As origens e evolução da indústria têxtil no Brasil: uma perspectiva global e de longo prazo

As origens e evolução da indústria têxtil no Brasil: uma perspectiva global e de longo prazo

The Brazilian textile industry: a global and long-term perspective

Michel Deliberali Marson

Instituto Tecnológico de Aeronáutica,

División de Ciencias Fundamentales (Brasil)

michelmdm@ita.br

 https://orcid.org/0000-0001-8108-2914 

Resumo

A indústria têxtil foi de extrema importância para o processo de industrialização no mundo. Esse ramo industrial foi o primeiro a se mecanizar em regiões da Europa, promovendo um impulso de ganhos de produtividade que alterou a perspectiva de produção e consumo antes conhecida, e para alguns, possibilitou a ruptura necessária para o desenvolvimento econômico. A indústria têxtil no Brasil, devido a sua importância para o processo de industrialização, foi relativamente bem estudada. No entanto, faltam trabalhos que a coloquem em perspectiva global, comparando com o desenvolvimento de outras regiões do mundo. O objetivo do artigo é promover uma análise da indústria têxtil no Brasil em perspectiva comparativa mundial, desde o início do processo de industrialização em regiões da Europa até meados do século XX, quando a indústria têxtil no Brasil atingiu o seu apogeu em importância para o processo de industrialização.

Palavras-chave: Indústria; têxtil; Brasil; global; longo prazo.

Abstract

The textile industry was extremely important for the industrialization process in the world. The textile industry was the first to mechanize in regions of Europe, promoting a boost in productivity gains that changed the perspective of production and consumption previously known, and led to economic development. The textile industry in Brazil, due to its importance to the industrialization process, has been relatively well studied. However, there is a lack of studies that place it in a global perspective, comparing it with the development of other regions of the world. The objective of the article is to promote an analysis of the textile industry in Brazil in a world-wide comparative perspective, from the beginning of the industrialization process in regions of Europe until the mid-twentieth century, when the textile industry in Brazil reached its peak in importance for the process of industrialization.

Keywords: Industry; textile; Brazil; global; long-term.

Introdução

A indústria têxtil foi de extrema importância para o processo de industrialização no mundo. Esse ramo industrial foi o primeiro a se mecanizar em regiões da Europa, promovendo um impulso de ganhos de produtividade que alterou a perspectiva de produção e consumo antes conhecida, e para alguns, possibilitou a ruptura necessária para o desenvolvimento econômico[1]. Apesar da produção de fios e tecidos ser milenar[2], foi na Inglaterra que teve início, no final do século XVIII, a produção em grande escala, por meio de novas máquinas e pelo sistema de fábricas, que tornaram o processo mais eficiente, expandindo para a Europa e América do Norte posteriormente, principalmente no século XIX. Por esse motivo, até a segunda década do século XX, a indústria de tecidos de algodão era o maior setor manufatureiro do mundo[3].

As consequências desse processo de mecanização da indústria têxtil foram sentidas ao redor do mundo, com o barateamento dos produtos produzidos e o domínio desses países pioneiros, principalmente da Inglaterra, sobre o comércio de fios e tecidos de algodão ao longo do século XIX. A produção de tecidos no Brasil teve início no período colonial, mas sua produção manufatureira desenvolveu, principalmente, a partir do final do século XIX. O que explica esse atraso relativo do desenvolvimento industrial têxtil no Brasil? Esse fenômeno explica ou é explicado, ao menos em parte, pelo atraso econômico relativo do país ao longo do século XIX? No Brasil, como nos países desenvolvidos, o ramo têxtil foi o primeiro a se mecanizar, sendo o responsável pela maior contribuição para o processo de industrialização no final do século XIX e início do século XX.

A indústria têxtil no Brasil, devido a sua importância para o processo de industrialização, foi relativamente bem estudada[4]. No entanto, faltam trabalhos que a coloquem em perspectiva global, comparando com o desenvolvimento de outras regiões do mundo. Também, uma boa parte dos trabalhos foca em períodos específicos, deixando uma lacuna para entender a sua evolução no longo prazo.

O objetivo do artigo é promover uma análise da indústria têxtil no Brasil em perspectiva comparativa mundial, entre o início do processo de industrialização em regiões da Europa e meados do século XX, quando a indústria têxtil no Brasil atingiu o seu apogeu em importância para o processo de industrialização e sua perda de importância até o início do século XXI. As questões específicas sobre o tema serão a importância da difusão tecnológica, política de comércio exterior e demais políticas econômicas. Para tanto, a literatura sobre o assunto será revisitada, colocando em perspectiva de contribuição ao longo dos vários períodos importantes para a indústria têxtil no Brasil.

A próxima seção examina a evolução dos manufaturados têxteis no período colonial. A terceira seção apresenta as razões e dificuldades do desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil, após a independência até o final do século XIX, diante da concorrência dos importados britânicos. A quarta seção é a principal contribuição empírica para a literatura sobre a indústria têxtil no Brasil. Apresenta uma estimativa da indústria têxtil no Brasil em relação ao mundo e discute fatores relevantes para sua expansão no final do século XIX e sua perda de importância nas últimas décadas do século XX e início do século XXI. A última seção resume as principais conclusões do artigo.

O desenvolvimento dos manufaturados têxteis no Brasil Colônia

A literatura clássica sobre indústria têxtil no Brasil é categórica em afirmar a existência, mesmo que incipiente, de uma produção de tecidos para satisfazer as necessidades de subsistência no Brasil Colônia. Essa historiografia afirma ainda que diante das políticas mercantilistas do período, o alvará de 1785[5] afetou a manufatura de tecidos, com exceção de tecidos lisos e grosseiros de algodão, direcionando mão-de-obra para a mineração e agricultura, economias de exportação (Stein, 1979, p. 20), mas a literatura mais aceita acredita que o alvará foi um exagero para um problema pouco importante em decorrência da pequena produção de tecidos no Brasil (Novais, 1979, p. 272-274; Maxwell, 1973, p. 107).

Douglas Libby (1997, p. 98-99) afirmou que há indícios de que a produção têxtil (fios e tecidos), por meio de uma indústria doméstica, era disseminada por boa parte do Brasil no final do século XVIII. Mais ainda, a produção de panos caseiros era comum no período colonial, já que várias tribos indígenas haviam praticado a fiação e tecelagem com a fibra do algodão originário do Brasil. Sobre o Alvará de 1785, Libby apresenta evidências que ele afetou pouco a produção de fios e panos, porque, em sua maioria, os tecidos produzidos eram os grosseiros de algodão, para ensacar e para uso de escravos, justamente os isentos das proibições. Utilizando relatos de viajantes e o Inventário de Teares existentes na Capitania de Minas Gerais de 1786, Libby (1997, p. 122) concluiu que a incipiente indústria têxtil doméstica de Minas no século XVIII se assemelhava à proto-industrialização têxtil da Europa pré-fabril, apesar de algumas peculiaridades.

Uma literatura mais recente questiona a característica pré-industrial da indústria têxtil no século XVIII e afirma que a colônia possuía fatores necessários para fabricação de tecidos, como matéria-prima, mão-de-obra escrava ou indígena, os primeiros a produzir têxteis no período pré-colonial. Entre 1550 e 1700, os colonos portugueses começaram a fiar e tecer de forma doméstica e diversificada, principalmente para atender a subsistência e não ao comércio. Havia uma crescente demanda por roupas baratas para vestir os escravos africanos e a população pobre livre, já que o tecido importado mais caro era para atender a população rica do Brasil (Delson, 2016, p. 77-80). Segundo Delson (2016, p. 80-84), no século XVIII ocorreu uma mudança significativa no desenvolvimento da indústria têxtil, com o aparecimento de fábricas têxteis em novos centros no norte, no extremo oeste do Brasil e centros costeiros antigos, para atender a expansão do comércio dentro do Brasil e um comércio paralelo no exterior.

No final do século XVIII, a indústria têxtil brasileira apresentava duas características diferentes, a produção caseira para uso de subsistência com produção pré-industrial, que permanecia desde séculos anteriores, e a produção fabril proto-industrial, apoiada pelo governo português, que produzia tecidos no norte (exemplos em Belém do Pará) e interior (Albuquerque, Mato Grosso) do país para atender a produção de um comércio interno e uniformes militares, mas em alguns casos, como na capitania do Pará, aparentemente atenderam um comércio para exportação para a metrópole. A principal diferença desses dois tipos de produção era a tecnologia utilizada, sendo que a produção doméstica continuou a depender de rocas e teares simples e as fábricas operadas pelo governo utilizavam máquinas mais modernas e eficientes, predominantemente importadas, com um aparato análogo às fábricas estrangeiras. A maior eficiência se dava pela utilização de aparelhos de fiação provavelmente importados diretamente da Inglaterra ou enviados de Portugal, mas também na forma de beneficiamento da matéria prima, com uma variante de um descaroçador de algodão movido manualmente, em contraste com a forma de limpar manualmente na produção caseira. A única semelhança dos equipamentos das duas formas de produção era na tecelagem, em que ambas as formas de produzir utilizavam o tear nativo manual vertical, já que não foram encontrados no Brasil, mesmo nas fábricas do norte e interior, teares horizontais atualizados, utilizados em Portugal e importados da Inglaterra (Delson, 2016, p. 84-87).

