desde os primeiros momentos os intelectuais do regime se preocupavam em apresentar para a sociedade uma faceta legal, ou que os generais agiam em conformidade com a lei. Foi nesse contexto que ganhou notoriedade a medida de força que instituía plenos poderes aos detentores do poder, os Atos Institucionais. De todos, aquele que ganhou maior visibilidade, dada a crueza de seu teor é o Ato Institucional n. 5, AI-5, decretado durante o governo do general Costa e Silva, no ano de 1968; podendo dentre outras medidas fechar o Congresso Nacional, decretar estado de sítio, cassar mandatos parlamentares, de governadores, prefeitos, por “crimes políticos”, leia-se pensar diferente dos militares, manifestando publicamente a opinião. E também suspendia habeas corpus, demitia e exonerava dos serviços públicos, autarquias e empresas públicas, funcionários tomados como ameaça política. Essa ação que vigorou até o ano de 1978 como um mecanismo de vigilância, perseguição, punição e muita violência contra qualquer cidadão que se opusesse ao discurso fundador e dos preceitos que fundamentavam o regime militar. É neste ambiente de medo, silenciamento e muito sofrimento que Alice ministrava aulas na Universidade, espaço que atuava como profissional e não como uma militante política, mas que tinha um compromisso social. E obviamente esse compromisso social a expunha.
“A este período chamo de exílio dentro do próprio pais. Você não fazia nada do ponto de vista da militância política, pouco do ponto de vista profissional ou mesmo em termos culturais, porque dada a censura, não era qualquer filme que você tinha condição de ver e os jornais traziam versos de Camões. Você vivia ali um pouco ilhada e com muito cuidado pra que as pessoas não se interrogassem muito ao seu respeito” (narrativa de Alice, in: Costa & Moraes & Marzola & Lima, 1980: 83).
A narrativa de Alice demonstra claramente o viver do medo que toda sociedade brasileira experimentava, que independente da militância ou não se viva um exílio dentro do próprio país, dada a censura que leva ao isolamento, a chamada “ilha” de Alice, onde não se permitia expor nada fora da caixa, queremos dizer, nada fora do lugar, nada fora de contexto, que lhe permitisse ser visível, notada, visibilizada perante os demais.
Quando menciona os versos de Camões nos jornais, está apontando de modo claro a percepção da censura aos grandes jornais. Estes apresentavam não só versos de grandes poetas, mas receitas de culinária dentre outras variedades. Assim cobriam um espaço destruído pela censura que habitava as redações. A censura é desta maneira um fato de linguagem “que produz efeitos de sentido pela clivagem que a imposição de uma divisão de entre sentidos permitidos e sentidos proibidos produz no sujeito” (Orlandi, 2007: 93), considerando que a linguagem está em constante movimento do qual utilizamos da paráfrase ou da polissemia para significar as coisas e acontecimentos. Mas nos jornais havia o cuidado do regime em não permitir vir a público determinadas matérias, por atingir um grande número de leitores e qualquer deslize poderia manchar a imagem dos generais de plantão.
É neste fato de inserir poemas e receitas de alimentos que percebemos uma intervenção na linguagem, como uma expressão da censura. Deste modo observamos ocorrer a presença de um movimento ideológico, posto que o silenciamento dado pela força do poder, expressa a opressão talvez sutil pela substituição das palavras, das matérias, que não se queria que o público tomasse conhecimento. Essa tática de dominação, utilizada pelos militares no Brasil, ocorre sempre considerando que o “silêncio não é transparente. Ele é tão ambíguo quanto as palavras, pois se produz em condições especificas que constituem seu modo de significar” (Orlandi, 2007: 101), retirando os sentidos daquilo que pudesse manchar o regime. Sendo o próprio ato de censurar uma mancha.
Como nos afirma Orlandi (2007: 102) “o silencio não fala ele se significa”, e mesmo havendo toda uma censura, opressão, vigilância, uma tentativa de calar discursivamente os sujeitos, o silêncio se significa, pois “o silêncio, ao contrário, não é o não dito que sustenta o dizer, mas é aquilo que é apagado, colocado de lado, excluído” (Orlandi, 2007: 102).
Em todas as narrativas aqui apresentadas observamos o funcionamento do discurso, da memória, que está em constante evolução, no ir e vir das lembranças ou do esquecimento, portanto, vulnerável a toda utilização e violação. Desse modo, a memória é, em grande parte, uma operação afetiva que se alimenta de “lembranças enevoadas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensíveis a todas as transferências, censuras ou projeções” (Nora, 1993: 98), que apelamos como um recurso, através do qual discutimos as questões postas, pelas mulheres que narraram suas experiências no exílio interno.