Para entender o contexto do alvará de 1785, depois a abertura dos portos em 1808 e os impactos da Independência do Brasil sobre a produção têxtil nacional é necessário examinar a evolução da manufatura portuguesa a partir de meados do século XVIII e início do século XIX. A produção de manufatura têxtil, a fiação e tecelagem de lã e linho eram praticadas em zonas rurais do norte e sul de Portugal, muitas vezes para atender ao mercado local e de longa distância. A produção de tecidos de linho da região do Minho, com trabalho artesanal doméstico, caseiro e rural, estava atrelada à circulação mercantil para atender o mercado interno e também o Brasil com forte crescimento da produção no final do século XVIII e início do século XIX. Com importação de matéria prima do Báltico, já que com o crescimento da produção o linho produzido em Portugal não era suficiente para a indústria artesanal, sua principal presença era notada no distrito de Viana do Castelo e no Porto em meados de 1800. Apesar da concentração na região Noroeste, há presença da indústria do linho também na Estremadura, Trás-os-Montes, Alentejo e na Beira. A produção de lã no século XVIII em Portugal remontava a uma tradição de produção artesanal desde o século XV, com concentração na Beira, especialmente em Covilhã, que atuava como coordenadora da indústria caseira das zonas rurais, e no Alentejo, especialmente Portalegre e vila de Redondo, com polarização da capacidade de trabalho local por parte das oficinas urbanas. A produção de lã, estamparia de algodão e seda se desenvolveu também na região de Lisboa (Real Fábrica do Rato). A produção de seda se desenvolveu na Comarca de Moncorvo, Cachim e de Freixo de Espada à Cintra e também em Bragança. Essas regiões produziam veludos, tafetás e cetins para o Brasil e outras regiões (Costa; Lains e Miranda, 2014, p. 239-240, 244).

Ao longo do século XVIII Portugal promoveu políticas de estímulo à produção industrial. Apesar do balanço da historiografia sobre os estímulos estatais no período de D. João V (no caso dos têxteis com a construção da Real Fábrica das Sedas do Rato, em Lisboa, em meados de 1730 e depois reformada) ser inconclusivo, a promoção da substituição de importações e a introdução de técnicas inovadoras e, em geral, dominadas por investidores estrangeiros é evidente com as políticas do conde de Oeiras, futuro marquês de Pombal (1755-1777). No caso dos têxteis ocorreu a fundação de lanifícios em Portalegre e Cascais, com a participação de técnicos franceses, a Real Fábrica de Panos de Covilhã e a Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre (Costa; Lains e Miranda, 2014, p. 240-242).

Não se deve subestimar a indústria, especialmente de linho, estamparia de algodão, lã, seda, de Portugal entre o final do século XVIII e início do século XIX e o contexto do comércio ultramarino, principalmente o colonial com o Brasil, para a sua manutenção[6]. Nas estatísticas das Balanças de Comércio de Portugal, as suas exportações de manufaturados “produtos de fábricas do Reino”, incluindo tecidos manufaturados em Portugal, para o Brasil era maior do que a reexportação (de outras localidades) por Portugal de tecidos (linho, lã e seda[7]) entre 1796 a 1831 (com exceção de 1806 a 1808). Como é possível verificar pelo Gráfico 1, depois de um pico em entre 1798 e 1799, ambas as variáveis voltam para a sua média anterior até cerca de 1805, para as exportações de produtos manufaturados e em 1807, para os tecidos reexportados.

Com o bloqueio continental realizado por Napoleão em 1806 e os eventos que forçaram a partida da corte portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos em 1808 ocorreu um impacto significativo para as exportações (e reexportações) portuguesas para o Brasil. É interessante notar os detalhes do comércio exterior do período. Para os tecidos reexportados de Portugal para o Brasil, foi o linho que sustentou a manutenção dos valores até 1807, e depois ensaiou uma recuperação até 1818. Os tecidos de lã e seda nunca voltaram a representar significativas reexportações de Portugal para o Brasil depois de 1806. Possivelmente, com a abertura dos portos e o fim do exclusivo colonial, a demanda por tecidos de lã seria atendida diretamente pela Inglaterra (e outros países), e também responsável pela queda das reexportações de linho por Portugal devido à concorrência dos tecidos de algodão e também linho no final da década de 1810 e início de 1820.

Gráfico 1: Exportações (e reexportação) de Portugal para o Brasil– produtos manufaturados (“produtos de fábricas do Reino”, com retificação) exportados e tecidos (lanifícios, linifícios e seda) reexportados, em contos de réis correntes, 1796-1831

Fonte: Alexandre (1986, p. 44), Weber (2008, p. 520-521). Nota: Os dados de tecidos reexportados são a soma de lanifícios, linifícios e seda e foram retirados de Weber (2008, p. 520-521) que transcreve a Balança de Comércio de Portugal entre 1796 a 1831. Os dados de produtos manufaturados para o Brasil são de Alexandre (1986, p. 44). A retificação inclui entre os “produtos das fábricas do Reino”, produtos industrializados que estavam discriminados em outras categorias, como “lanifícios”, “linifícios”, “sedas”, “metais” e “vários gêneros”.

Para os produtos industriais de fábricas portuguesas exportados para o Brasil os detalhes são mais importantes (ver Gráfico 2).

Como já indicado, depois de um pico de exportações de produtos manufaturados de Portugal para o Brasil entre 1798 e 1799, os valores voltam para a média anterior (de 1796 e 1797) entre 1800 e 1805, com queda significativa entre 1806 e 1807. Depois da crise de 1808 ocorreu uma recuperação significativa até 1818 (chegando aos valores de 1806) com uma tendência de queda nos anos 1820 (com algumas recuperações), mas chegando, no final da década de 1820 e início de 1830, a valores próximos aos da crise de 1807. A tendência específica e a representatividade dos tecidos manufaturados (que correspondiam a mais de 50% das exportações de manufaturados) em Portugal e exportados para o Brasil também apresentam detalhes interessantes.

Gráfico 2: Exportações de Portugal para o Brasil– produtos manufaturados (“produtos de fábricas do Reino”, com retificação) e a composição dos tecidos (linho, algodão, lã e seda), em contos de réis correntes, 1796-1831

Fonte: Alexandre (1986, p.12-20, 31-38, 44); Pedreira (1987, p. 577,579,580); Pedreira (2000, p. 847).

Os tecidos de linho e de algodão foram os principais têxteis portugueses exportados para o Brasil entre 1796 a 1831, com os tecidos de lã e seda com importância secundária. Os tecidos de linho apresentaram uma recuperação mais rápida do que os de algodão a partir de 1809. Essa característica é explicada pelo fato de que os tecidos de algodão tinham proteção tanto no mercado português como no brasileiro (proibição de entrada de produtos estrangeiros[8]) e sofreram com a concorrência britânica após 1808-1810, apesar de certa recuperação até 1818 (mas com apenas 1/3 dos valores do período anterior a 1808). Os tecidos de lã produzidos em Portugal também sofreram com a concorrência britânica, praticamente desaparecendo das exportações para o Brasil após 1809. A crise nas exportações de tecidos de linho ocorrerá apenas após o início dos anos 1820, com as crises da Independência. Para o período todo, os tecidos perdem participação relativa nos produtos manufaturados portugueses exportados para o Brasil entre 1796-1807 e 1809-1831, com perda significativa de importância dos tecidos de lã e algodão (Alexandre, 1986, p. 12-20, 31-38).

Qual o impacto da produção de tecidos estrangeiros e dos movimentos de comércio exterior na produção manufatureira de têxteis do Brasil no período colonial? Primeiro, é inegável o crescimento da produção têxtil de Portugal no final do século XVIII alinhado com o comércio desses tecidos para o Brasil, principalmente de tecidos de linho e lã. Os tecidos de algodão serão importantes na produção europeia após a Revolução Industrial, com impactos continentais apenas no início do século XIX. Os tecidos de algodão manufaturados em Portugal estavam protegidos de concorrência até 1808-1810, mas geralmente a transformação realizada naquele país era de tinturaria e estamparia, com panos crus vindos da Ásia ou da Grã-Bretanha. Segundo, é também perceptível que no início do século XIX começa uma transição na produção de têxteis com perda da importância das exportações de Portugal e crescimento da Grã-Bretanha no fornecimento de tecidos para o Brasil. Os momentos para cada tipo de tecido variou conforme os eventos. As mudanças mais significativas nos tecidos de lã e algodão ocorrem a partir de 1807-1808, mas nos tecidos de linho, apesar da perda do exclusivo colonial, vai ocorrer apenas no início dos anos 1820. Assim, políticas comerciais, de evolução na técnica (e produtividade) da produção de tecidos e preço da matéria prima principalmente de tecidos de algodão, podem explicar essas alterações na composição do mercado de cada produto.

Roberta Marx Delson (2016) reconhece as políticas de Portugal a partir de meados do século XVIII (e especialmente na discussão do tratado de 1785) como um reforço do colonialismo, assim como a historiografia portuguesa, mas com substituição de importações em ambos os lados do Atlântico. Com relação à produção brasileira, havia um ceticismo no início e depois um alarme, já que antes do tratado de proibição de produção de manufaturas no Brasil houve uma tentativa mal sucedida, sob Pombal, em 1766, de reduzir a produção têxtil brasileira, já vista como uma ameaça à produção industrial metropolitana. No entanto, Delson (2016) afirma que a legislação de 1785 não destruiu a manufatura têxtil brasileira, já que os dados disponíveis após 1785 mostram que a produção e comércio de têxteis continuaram inabaláveis na maior parte da colônia. Outro assunto importante discutido é se o aumento das exportações de algodão bruto para a Inglaterra, em decorrência da Revolução Industrial, no final do século XVIII, teria limitado o desenvolvimento da manufatura têxtil de algodão brasileira pela falta de algodão para atender as duas partes do mercado ao mesmo tempo. Delson (2016) afirma que o aumento das exportações de algodão bruto não parece ter ameaçado a produção brasileira (Delson, 2016, p. 90-92).

Apesar de ser difícil responder com exatidão quais foram os efeitos na produção brasileira de manufaturados têxteis no período colonial, parece que as alterações nas políticas de comércio e relações técnicas tiveram impacto na evolução da manufatura têxtil nacional. As mudanças possivelmente limitaram o desenvolvimento da manufatura de têxteis brasileira, diante dos principais produtos que produzia e do tipo de mercado que atendia, conforme veremos na próxima seção.

Continuidade ou ruptura na produção da manufatura têxtil no Brasil?:1820-1880

O desenvolvimento da indústria da manufatura têxtil no Brasil no longo prazo, mesmo que incipiente, foi possível devido a alguns fatores favoráveis, que se intensificaram em meados do século XIX, como produzir a matéria prima, no caso o algodão; já ter uma história com a produção de fios e tecidos, mesmo que artesanal; ter capital, que em parte foi transferido para o setor com o fim do tráfico de escravos em 1850; ter a possibilidade de acessar a difusão tecnológica por meio das máquinas importadas, assim como conhecimento técnico de artesãos e mecânicos a partir dos anos 1820 e 1840[9]; e a formação de um estado moderno a partir da Independência, que deve ser relativizada no caso do Brasil pela troca de dependência econômica e diplomática de Portugal pela Inglaterra[10].

Com relação ao mercado e capacidade de produção de manufaturas de algodão no mundo e seu impacto para a economia britânica (e mundial) é possível afirmar que entre o final do século XVIII e ao longo do século XIX o crescimento da indústria têxtil de forma significativa a partir de 1770 resultou em um desenvolvimento, ou seja, em um crescimento sustentado de longo prazo, efeito nunca notado anteriormente, que moldou a economia moderna e que é sentido até os nossos dias. A taxa de crescimento da indústria têxtil algodoeira da Grã-Bretanha passou de 1,37% ao ano entre 1700-1760 para 6,2% entre 1770-1780, 12,76% entre 1780-1790, 6,73% entre 1790-1801, 4,49% entre 1801-1811, 5,59% entre 1811-1821, impactando em uma taxa de crescimento da economia como um todo do dobro da média entre 1740 e 1800 para 1800 e 1860 (Freeman; Soete, 2008, p. 67-68). Especificamente sobre a concentração e estrutura da indústria, em 1800 havia 3,4 milhões (97% do mundo) de fusos de algodão no Reino Unido e apenas 100 mil no resto do mundo (Farnie, 2003, p. 724). Em 1840, o Reino Unido possuía 64% dos fusos de algodão do mundo (Farnie, 1990, p. 151) e ainda mais da metade até a década de 1880 (ver Tabela A.1, no anexo).

Existe uma discussão na literatura sobre os efeitos das importações britânicas de tecidos de algodão sobre a manufatura artesanal e a indústria doméstica brasileira (pelo menos para a primeira metade do século XIX)[11]. Platt (1972, p. 11) argumenta que existiam mercados na costa do Brasil e no Rio da Prata abertos para os produtos de algodão britânico e que a queda nos custos de produção ampliou esses mercados nos anos posteriores a 1820. No entanto, no interior, os importadores achavam difícil competir com os produtos mais fortes, duráveis e familiares da indústria artesanal local, devido aos custos de transporte, tributação local e comissões comerciais. A explicação de Platt é que a concorrência dos tecidos de algodão britânicos limitou a produção de fábrica local, mas não a produção caseira e artesanal, principalmente no interior, que continuou a satisfazer grande parte da demanda local (Platt, 1972, p. 11-22).

Essa indústria têxtil doméstica para o Brasil é apresentada por Libby (2002) e Martins (2018), que relataram o caso de Minas Gerais, no final do século XVIII e ao longo do século XIX. Os panos de Minas eram baratos e próprios para a escravatura e a sua produção de 7,4 milhões de metros em 1828 representava quase 20% da média anual das importações brasileiras de tecidos de algodão britânicos no período de 1827-1831, valor esse quase o dobro de toda a produção das fábricas têxteis brasileiras quarenta anos depois (1866) (Martins, 2018, p. 233). A produção têxtil artesanal em Minas Gerais teria sofrido com a concorrência de produtos britânicos nas décadas de 1820 a 1840, quando ocorreu uma recuperação temporária do “pano mineiro” devido a sua qualidade, mas revertida com a queda das exportações para outras regiões do Brasil nos anos iniciais da década de 1870 até 1890, devido à predominância dos tecidos importados. O desenvolvimento da produção têxtil artesanal até meados do século XIX não resultou em um processo de industrialização, já que a produção das fábricas do final do século XIX parece ser menor do que no início do século, com a indústria doméstica (Libby, 2002, p. 274-280). Apesar da queda da indústria têxtil doméstica devido à concorrência dos importados ingleses baratos e fábricas brasileiras a partir da década de 1860, a sua produção parece ter sobrevivido até a Primeira Guerra Mundial (Martins, 2018, p. 234-237).

Já para Stein (1979) a expansão do comércio, especialmente com a Grã-Bretanha, favorecida por acordos preferenciais até 1843, prejudicou tanto a indústria artesanal como a manufatureira no Brasil, sendo que o pequeno desenvolvimento de empresas no início do século XIX teve fim por volta de 1830, com o aumento de manufaturas importadas. Apesar de ter sobrevivido até o final do século, a produção caseira teve queda na produção a partir de 1850, em consequência do progresso industrial europeu, com a melhora das máquinas e eficiência de produção refletindo na queda do custo, tornando a produção caseira de tecidos de algodão não lucrativa. Com relação às fábricas de tecidos de algodão, em 1861 foi possível verificar a existência de apenas nove empresas, sendo as principais a Todos os Santos, na Bahia e a Santo Aleixo, no Rio de Janeiro, fundadas na década de 1840 (Stein, 1979, p. 22; 28).

Assim, a grande dificuldade para o desenvolvimento da indústria têxtil, em termos modernos, com fábricas e máquinas, em uma região como o Brasil ao longo do século XIX teria sido a concorrência com a potência industrial e diplomática britânica. Apesar do incipiente tamanho do mercado consumidor, a demanda não parece ter sido um limitador do desenvolvimento industrial têxtil no Brasil[12]. Essa característica fica clara quando é verificada a pauta de importações do Brasil ao longo do século XIX. As manufaturas de algodão representavam cerca de um terço (média de 30%) de todas as importações do país entre 1841 e 1873, caindo para 9,4% em 1901 (Abreu et al, 2022, p.160). Havia, assim, demanda para os produtos manufaturados de algodão, refletida na grande proporção que esses produtos representavam nas importações brasileiras, sendo o principal problema concorrer com as importações estrangeiras (principalmente britânicas) baratas.

Em 1837, Raimundo José da Cunha Matos, analisando as manufaturas em Minas Gerais, no interior do Brasil, afirmou que,

“não obstante os estorvos postos pelo antigo governo ao desenvolvimento das fábricas e manufaturas, havia na província, antes de 1808, (em que se abriram os portos aos estrangeiros), muito maiores estabelecimentos fabris do que agora se encontram. Todos eles foram suplantados pelos gêneros ingleses, franceses, etc., de maneira que hoje apenas resta uma ligeira sombra do corpo que outrora ia tomando um brilhante crescimento e prometia uma certa prosperidade” (Cunha Matos, 1981, vol.2, p. 105).

Apesar do possível exagero da descrição contemporânea acima sobre os estabelecimentos fabris no início do século XIX, a situação econômica da manufatura no interior do Brasil parece ter piorado com a abertura dos portos em 1808 até as primeiras décadas da Independência, decorrente da concorrência dos produtos estrangeiros, principalmente britânicos, sugerindo inclusive um retrocesso na manufatura.

O aumento da concorrência se deu pela queda dos preços dos produtos importados[13], que para atingir o interior do Brasil demora mais tempo devido ao alto custo do transporte no início do século XIX. A evolução dos preços médios das exportações de tecidos de algodão da Grã-Bretanha para o Brasil e para o Cone Sul (Argentina, Chile e Uruguai) ao longo do século XIX pode ser observada no Gráfico 3.

O período de queda mais acelerada nos preços dos tecidos de algodão exportados do Reino Unido foi o de 1815 a meados dos anos 1830, com especial importância na década de 1820. Para Platt (1972, p. 10) os tecidos de algodão britânicos estavam ainda relativamente caros no início da década de 1820. Os preços dos manufaturados de algodão exportados para o Brasil nas primeiras décadas do século eram ligeiramente inferiores aos do Cone Sul, mas com tendência muito próxima e praticamente igualando a partir de meados do século XIX. Os preços dos tecidos de algodão do Reino Unido para o Brasil caem pela metade (0,064 para 0,031 libras esterlinas por jardas) entre 1815 e 1828, reduzindo pela metade novamente (de 0,031 para 0,015 libras esterlinas por jardas) entre 1828 e 1851. Depois de uma alta entre 1860 e 1865 (chegando a 0,024 libras por jardas em 1865), volta à tendência de queda até o final do século XIX (atingindo 0,011 libras por jardas em 1895). A consequência da queda nos preços de tecidos de algodão foi o aumento das importações (em quantidade) pelo Brasil que quadruplicaram (de 15.855.937 para 62.824.889 jardas) entre 1815 e 1828. Entre 1828 e 1851 o Brasil mais do que dobrou (de 62.824.889 para 134.420.924 jardas) a importação de tecidos de algodão do Reino Unido, mais do que dobrando novamente e chegando a um pico de 278.898.500 jardas em 1892 (Reino Unido, 1856-1895).