O viver na clandestinidade, na ilegalidade, censuradas, perseguidas dentro do Brasil para Zuleika, Saudade, Leta e Alice foi um exílio interno, e o pior momento da vida de muitos brasileiros e brasileiras, que antes de saírem do Brasil para outros países viveram internamente como exilados dentro de seu território nacional. Ser exilada dentro do seu próprio país, significou para essas mulheres viver no/com medo, perseguidas, torturadas fisicamente e emocionalmente, independentemente de serem militantes políticas, companheiras ou mães de militantes, professoras universitárias ou estudantes.
Algumas considerações
Durante a construção deste texto consideramos sempre que “é impossível compreender o acontecimento histórico, o discurso histórico, ambos também discursivo sem considerar a linguagem” (Domingues, 2017). E assim sendo impossível, pensar o acontecimento exílio interno sem pensar o discurso em funcionamento e as formas de afetamento que este trouxe na vida dos sujeitos em tempos ditatoriais como na vida das mulheres que compuseram a coletânea “Memórias de Mulheres no exílio”.
Ao interpretar as narrativas oralizadas, transcritas e organizadas pode-se perceber que viver o exílio interno foi uma condição primária ao exílio externo, ou seja antes de tomarem a decisão e ou conseguirem sair do Brasil viveram dentro de seu território nacional a condição de exiladas, isoladas, perseguidas, censuradas, mudando ou não de cidades / Estados/, por motivos de perseguição ideológica seja por não aderirem ao regime autoritário ou simplesmente por estarem com alguém que fosse considerado ilegal ou fora do discurso fundado pelo governo militar.
O exílio interno no Brasil que se deu em tempos de regime autoritário, se inicia antes do auge da ditadura militar, pois como nos afirma Aquino “O regime militar brasileiro que podemos considerar um Estado autoritário, teve cinco generais-presidentes que discursaram, oficialmente, sempre, em nome da democracia. Apesar de dramáticos e expressivos episódios ...” (Aquino; 2004: 91). Os anos de chumbo, foram marcados pela impossibilidade de se dizer, de ser, pelo ato de proibir, pela negação do outro poder ser livre e contrário aos discursos fundadores, governamentais, do rumo a ordem e o progresso; seja no espaço público ou privado era proibido discordar em relação ao regime vigente; a liberdade dos sujeitos foram violadas de forma institucionalizada com atos legais como o AI5, como a censura e de forma veladas como o viver pelo e no medo de morrer dentro de suas próprias casas.
Ao pensarmos na questão identitária, estamos também falando de cultura, de viver em sociedade, porém sempre observando que "... a territorialização não garante a identidade - está se produz pela evocação da palavra, pela escrita e por outros modos de transmissão" (Rosa & Carignato & Berta, 2006: 6), ou seja a noção de pertencimento a um lugar é vinculada a construção identitária dos sujeitos que se dá pelas formas de se dizer, de se comunicar, pelo acontecimento discursivo e histórico, pela linguagem com a palavra em movimento. A experiência do exílio interno vivida pela maioria dos exilados para fora do Brasil, é experimentada a partir de ações dolorosas, que elevam os sujeitos a terem muitas vezes que abandonarem seu jeito de ser e viver na clandestinidade, na ilegalidade dentro do seu próprio país.
Durante o exílio interno os sujeitos buscaram formas de se dizerem, apontando perfis imperativos de suas subjetividades. Buscaram forma de se fazerem, apontando aos demais como entendiam e o que deveria ser feito em cada situação limite. Foi assim que indicaram formas de resistência com o fim, não só de derrotar o regime, mas acima de tudo sobreviver e construir um amanhã promissor. Assim as mulheres que compunham o campo da resistência democrática apresentam em seus relatos passagens em que elas chamam para si a responsabilidade das resoluções, a agência de suas vidas, de seus destinos. Elas tomaram decisões que impactaram não somente as condições objetivas de vida visando suprir as condições imediatas da sobrevivência. Mas intervindo também naquilo que desejavam para si, para seus familiares e todos que estavam ao redor, submersos naquelas situações. Elas puxaram as rédeas de suas histórias sob as próprias mãos, sem delegar, sem transferir responsabilidades a terceiros. Agiram (re)significando seus laços sociais, familiares em cada casa, cidade, estado por onde passaram. E apesar de todos os riscos, elas exerceram o domínio de seus desejos resistindo de todas as formas e por vezes recorrendo a estratagemas não convencionais, até a tomada da decisão final, que lhes pareceu compatível com o momento, se convenceram da ideia que outras formas de resistências eram possíveis e, a partir de então optaram pelo exílio internacional, pela saída do território brasileiro, como forma de defesa da vida e sua continuidade.
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Recibido: 08/10/2022
Evaluado: 15/12/2022
Versión Final: 15/02/2023
páginas / año 15 – n° 38/ ISSN 1851-992X /2023
[1] “Era um grupo híbrido, entre um grupo de autoconsciência ou de reflexão (como se queria no Brasil) e um grupo de estudos.” (Costa, 2009).