Gráfico 3: Preço médio (libras esterlinas por jardas) das exportações de tecidos de algodão do Reino Unido para o Brasil, 1815-1828; 1851-1895 e Cone Sul (Argentina, Chile e Uruguai), 1815-1875.

Fonte: Reino Unido (1812-1828). Ledgers of exports of British merchandise under countries. Londres: The National Archives; Reino Unido (1856-1895). Annual Statement of the Trade of the United Kingdom with Foreign Countries and British Possessions. UK. Parliamentary Papers. Londres: H.M.S.O.; Llorca-Jaña (2014), p. 312-313; 317-318.

Com relação ao mercado consumidor, em 1850, mais da metade dos tecidos de algodão produzidos no Reino Unido foi exportado. Entre 1820 e 1850, Ásia e América Latina constituíram os mercados de exportação com o mais rápido crescimento (Beckert, 2014, p. 165). O Brasil representou em média 7,4% de todas as exportações de tecidos de algodão do Reino Unido entre 1815 e 1879, um mercado considerável, já que o Cone Sul (Argentina, Chile e Uruguai) apresentou média de 4,3% e o México 1,3%. Na América, o Reino Unido exportou mais tecidos de algodão apenas para os Estados Unidos, que tiveram uma participação média de 10,2% entre 1815-1879. No entanto, ao longo desses anos o Brasil tornou-se o maior mercado das Américas em alguns períodos específicos, como no final dos anos 1830 até meados dos anos 1840 e na segunda metade dos anos 1870 (Llorca-Jaña, 2014, p. 318-320). A evolução das exportações de manufaturas de algodão do Reino Unido para o Brasil entre 1815 e 1879 pode ser examinada no Gráfico 4. Houve uma evolução crescente das exportações de manufaturas de algodão do Reino Unido para o Brasil, com crescimento rápido a partir de meados do século XIX[14].

Assim, tudo indica que, até o terceiro quarto do século XIX, a manufatura e indústria brasileira de algodão teve muita dificuldade para se desenvolver devido à concorrência com os produtos ingleses importados. O Brasil teria falhado em desenvolver a sua própria indústria mecanizada de tecido de algodão. A industrialização dos produtos de tecidos de algodão teve que esperar até os anos 1880 (Beckert, 2014, p. 170).

Gráfico 4: Exportações do Reino Unido - manufaturas de algodão (excluindo linhas) para o Brasil, valores declarados (mil libras constantes de 1879), 1815-1879

Fonte: Llorca-Jaña (2014, p. 318-320). Nota: os valores em libra esterlina foram deflacionados pelo índice de preços por atacado do Reino Unido.

O motivo do atraso da produção industrial de tecidos, em termos modernos, do Brasil pode ser encontrado em um exame das exportações do Reino Unido (proporção de tecidos de algodão em relação as exportações totais) para o Brasil ao longo do século XIX (Gráfico 5) e de forma detalhada (exportações por produto) na segunda metade do século XIX (Tabela 1)[15].

O Gráfico 5 apresenta a participação relativa dos tecidos de algodão em relação ao total exportado do Reino Unido para o Brasil entre 1815 e 1879. Como é possível notar, as manufaturas de algodão representam em média 53,6% de todas as exportações do Reino Unido para o Brasil entre 1815 e 1879. Apesar da variação dos valores entre os anos, a tendência é de queda da proporção de manufaturas de tecidos em relação às exportações totais do Reino Unido para o Brasil ao longo do século XIX, mas de forma extremamente lenta até 1850 (média das manufaturas de algodão nas exportações totais de 55,4% entre 1815-1850) e lenta até 1879 (média de 51,5% entre 1851-1879). Apenas a partir do último quarto do século XIX é que haverá uma diversificação mais significativa nos produtos exportados do Reino Unido para o Brasil.

Gráfico 5: Exportações do Reino Unido - manufaturas de algodão (excluindo linhas), % das exportações totais para o Brasil,1815-1879

Fonte: Llorca-Jaña (2014, p. 314-316; 318-320).

A Tabela 1 apresenta de forma detalhada a participação relativa por tipo de produto exportado do Reino Unido para o Brasil entre 1851 e 1895.

 Como é possível verificar pela tabela, 79% das exportações do Reino Unido para o Brasil eram de manufaturas têxteis (57,3 % de algodão, 12,7% de lã, 8,4% de linho e 0,7% de seda) em 1851. A concentração nos produtos (tecidos, principalmente de algodão) exportados pelo Reino Unido para o Brasil começa a diminuir apenas a partir de 1870, quando os têxteis representam 65,1% (51,9% de algodão) das exportações do Reino Unido para o Brasil. Em 1895, os têxteis representavam ainda 47,7% (37,4% de algodão) das exportações, mas as máquinas tinham aumentado para 8,5% e metais para 10,9%.

Essas informações mostram o atraso da economia brasileira em meados do século XIX, já que as máquinas representavam apenas 0,7% das exportações do Reino Unido para o Brasil, mas também mostram que o problema limitador da industrialização brasileira não deve ser explicado pelo lado da demanda, ou seja, o mercado consumidor. Mesmo com uma demanda restrita pela baixa renda per capita do país, mais de três quartos de tudo o que o Brasil importava da principal região industrial do mundo era de produtos têxteis. Ou seja, havia demanda para os têxteis, principalmente de algodão, mas era difícil, em geral, concorrer com os produtos britânicos. Uma estimativa comparativa do preço médio (libra esterlina por metro) do tecido de algodão produzido no Brasil com o importado do Reino Unido para os anos de 1866 e 1867 (anos que temos dados passíveis de comparação) mostra que o tecido produzido no Brasil tinha um preço, em média, 2,8 vezes maior (0,059 libras esterlinas por metro contra 0,021 libras por metro) do que o importado britânico[16].

Tabela 1: Exportações do Reino Unido para o Brasil, por tipo de produto, em valor real declarado, em %, 1851-1895

Produto

1851

1855

1860

1865

1870

1875

1882

1885

1890

1895

Manufatura de algodão

57,3

51,8

53,1

50,1

51,9

50,9

47,7

46,3

39,9

37,4

Manufatura de lã

12,7

9,6

5,8

8,1

7,8

7,1

4,8

5,6

4,6

5,3

Manufatura de linho

8,4

6,4

4,8

7,0

4,2

3,0

1,7

1,8

1,6

1,5

Manufatura de seda

0,7

1,0

0,7

0,2

0,3

0,5

0,0

0,0

0,2

0,3

Manufatura de juta

0,0

0,0

0,0

0,0

0,8

1,1

2,5

2,7

1,6

3,2

Máquinas

0,7

1,3

2,1

1,3

2,8

3,0

6,1

7,9

8,6

8,5

Ferramentas

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,5

1,1

1,1

2,0

Ferragens e cutelarias

3,1

4,2

2,8

4,5

4,4

4,1

3,9

2,6

1,8

1,7

Carruagens, ferrovias

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,4

0,5

1,0

1,4

Metais

4,0

7,3

9,5

5,9

7,4

8,5

12,5

9,8

15,6

10,9

Carvão e direvados

0,7

1,2

2,0

2,3

2,9

4,3

3,0

4,8

6,6

6,5

Nafta, petróleo

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,2

0,1

Cervejas e destilados

0,7

0,8

1,6

1,7

1,3

1,0

0,8

0,4

0,2

0,6

Alimentos

2,8

4,0

3,4

2,3

2,7

0,9

1,3

1,4

1,6

1,6

Couro e selarias

0,3

0,5

1,1

2,9

1,3

2,4

2,9

3,1

3,8

3,4

Total

91,4

88,1

86,9

86,3

87,8

86,9

88,3

87,9

88,3

84,6

Fonte: Reino Unido (1856-1895). Annual Statement of the Trade of the United Kingdom with Foreign Countries and British Possessions. UK. Parliamentary Papers. Londres: H.M.S.O., 1856-1895.

Assim, parece correta, em parte, a afirmação de Bulmer-Thomas (2014, p. 154) de que mesmo com alta taxa de proteção industrial para a América Latina, a proteção foi menor do que a necessária para desenvolver uma produção industrial persistente, não apenas devido ao baixo nível de renda per capita e tamanho da população, já que a demanda por produtos têxteis no Brasil foi crescente ao longo do século XIX, mas principalmente por causa da concorrência com o produto importado britânico muito mais barato[17].

Apenas entre 1870 e 1890 que o Brasil começou a alterar a pauta de importações da principal economia industrial do mundo, substituindo importações de têxteis do Reino Unido pela produção interna e modernizando a economia com a importação de bens de capital (máquinas, equipamentos, entre outros) e expansão do investimento industrial. Na próxima seção tentamos explicar como no final do século XIX e início do século XX foi o período de anos dourados para a indústria têxtil no Brasil e também o seu desenvolvimento após os anos 1930.

Os anos dourados da indústria têxtil no Brasil (1880-1930) e o crescimento relativo com perda de importância no processo de industrialização (1930-2016)

Os anos finais do século XIX, principalmente a partir da década de 1880, até o início da Crise de 1929 foram os melhores anos para o crescimento da produção e investimento da indústria têxtil no Brasil. O número de fusos[18] da indústria têxtil de fiação brasileira passou de 42 mil (apenas 0,1% do total mundial e 14,4% do total da América Latina) em 1882 para 2 milhões e 775 mil fusos (1,7% do total mundial e 77,2% do total da América Latina) em 1930, crescimento impressionante de 65 vezes (Ver Tabela 2 e Anexo).

Para alguns autores, é nesse período que tem início o processo de industrialização do Brasil, com significativa produção organizada por meio de fábricas e utilização de máquinas, sendo a indústria têxtil, pioneira da industrialização em países desenvolvidos, central nesse processo. O que explica a mudança? Quais os fatores que levaram o Brasil a iniciar o processo de industrialização de tecidos em escala mais significativa?

Tabela 2:  Total de fusos de algodão nos principais países do mundo e na América Latina, em quantidade, % por regiões, 1788-1930

Regiões

1788

1800

1821

1834

1852

1861

1867

1877-1882

1913

1920

1930

Est. Unidos e Canadá

0,0

0,2

1,7

7,6

16,9

20,5

14,0

13,6

22,1

24,3

21,9

Europa

100,0

99,8

92,0

85,8

82,7

77,4

80,9

78,3

63,4

61,6

58,9

Grã-Bretanha

100,0

99,1

89,1

54,0

55,3

55,4

59,3

56,5

39,1

38,4

34,2

Ásia

0,0

0,0

0,0

3,8

0,0

1,8

4,4

7,8

12,9

12,6

17,0

África

0,0

0,0

0,0

2,2

0,0

0,0

0,5

0,0

0,0

0,0

0,0

América Latina

0,0

0,0

0,0

0,7

0,4

0,3

0,3

0,4

1,6

1,5

2,2

Argentina/ AL

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,4

0,6

1,4

Brasil/ AL

0,0

0,0

0,0

0,0

3,6

9,7

8,9

14,4

65,7

67,5

77,2

Brasil/ mundo

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,0

0,1

1,1

1,0

1,7

México/ AL

0,0

0,0

0,0

100,0

96,4

90,3

91,1

85,6

33,0

31,9

21,3

     

Fonte: Tabela A.1, no Anexo.

Além das explicações mais tradicionais de consciência de uma classe de industriais com crescente força política no final do Império e início da República para conseguir proteção para a indústria nascente (Luz, 1978 e Stein, 1979), novas interpretações complementam argumentos de ordem econômica, como a queda dos termos de troca da América Latina (e Brasil) na última década do século XIX (Williamson, 2011, p. 32-39). O termo de troca do Reino Unido caiu e da periferia pobre subiu ao longo do século XIX até 1894, barateando os produtos manufaturados do Reino Unido e desestimulando a produção industrial (em alguns casos promovendo a desindustrialização) em países da periferia pobre, já que os seus produtos primários de exportação estavam valorizados no mercado internacional[19]. Assim, entre 1826 e 1894, houve um desestímulo das forças de mercado (termos de troca) para o processo de industrialização da periferia pobre (inclusive do Brasil), devido a ampliação do comércio, principalmente com a Inglaterra, principal produtor e exportador de fios e tecidos de algodão do mundo no período. Para o Brasil ocorreu a reversão dos termos de troca na última década do século XIX (Williamson, 2011, p. 35 e cap. 3, 12).

Outro ponto econômico, ligado à questão política, que merece destaque é a questão da proteção tarifária. Há um crescimento gradual das tarifas entre 1860 e 1879, que tornará atrativo o investimento na indústria têxtil, apesar da proteção tornar-se efetiva apenas na década de 1880 (Stein, 1979, p. 31). Na verdade, parece ser com a tarifa Belisario (Francisco Belisario Soares de Souza, Ministro da Fazenda) de 1887 que ocorrerá a maior mudança significativa na proteção tarifária. Por exemplo, o percentual de razão dos tecidos sobe de 30% em 1882 para 48% em 1887 (chegará a 60% entre 1897 e 1914) e o dos fios de algodão sobe de 30% para 48% entre 1882 e 1887, chegando a 50% entre 1897 e 1920 (Brasil. Tarifas das Alfandegas, 1860-1920; Versiani, 1979, p. v, Tabela A-1). A tarifa média sobre manufaturas no Brasil era a mais alta do mundo em 1913 (Williamson, 2011, p. 219) e a incidência de impostos sobre tecidos e fios de algodão no Brasil continuará a mais alta da América Latina, muito acima da média da Europa nos anos 1952 e 1962 (Macário, 1964, anexo III, p.96-102).

Assim, um conjunto de fatores, como consciência e força política da classe industrial, proteção tarifária, mudança nos termos de troca e na taxa de câmbio parecem explicar o processo de industrialização, com crescimento significativo na produção e no investimento da indústria têxtil no final do século XIX. Além disso, o fim da escravidão e, principalmente, a imigração em massa de europeus, decorrente dela, vai aos poucos ampliar o mercado consumidor para produtos manufaturados, a oferta de operários, com menor custo para a remuneração do trabalho e também empreendedores no ramo industrial (Dean, 1971).

O período de maior crescimento da indústria brasileira de produtos de algodão foi entre meados da década de 1880 e meados da década de 1890, quando 47 novas fábricas foram instaladas, com número médio maior de fusos e teares que as anteriores e algumas existentes foram expandidas, além de darem início produtos mais elaborados, em cores, com estamparias (Suzigan, 2000, p. 147). Esse desenvolvimento da indústria têxtil brasileira teria fim apenas com a crise de 1929. A produção anual de tecidos de algodão do Brasil passou de 20,5 milhões de metros em 1885 para 500 milhões de metros em 1929, atingindo esse patamar já em 1917 (Stein, 1979, p. 107, 109).

Em 1910, as estimativas mostram que o Reino Unido era o maior exportador líquido de fios e tecidos de algodão com 81% de todas as exportações desses produtos no mundo, muito a frente dos seguintes competidores[20], como o Japão, Itália, França e Alemanha. Os maiores importadores de fios e tecidos de algodão eram regiões da Ásia, principalmente Índia e China, mas também da América Latina, como a Argentina, o terceiro maior importador líquido e o Brasil, o oitavo maior importador do mundo (Clark, 2007, p. 316).

Para o Brasil, apesar do avanço da indústria têxtil entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, ainda havia espaço para crescer e atender a crescente demanda do mercado interno. Uma estimativa da participação da produção interna e importações na oferta total entre 1866 e 1919 revela que a indústria têxtil de algodão nacional parte de apenas 4,8% da oferta total desses produtos (produção interna e importações) em 1866 para 86,3% em 1919[21]. Na década de 1960, o Brasil, já era autossuficiente (produção maior que consumo) em produtos têxteis (Cepal, 1966, p. 92; Cepal, 1968, p. 40).

Para entender esse processo em um contexto global é necessário olhar para comércio mundial de produtos industrializados em uma perspectiva de transferência de tecnologia entre países. Em 1899, 40,6% do comércio mundial de produtos industriais eram de têxteis e vestuários (9% de fios, 23,2% de tecidos e 8,4% de produtos acabados). Em 1959, esses mesmos produtos representavam apenas 11,1% (2% de fios, 6,1% de tecidos e 3% de produtos acabados) do comércio mundial de produtos industriais. A característica mais visível dessa mudança é explicada pela industrialização por substituição de importações de países atrasados por meio da difusão da tecnologia têxtil ocidental para o mundo, já que a queda do comércio de produtos têxteis foi compensada pelo aumento de outros produtos manufaturados, principalmente outros bens de consumo e bens de capital, devido ao aumento da renda mundial ao longo do século XX. Assim, em 1899, a maquinaria e os equipamentos de transportes representavam 11,8% (8% de maquinaria e 3,8% de equipamentos de transportes) de todo o comércio mundial de produtos manufaturados, passando para 41,3% em 1959 (Rosenberg, 2006, p. 391-393).

A industrialização no Brasil, no sentido de utilização de técnicas modernas de produção com fábricas e máquinas, avançou de forma mais significativa nos produtos têxteis, como é comumente afirmado, que eram mais fáceis de serem produzidos por esses métodos, mas principalmente devido à grande proporção que esses produtos representavam na demanda (e renda) dos habitantes. Interessante que o aumento da renda derivado do próprio processo de industrialização, limitava o crescimento dos produtos têxteis devido à baixa elasticidade renda da demanda. De forma inversa, os bens de capitais tinham a sua produção concentrada (80% em 1913 e 70% em 1959) nas três maiores economias do mundo (Estados Unidos, Grã-Bretanha e Alemanha) até meados do século XX. Esses países maiores e com industrialização mais avançada conseguiam produzir máquinas e equipamentos em grande escala, para exportação, sendo que outros países desenvolvidos (como Suíça e Suécia) e menos desenvolvidos (como o Brasil) conseguiam exportar apenas máquinas e equipamentos especializados. Isso ocorreu devido à grande diversidade dos equipamentos no setor de bens de capital e a característica do desenvolvimento dos ramos de máquinas e equipamentos ao longo do século XIX e XX mais adaptável à tecnologia de produção com especialização flexível e não à produção em massa (Rosenberg, 2006, p. 390-397; Valdaliso e López, 2008, p. 146-153, 244-260, 282-289; Marson, 2017).

O Brasil ganhou participação relativa na indústria têxtil mundial até pelo menos o terceiro quarto do século XX (passando de 1,7% em 1930 para 2,8% em 1970 do total de fusos mundial), apesar de perda de participação relativa na América Latina a partir de 1930, (de 77,2% para 37,3% do total de fusos da América Latina entre 1930 e 1970), em decorrência do crescimento das indústrias da Argentina, Colômbia, Chile e Peru (ver Tabela 3 e Anexo).

Tabela 3: Total de fusos de algodão nos principais países do mundo e da América Latina, em quantidade, % por regiões, 1930-1970

Regiões

1930

1940

1950

1960

1970

Estados Unidos e Canadá

21,9

17,4

20,0

17,0

15,7

Europa

58,9

54,8

50,4

31,9

21,5

Grã-Bretanha

34,2

28,3

24,6

7,9

2,7

Ásia

17,0

24,9

24,3

43,5

53,6

África

0,0

0,0

0,5

1,1

1,7

América Latina

2,2

2,9

4,8

6,4

7,4

Argentina/ AL

1,4

7,7

9,3

13,0

11,1

Brasil/ AL

77,2

63,8

57,5

48,9

37,3

Brasil/ mundo

1,7

1,9

2,7

3,1

2,8

México/ AL

21,3

20,1

17,2

18,0

28,1

         

  Fonte: Tabela A.1, no Anexo

O crescimento da indústria têxtil de algodão ao longo do século XX ocorreu com concentração da sua produção na Ásia, que teve sua participação relativa de fusos do mundo aumentada de 17% em 1930 para 54% em 1970, principalmente na Índia, China e Japão. Depois de mais de dois séculos do início da Revolução Industrial dos tecidos de algodão na Inglaterra, que iria deixar para trás a região onde a indústria teve origem, em 2014, a Ásia concentra 82,2% (43% na China) de todo o algodão manufaturado do mundo, sendo que apenas a China possui a metade dos fusos e teares do mundo (Beckert, 2014, p. 382, 431).

Apesar do crescimento da indústria no contexto global, no cenário interno, a partir dos anos 1930, o setor têxtil começou a perder participação relativa dentro da indústria nacional, acompanhando a lógica do crescimento e da tecnologia industrial mundial, que com o crescimento da produção industrial e da renda nacional, tendia a diminuir a importância de setores, como os têxteis, menos sensíveis a esse crescimento. Esse processo pode ser observado detalhadamente na Tabela 4, que mostra a evolução da estrutura setorial industrial do Brasil entre 1920 e 2016.

Como é possível observar na tabela, o valor da produção da indústria têxtil e confecções (vestuário) no total da indústria de transformação passou de 35,9% em 1920 para 3,3% em 2016. O período de maior perda de participação relativa da indústria têxtil brasileira na indústria nacional ocorreu nos 50 anos entre 1920 e 1970 (de 35,9% para 12,7%), permanecendo estável (12,7% a 10,6%) entre 1970 e 1990, caindo bruscamente novamente entre 1990 e 2007 (de 10,6% para 3,7%), mas agora com importância relativa bem menor, assim permanecendo na segunda década do século XXI.

Além do movimento natural de evolução do processo de industrialização para setores mais complexos, outros fatores explicam a perda de importância relativa da indústria têxtil do Brasil em meados do século XX. Em 1962 a CEPAL elaborou um extenso estudo sobre a indústria têxtil brasileira. Um dos principais resultados foi que a indústria têxtil representava significativa importância para a geração de renda e emprego manufatureiro e atendia praticamente a totalidade do consumo brasileiro, sendo de grande importância para a economia do país como um todo, mas já identificava a relativa baixa produtividade comparada a outros países, inclusive da América Latina, como um dos principais problemas do setor, refletindo em crescimento abaixo da indústria de transformação, com perda de participação relativa (Cepal, 1962).

Tabela 4:  Brasil - estrutura setorial da indústria de transformação, % do valor da produção, 1920-2016

          Ramos

1920

1939

1949

1959

1970

1975

1980

1990

1995

2007

2016

Alimentos, bebidas e tabaco

40,2

35,7

36,5

27,6

23,0

18,2

15,5

16,5

20,3

18,7

26,9

Têxtil e confecções

35,9

27,7

23,0

16,0

12,7

10,2

10,3

10,6

7,2

3,7

3,3

Construção

0,9

Móveis

1,3

1,6

1,7

1,8

1,8

1,5

1,5

0,9

0,9

1,1

1,1

Artefatos e ornamentos

0,3

Madeira

3,8

2,8

3,4

2,6

2,3

2,2

2,0

0,7

0,7

1,2

0,9

Papel e celulose

1,8

2,0

3,0

2,4

2,3

2,7

3,3

4,2

3,3

3,4

Imprensa e publicações

2,6

2,8

2,3

2,5

2,2

1,6

1,6

2,6

0,7

0,7

Produtos químicos e farmaceuticos

7,9

9,5

8,8

12,4

14,4

17,9

21,2

20,3

20,0

11,7

12,3

Derivados de petróleo (plástico)

0,2

0,7

1,7

1,8

2,0

2,2

2,2

10,2

8,8

Borracha

0,6

1,6

2,5

1,7

1,6

1,5

1,4

1,3

3,7

3,8

Couro

2,1

1,9

1,5

1,1

0,7

0,5

0,5

0,6

0,4

Minerais não metálicos

2,4

3,7

4,5

4,5

4,2

4,0

4,2

3,1

3,2

2,8

3,0

Metalurgia

3,5

6,3

7,6

10,5

12,5

13,3

13,7

13,2

10,5

8,6

6,0

Equipamentos de transporte

1,7

3,0

2,3

6,8

8,2

9,0

7,8

9,2

12,4

13,4

9,6

Mecânica e aparelhos elétricos

2,0

3,0

6,8

10,4

13,0

12,8

14,4

12,4

7,8

6,5

Produtos de metal, eletrônicos

7,8

6,9

Outros ramos

0,1

0,9

1,2

1,3

1,6

2,3

2,7

1,9

1,6

5,3

6,9

Total

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

100

Fonte: IBGE (1990). Estatísticas Históricas do Brasil: séries econômicas, demográficas e sociais 1550-1988, p. 385 (Tabela 7.7) p.386 (Tabela 7.8) p. 388 (Tabela 7.12); IBGE (2007). Estatísticas do século XX (para os anos de 1970 a 1995): https://seculoxx.ibge.gov.br/economicas/tabelas-setoriais/industria.html.; IBGE (2007-2016). Pesquisa Industrial Anual Empresa. (para os anos de 2007-2016): https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=8&op=0&vcodigo=PIG22&t=valor-bruto-producao-industrial-segundo-secoes

A baixa eficiência da indústria tinha como consequência os preços relativamente altos do produto, que anulavam qualquer possibilidade de competir no mercado externo, mesmo com matéria prima e mão de obra a um custo relativamente baixo. A explicação para a baixa produtividade da indústria brasileira de fiação e tecelagem nos anos 1960 apesar de ser múltipla, enfatizava a maquinaria antiga e desatualizada, a mão de obra com insuficiente treinamento e a organização do trabalho e administrativa interna deficiente (Cepal, 1962).

O tema da baixa produtividade da indústria têxtil brasileira em meados do século XX merece um estudo específico e detalhado. No entanto, algumas observações podem ser elaboradas. Consideramos um estudo do custo manufatureiro da indústria têxtil ao redor do mundo no início do século XX (Clark, 1987, p. 146) e estimamos preliminarmente com a mesma metodologia, o custo para a indústria têxtil brasileira. As informações podem ser observadas na Tabela 5[22].

Apesar dos resultados não serem conclusivos sobre os custos do setor manufatureiro têxtil brasileiro em 1910, dada a diversidade de informações de salários e a falta de índices de preços, o Brasil não conseguiria atingir a eficiência da indústria têxtil da Ásia (Tabela 5), particularmente Japão, Índia e China, países que tiveram crescimento no início do século e principalmente depois da Segunda Guerra Mundial.

Tabela 5:  Estimativa do custo da indústria têxtil ao redor do mundo, 1910, em dólares correntes

Região

salário/semana

capital/fuso

carvão (ton).

Custo manufatureiro (Inglaterra=100)

Nova Inglaterra

8,8

17,4

3,8

163

Estados Unidos (Sul)

6,5

17,4

3,8

133

Inglaterra

5,0

12,7

2,5

100

Alemanha

3,8

18,5

4,9

101

França

3,7

16,5

4,7

95

Suiça

3,7

24,8

6,6

118

Austro-Hungria

2,8

16,4

5,8

83

Espanha

2,7

19,3

6,5

90

México

2,6

19,3

10,0

91

Brasil

2,8

20,8

5,4

95

Rússia

2,4

20,7

7,2

90

Italia

2,4

16,0

7,3

78

Portugal

1,7

17,5

7,0

73

Japão

0,8

24,6

2,6

76

Índia

0,8

17,6

5,0

60

China

0,5

16,3

3,3

52

Fonte: Adaptado de Clark (1987, p. 146).

Nota: 1- Informações e fontes para o Brasil:

a) os salários médios são das fábricas têxteis do Rio de Janeiro em 1920 (5,6 mil réis por dia) de Versiani (1993, p. 88), deflacionado pelo custo de vida entre 1910-1920 pelo índice de Lobo et al (1971), resultando no valor de 1,5 mil réis (US$ 0,5) por dia ou US$ 2,8 por semana (55 horas), a preços de 1910. Os valores de salários nas fábricas têxteis do Brasil variavam entre as regiões. Stein (1979, p. 228, nota 70) encontrou salários diários de 0,8 mil réis a 3 mil réis (entre US$ 0,27 e US$ 1) em Pernambuco e 1 mil réis a 6 mil réis (entre US$ 0,34 e US$ 2) em fábricas do Rio em 1910.  

b) consideramos o custo do capital a depreciação de 25% do montante de capital (plantas e equipamentos) por fuso do Brasil, com dados de Stein (1979, p. 191), conforme Clark, 1987, p.147, calculou para os outros países.

c) na falta de um custo para o carvão, calculamos o custo para o Brasil como a média dos demais países.

2- O custo manufatureiro (última coluna) foi calculado utilizando a metodologia de Clark (1987, p.146, Tabela 1), com a seguinte proporção: (custo do salário*0,618)+(custo do capital*0,124)+(custo do combustível*0,034), ou seja, a proporção dos custos na Inglaterra.

Os indicadores de produtividade física (metros de tecidos produzidos por trabalhador) da indústria têxtil brasileira desaceleram a partir de 1915, diante de 1910. A produtividade até 1960 não atingirá o patamar de 1910[23]. Parece que os choques adversos das Guerras Mundiais e crise de 1929 e Grande Depressão dos anos 1930 pioraram os indicadores de produtividade geral da indústria têxtil brasileira. A volatilidade externa no período direcionou o crescimento para o mercado interno, mas esse fechamento da economia alterou fatores econômicos relativos que não contribuíram para a eficiência econômica. Nos anos 1930, o setor têxtil começou a perder participação relativa dentro da indústria brasileira (Tabela 4). Depois dos anos 1960 o custo da baixa eficiência da indústria têxtil brasileira é evidente (Cepal, 1962) e o Brasil começou a perder participação relativa na América Latina e no mundo (Tabela 3 e A.1, no Anexo), principalmente diante de competidores da Ásia.

Conclusões

Ao longo do trabalho tentamos apresentar as origens e evolução da indústria têxtil no Brasil, demonstrando o seu atraso relativo até o final do século XIX e depois o seu desenvolvimento. O que parece explicar esse atraso no período colonial é a própria característica de uma economia extrativa, com pequena população localizada em partes específicas do território. Em alguns lugares desenvolveu-se uma produção artesanal e depois manufatureira. Os interesses de Portugal naturalmente eram atendidos diante do contexto colonial, no qual o desenvolvimento da produção têxtil tinha um limite, com o comércio de bens produzidos na Metrópole. É interessante notar que muitas vezes os bens produzidos no Brasil não eram concorrentes com os estrangeiros, dado a sua finalidade e qualidade, sendo que a produção local conviveu relativamente de forma harmoniosa com o comércio de importação pelo menos até meados do século XIX.

Essa característica parece que é intensificada com a abertura dos portos em 1808. Nesse período a Inglaterra já dominava a produção fabril de fios e tecidos de algodão e, com a sua crescente produtividade econômica e política externa, iria dominar o comércio de têxteis mundial ao longo de todo o século XIX e início do século XX. O Brasil foi peça nessa engrenagem econômica, sendo ainda um dos principais importadores de produtos têxteis de algodão no início do século XX. Ao longo do século XIX há uma continuidade na dependência de produtos importados têxteis para atender a demanda nacional, principalmente dos produtos mais elaborados, devido à grande competividade e ao preço dos produtos britânicos. A indústria local se desenvolveu de forma esparsa e não necessariamente contínua, em algumas localidades e momentos em que essa competividade era bloqueada, devido à dificuldade com transportes, proteção tarifária indireta e demandas específicas.

No final do século XIX um conjunto de fatores favoreceu o arranque da indústria têxtil brasileira, como a formação de uma classe de industriais, aumento na proteção tarifária, mudança nos termos de troca e desvalorização da taxa de câmbio, aumento do mercado consumidor e oferta de mão de obra com a imigração entre outros fatores. Entre o final do século XIX e o início do século XX a indústria têxtil cresceu em importância no contexto global e latino americano, mas já na década de 1930 dava sinais de desaceleração, em decorrência da baixa produtividade em comparação global, evidenciado com certeza nos anos 1960, pelo aumento da competitividade de outras regiões da América Latina e especialmente da Ásia, a última região inclusive superando a produção têxtil dos Estados Unidos e Europa, sobretudo da Grã-Bretanha.

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Recibido: 15/09/2023

Evaluado: 15/11/2023

Versión Final: 13/01/2024

Tabela A.1 - Estimativa - total de fusos de algodão nos principais países do mundo e da América Latina, em milhares, 1788-1970

 

1788

1800

1821

1834

1852

1861

1867

1877-1882

1913

1920

1930

1940

1950

1960

1970

Grã-Bretanha

1.941

3.400

7.000

10.000

18.000

31.000

34.000

44.207

55.576

58.692

55.207

42.100

29.580

9.710

3.486

EstadosUnidos

8

130

1.400

5.500

11.500

8.000

10.600

30.579

35.834

34.025

24.750

22.995

19.956

19.559

Canadá

855

1.200

1.277

1.159

1.121

817

755

França

n.d.

n.d.

500

2.500

4.500

5.500

6.800

5.000

7.400

9.400

10.250

9.783

8.148

5.802

3.588

Alemanha

n.d.

22

224

626

900

2.235

2.000

4.700

10.920

9.400

11.070

10.236

6.535

7.059

5.937

Suíça

n.d.

580

900

1.350

1.000

1.854

1.389

1.536

1.446

1.269

1.156

1.169

941

Bélgica

n.d.

200

400

612

625

800

1.469

1.572

2.172

2.004

1.802

1.493

985

Austro-Hungria

n.d.

800

1.400

1.800

1.500

1.558

4.864

1.140

817

1.093

546

576

415

Espanha

n.d.

1.200

807

800

1.865

2.200

1.800

1.875

2.039

2.210

2.589

2.210

Holanda

n.d

40

250

487

598

1.167

1.305

1.170

1.020

563

Itália

n.d

450

880

4.580

4.515

5.342

5.483

5.566

4.611

4.121

Suécia

530

584

Portugal

110

480

482

503

469

536

1.101

1.357

Dinamarca

n.d.

84

Noruega

74

Polônia

1.400

1.554

1.693

1.067

2.001

2.108

Checoslováquia

3.584

3.636

3.445

2.331

1.950

2.095

Rússia/UniãoSoviética

n.d.

700

1.000

2.500

4.400

8.800

7.200

7.624

10.050

9.483

10.800

14.694

Turquia

276

793

1.545

Síria

27

128

167

Israel

45

166

308

Irã

160

561

900

Paquistão

169

1.941

3.130

Índia

1.610

6.195

6.871

8.907

9.876

10.534

13.864

17.876

China

44

964

1.400

3.829

5.071

4.000

9.600

13.900

Hong Kong

82

490

894

Taiwan

400

1.400

Indonésia

127

557

Filipinas

410

847

Tailândia

18

60

430

Coréia do Sul

305

475

902

Japão

5

8

2.414

3.814

7.045

11.880

3.906

13.218

11.632

Austrália

114

234

237

223

Egito

n.d

400

280

507

1.185

1.730

África do Sul

120

198

504

Brasil

4

14

15

42

1.493

1.521

2.775

2.765

3.291

3.840

3.588

México

125

122

130

152

249

750

720

767

869

986

1.416

2.704

Argentina

9

14

52

332

531

1.019

1.070

Colômbia

20

200

358

560

649

Chile

33

175

219

403

Perú

118

148

215

265

Uruguai

93

135

180

Venezuela

60

132

287

Equador

49

88

116

El Salvador

14

32

73

127

Cuba

163

237

Total da amostra dos países

1.941

3.430

7.854

18.531

32.533

55.981

57.327

78.177

142.132

152.693

161.340

148.734

120.352

122.367

129.385

Estimativamundial

3.500

 

 

 

 

 

 

142.132

 

 

149.471

 

 

130.113

Fonte: Landes (2005), p. 224, 476; Mitchell (1992), p. 496-498; Mitchell (1983), p. 475-477; Mitchell (1998), p. 438-442; Harber (1997), p. 162-163; CEPAL (1966), p. 93;  Stein (1979), p. 191; Batou (1991), p. 185; EstadosUnidos. Cotton Production and distribution (1912, p. 25; 1936-1937, p. 44; 1939-1940, p. 42; 1961, p. 37); Van Voss, Hiemstra-Kuperus; van NederveenMeerkerk (2016), p. 12-13, 27, 339, 381, 383, 473; Wythe (1945), p. 300;  Bethell (1986). Vol. 5, p. 396; Lazonick (1983), p. 202; Saxonhouse& Wright (2010), p. 541; Beckert (2014), p. 67, 140, 157, 158, 170, 279; Maw, Solar, Kane & Lyons (2022), p. 5; Nadal (1975), p. 196.

Nota: n.d.= não há dados, mas há informações de já possuírem fusos operando (Beckert, 2014, p. 139; Clark (2007), p. 304; Clark (1987), p. 142).

Os dados acima devem ser vistos como um esforço de estimativa. Há várias lacunas e muitas vezes os dados não são exatos e há pequenas divergências entre as fontes. No entanto, acreditamos ser uma boa aproximação da evolução da quantidade de fusos da indústria têxtil de algodão ao redor do mundo por quase dois séculos.

páginas / año 16 – n° 41/ ISSN 1851-992X /2024                       


[1] A literatura sobre o assunto é extensa. Para um resumo ver Mark Koyama e Jared Rubin (2022).

[2] Ver Wayland Barber (1993) apud St Clair (2018, p. 6).

[3] Gregory Clark (2007, p. 315) estimou o valor da produção mundial de tecidos de algodão em US$ 1,6 bilhões correntes em 1910, permanecendo como o maior setor manufatureiro do mundo até 1918. Para efeito de comparação, o setor automobilístico dos Estados Unidos torna-se o mais importante da indústria do país em valor adicionado e exportações em meados dos anos 1920 (Valdaliso; López, 2008, p. 315). Em 1917, o valor de produção de automóveis nos Estados Unidos é estimado em US$ 996,7 milhões (Yáñezr; Badia-Miró, 2011, p. 324), que produziam três vezes mais automóveis (estimativa de US$ 330 milhões) do que o resto do mundo em 1916, já que a Europa não adere a era do automóvel antes da década de 1920 (Frieden, 2008, p. 78). Assim, as estimativas de produção de tecidos de algodão (US$ 1,6 bilhões) em 1910 são superiores as estimativas de produção de automóveis (US$ 1,3 bilhões) em 1917.

[4] Ver Stein (1979), Versiani (1979), Haber (1997), Libby (1997), Suzigan (2000) e Delson (2016).

[5] O Alvará de 1785 proibia o desenvolvimento das manufaturas têxteis nas Capitanias do Brasil colonial, com exceção de tecidos grossos de algodão para vestuário de negros e enfardamento de demais produtos. A justificativa do alvará é que o desenvolvimento das fábricas e manufaturas têxteis desviava a escassa oferta de trabalho da lavoura e da mineração.

[6] Entre 1796-1806, as manufaturas correspondiam a 35,6% do total das exportações de Portugal, sendo mais de 90% das exportações de manufaturas para o Brasil. Os produtos exportados incluíam estamparias de algodão e panos de linho, chapéus e ferragens. Depois da Independência do Brasil, as manufaturas de Portugal representavam entre 1825-1831 apenas 16,8% do total das exportações e 4% do total das exportações em 1850 (Costa; Lains e Miranda, 2014, p. 297-298).

[7] As importações de tecidos de algodão estrangeiros eram proibidas em Portugal até o Tratado de Comércio com a Inglaterra em 1810. A partir de 1811, Portugal reexportou manufaturados de algodão ingleses, mas em uma proporção média pouco significante (6%) dos tecidos de linho, próxima aos tecidos de seda e um pouco acima dos tecidos de lã entre 1811 e 1831.

[8] O Tratado de Methuen (1703), que estabeleceu livre entrada de produtos ingleses em Portugal, desfavorecendo a indústria têxtil, principalmente de lã (já que a produção de tecidos de algodão não era importante na Europa no período), em troca da paridade tarifária do vinho português com o francês no mercado inglês. Com Pombal, em meados do século XVIII, ocorreu uma reação ao sistema com a substituição de importações de produtos têxteis tanto na metrópole como na colônia.

[9] Os artesãos britânicos foram autorizados a trabalhar fora do país apenas em 1825 e as exportações de máquinas foram desregulamentadas em 1842 (Clark, 2007, p. 303), mas antes disso era importante o contrabando de máquinas e a imigração, mesmo não autorizada de artesãos (ver Landes, 2005, p. 152-153, nota 35).

[10] Para Beckert (2014, p. 142-154, 161) a formação do mapa da expansão da mecanização do algodão manufaturado ao redor do mundo ao longo do século XIX é decorrente de uma história prévia com a manufatura têxtil, disponibilidade de capital, máquinas e tecnologia e capacidade do estado de criar uma estrutura para o desenvolvimento do empreendimento na região. Sobre a importância de produzir a matéria prima, ver Suzigan (2000, p. 129-130), que reforça ainda outros fatores importantes para o desenvolvimento da indústria a partir de meados do século XIX como a demanda crescente por vestuário e sacaria para os produtos de exportação, mão de obra barata, apesar de não treinada e proteção da concorrência estrangeira, inicialmente com elevados impostos de importação e no final do século XIX com também desvalorização cambial. Sobre a transferência de capital com o fim do tráfico de escravos ver Lobo (1978, p. 171) e Soares (2002, p.302), Stein (1979, p. 23) e Suzigan (2000, p. 137).

[11] Para uma abordagem recente sobre o comércio entre Brasil e Grã-Bretanha e os efeitos da proteção tarifária na primeira metade do século XIX ver Pereira (2021).

[12] Sobre o argumento de falta de demanda para o desenvolvimento industrial no Brasil ver Prado (1991). Outro argumento parecido, é que a baixa renda per capita atrasou o desenvolvimento industrial no Brasil (ver Bulmer-Thomas, 2014, p. 145-146). Nesta mesma linha, para uma abordagem geral para o pequeno mercado da América Latina (e o Brasil) para o comércio britânico na primeira metade do século XIX (ver Platt, 1972, cap. 1).

[13] A queda dos preços dos produtos de algodão ocorreu devido ao rápido crescimento da produtividade, já que as primeiras máquinas de fiação aumentaram a produção por hora de trabalho em aproximadamente 400 vezes entre 1750 e 1825. Na Índia, para fiar cem libras de algodão cru eram necessárias 50.000 horas de trabalho em 1750. Na Inglaterra, utilizando a spindle mule em 1790, para o mesmo montante de produção eram necessárias 1.000 horas de trabalho. Com o aperfeiçoamento das máquinas, em 1825, eram necessárias apenas 135 horas de trabalho. A queda no preço é explicada pelo aperfeiçoamento dos equipamentos, mas também pelo aumento da quantidade de trabalho (média de horas de trabalho de 2.760 em 1750 para 3.115 em 1800 e 3.366 em 1830) e um menor salário, pelo menos até 1850 (Acemoglu; Johnson, 2023, p. 180-181).  

[14] Para uma abordagem detalhada entre 1815 e 1860 ver Pereira (2021, p. 324-331, especialmente Figura 4).

[15] Os valores para manufatura de algodão no Gráfico 5 e da Tabela 1 apesar de serem de fontes diferentes são compatíveis e compráveis. As fontes primárias dos valores de 1815-1879 (Gráfico 5) são os Ledgers of exports of British merchandise under countries, e de 1851-1895 (Tabela 1) são os Annual Statement of the Trade of the United Kingdom with Foreign Countries and British Possessions.

[16] Os dados de produção são de Stein (1979, p.191). Os valores da produção (2.116.000) mil de réis foram convertidos em (213.824) libras pela taxa de câmbio de Abreu et al (2022, p. 261) e dividido pelos metros (3.586.000) produzidos, resultando em um preço de 0,059 libras por metro em 1866. Os dados de importação são do Reino Unido (1856-1895). Os valores de importação (2.888.091) libras foram divididos pelos metros (135.491.537) transformados de jardas (148.240.194) originais das importações, resultando em um preço de 0,021 libras por metro em 1867.

[17] Para um exercício empírico com estimativas e conclusões semelhantes ver Pereira (2021, p. 331-335).

[18] A literatura utiliza a quantidade de fusos como medida de capacidade da indústria de produtos têxteis de algodão, já que os fusos são os insumos de capital mais importante para a sua produção (Haber, 2002, p.64).

[19] Uma explicação complementar é a própria Revolução Industrial ter início na Grã-Bretanha no século XVIII em decorrência dos incentivos de substituir altos salários por energia e capital baratos. Segundo Allen (2011, p.373-374), no século XVIII os altos salários relativos da economia britânica incentivaram o investimento em máquinas que poupavam trabalho, direcionando a mudança tecnológica. Com o aperfeiçoamento das máquinas da indústria do algodão no início do século XIX para poupar também capital, passou a ser rentável instalar essa indústria na Europa Continental. No final do século XIX já havia incentivo (e rentabilidade) para transferir essa indústria para o resto do mundo.

[20] Talvez uma das questões mais interessantes sobre o desenvolvimento da indústria têxtil seja a predominância da indústria britânica por tão longo tempo, mesmo sobrecarregada com altos custos de produção e competindo contra competidores com baixos salários (Clark, 1987, p. 144).

[21] A estimativa de 1866 é baseada em dados de produção da indústria têxtil algodoeira do Brasil de Stein (1979, p. 191) e importação de manufaturas de algodão (excluindo linhas) do Reino Unido para o Brasil de Llorca-Jaña (2014, p. 318-320). Os valores de produção em contos de réis foram convertidos em libras com dados da taxa de câmbio de Abreu et al (2022, p. 261). A estimativa de 1919 é baseada em Fishlow (1977, p. 20).

[22] Os resultados da tabela devem ser observados com ressalvas. Por exemplo, apesar dos salários altos nos Estados Unidos, as fábricas americanas empregavam duas a três vezes menos operários do que as brasileiras (Stein, 1979, p. 228, nota 69).

[23] A produtividade foi calculada com base nos dados de Stein (1979, p. 191) e Cepal (1962, p. 15). Em 1910, um trabalhador da indústria têxtil brasileira produzia em média 6,9 mil metros de tecidos. Em 1960 produzia 6,5 mil metros em média. Os piores anos, para os quais temos dados, foram 1926 (3,1 mil metros por trabalhador) e 1929 (3,9 mil metros).